"Jamais reveles a outrem o que alguém te confiou, abrindo-te o teu coração. Se queres ser um homem perfeito, aperfeiçoa o teu coração. Diz aquilo que é, em vez daquilo que não é. A Amon aborrece o excesso de palavras. Se algo for contestável, não o digas. O teu silêncio é mais útil do que a abundância de palavras. Deixa o teu coração sofrer, mas domina a tua palavra. O segredo mais íntimo revela-se no silêncio. É vasta a influência do homem agradável ao falar. Mas, as facas estão afiadas para quem forçar a passagem, pois esta só é permitida no devido tempo."
A fascinante concepção dos antigos egípcios em uma vida após a morte, na sobrevivência da alma, elaborados conceitos metafísicos, simbolismo, preceitos mágico-religiosos e crenças arraigadas na espiritualidade, iluminaram os séculos posteriores com grandiosidade e ensinamentos. Na mitologia egípcia encontramos simbolismos intrigantes que afirmam o grau de conhecimento daquele povo místico.
Templos magníficos, morada dos deuses, uma apoteose de glórias e de pompas, as solenes procissões das barcas sagradas, seus textos sacros e seus rituais, numa religiosidade e simbolismo que uniam o homem terreno às divindades cósmicas.
Nesse extraordinário universo sagrado, nessa perene certeza de uma vida divinizada e na eterna sobrevivência de uma alma imortal, estava o encanto de suas teogonias e de sua visão do mundo e do universo.
O mundo da cultura egípcia era transparente, uma parte do divino. Tudo possuía um significado espiritual, sagrado e eterno.A grandeza dessa civilização ultrapassa nossa compreensão e se projeta ao infinito, na profundidade dos mistérios, onde suas barcas sagradas continuam navegando, em sua incessante busca dos Campos Afortunados e no seu profundo anseio de uma união com os deuses.
Notória era a dedicação dos antigos egípcios à vida! - não a vida mundana e materialista a qual o ocidente tanto se apega, e valoriza (embora esta fosse celebrada constantemente) - mas a Vida como um fluxo contínuo onde o desenlace é apenas uma transição. Uma mudança de "estado" e de "ambiente".
Partindo deste princípio, podemos notar que mais de noventa por cento das construções que tinham por finalidade a reverência e exaltação à Divindade, estão ainda de pé! As Pirâmides, as Esfinges, os Obeliscos, os grandiosos Templos e outras tantas estruturas de Culto, Ensino e Ritos Iniciáticos (Casas da Vida) cujo objetivo final era Deus ainda resistem solenemente! Portanto, suas moradias e outros locais referentes à "passageira" vida mundana, eram construídos basicamente com adobe para que durassem justamente o fugaz período de uma existência. Faziam isso para lembrarem-se da temporariedade e transitoriedade da vida, cujo objetivo final era RÁ.
Segundo as crenças vigentes entre os antigos egípcios, o homem era constituído por 9 partes ou conceitos, níveis de formação presentes desde o seu nascimento e que permaneciam mesmo após sua morte. Entre esses conceitos, podemos ressaltar o “KA” e o “BA”.
Consideravam que, assim como o coração é o Altar, o corpo é o Templo de "Bah" (a Alma) e devia ser preservado até a entrada do "morto" pelo terceiro portal do Amentis até a entrada em Amduat ("Reino dos Mortos" ou plano Astral).
KA – Era o duplo – a energia vital e, tal como em vida, necessitava ter suas necessidades plenamente satisfeitas pela energia das oferendas, como frutas, pães, aves e vinho. Seus sacerdotes encarregavam-se desses procedimentos, havendo rituais nos quais essas cerimônias eram realizadas.
O KA necessitava de um suporte energético e, consequentemente, teria melhor resultado se encontrasse a conservação do corpo, o que era realizada pela mumificação.
Era a alma ou um conceito dinâmico, que poderia deslocar-se, representado como um pássaro com cabeça humana. Essa entidade poderia visitar a tumba, deslocando-se através da “porta falsa”. Consideravam-na como um repositório das qualidades do morto – sua alma – sua essência divina. Em com sequencia, era o BA que respondia ao chamado dos sacerdotes, durante os cultos divinos e funerários.
O ser vivo possuía um corpo material – DJET. Quando os diversos elementos constituintes se dissociavam pela morte, o corpo mumificado era chamado KHAT.
Para que todos esses elementos pudessem existir, era mais viável encontrar a perfeita conservação do corpo, sua boa aparência, digna de ser reconhecida pelo KA e pelo BA, revitalizada nos rituais de abertura dos olhos e da boca.
O KA, ou o duplo, sendo estático, ficava próximo às estátuas do morto, que se identificava à múmia, e recebia a energia das oferendas. O BA, conceito dinâmico, poderia tomar as formas que desejasse, diferenciando-se nas transformações – KHEPERU – e nas imagens – IRU.
O direito de entrar no mundo dos renascidos não dependia apenas de ser considerado “justo de voz” – ou MAA-KHERU – (justificado), ou de ter agido, durante sua vida terrena, de acordo com os preceitos de MAAT, ou de forma correta e de ter sido aprovado no Tribunal de Osíris.
Além de seu comportamento moral, o morto deveria estar em boas condições físicas: andar – falar – enxergar – ouvir e até manter relações sexuais.
O sacerdote-funerário – o SEM – tocava a boca do morto com um instrumento em forma de dedo, em ouro – o DJEBA – o qual identificaria aquele “ser” com um recém-nascido em uma nova vida.
O ritual prosseguia, e o sacerdote-funerário empregava, sucessivamente, outros instrumentos sagrados: o PESECHEKEF – em forma de anzol – feito de sílex; o NECHERETI, uma enxó e o bastão com cabeça de serpente ou de carneiro, chamado UER-HEKAU – “Grande na Magia”.
Durante todo esse tempo, a estatua do morto permanecia na posição vertical, sobre um monte de areia que simbolizava a Colina Primordial da Criação.
Após os complexos rituais de purificação, abertura dos olhos e da boca, a alma comparece diante do tribunal de Osíris para ser julgada. Se for aprovada, declarada "justa de voz" - "justificada", MAA-KHERU - estará qualificada para prosseguir sua viagem em demanda dos campos afortunados de Osíris ou Campos do IARU.
Deverá atravessar a misteriosa "RO-SETAU" - a "estrada dos mistérios" - e penetrará no AMENTI - o "Belo Oeste" - cruzando os dois pilones de acesso - as 12 horas diárias e as 12 horas noturnas. Nesse trajeto, enfrentará seus pecados; sua própria consciência, sua emoções e seus instintos e paixões.
Prosseguindo, essa alma terá que atravessar o "ANRUTEF" ou "região santa da noite misteriosa das formas", submetendo-se a outra purificação no "Lago do Lótus", guardado pelos quatro macacos cinocéfalos - os babuínos sagrados.
Nesta fase, a alma, já despojada de seus envoltórios grosseiros e materiais do corpo físico, revestir-se-á de novas roupagens, luminosas e transparentes, e tornar-se-á uma "alma divinizada", um AKHU ou IMAKHU - a sabedoria divina.
Chega, finalmente, aos Campos de IARU - morada de Osiris - o SEDET-HETEP - Campos dos Juncos e revive na companhia dos deuses, na refulgência de Rá, e poderá "navegar na barca de milhões de anos".
Já no interior da tumba, ocorriam os últimos rituais com incensos ervas, preces e oferendas.
Eram assim enterrados sempre na margem esquerda do Nilo (o lado onde RÁ, o Sol, se põe) para que, durante a noite, após o "coração" do "morto" registrar leveza maior que uma pluma na balança do "Tribunal de Osíris", sua alma cruzasse o Rio Sagrado na "Barca de RÁ" a fim de "encontrar-se com RÁ" além da margem direita, onde RÁ se levanta.
OS 9 NÍVEIS DA PERSONALIDADE:
1. DJET (em vida) – Corpo físico – transitório – perecível que passava a chamar-se KHAT após a morte.
2. BA – a alma – dinâmica – que se deslocava entre os mundos dos vivos e dos mortos.
Ela passava através da porta falsa como um pássaro com a cabeça humana.
3. KA – duplo – estático– energia vital que se materializava nas estátuas, objetos de culto e em animais sagrados. Corresponde ao duplo-etérico das filosofias esotéricas.
4. REN – o nome – a identidade.
5. AKH – ou AKHU – Espírito de Luz – divinizado.
6. AB – ou IB – Coração, consciência, que era pesado no prato da balança durante o julgamento da alma no tribunal de Osíris – HATTI – era o coração material.
7. SEKHEM – o Poder – a Força – que comanda.
8. SAHU – o Corpo Luminoso e Transparente – a Essência Sublime do Ser – fase celestial.
9. KHAIBIT – ou SHUTI – a Umbra ou Sombra.
Os egípcios acreditavam que durante a noite, apesar do deus-Sol se tornar invisível, a divindade continuava a sua jornada.
Ao pôr-do-sol o deus passava da barca do dia para a barca da noite e, junto com outras divindades, navegava nas águas subterrâneas através das regiões das horas noturnas, iluminando o mundo das sombras e vencendo criaturas demoníacas.
Continuaremos com este assunto no próximo texto, comentando sobre deuses e demônios que atuavam nas ‘viagens’ da Barca Solar.