sexta-feira, 27 de agosto de 2021

REVISTA ESPÍRITA 1858 » MARÇO » CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM-TÚMULO » O ASSASSINO LEMAIRE

 

 REVISTA ESPÍRITA 1858 » MARÇO » CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM-TÚMULO » O ASSASSINO LEMAIRE


Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "Revista Espírita JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS PUBLICADA son DIREÇÃO DE ALLAN KARDEC Tradução por JULIO ABREU FILHO REVUE SPIRITE JOURNAL D'ÉTUDES PSYCHOLOGIQUES Publié sous la direction de M. ALLAN KARDEC 1858 EDICEL"Condenado à pena máxima pelo Tribunal do Aisne[1], foi executado a 31 de dezembro de 1857.

Evocado a 29 de janeiro de 1858.

1. ─ Peço a Deus Todo Poderoso permitir que o assassino Lemaire, executado a 31 de dezembro de 1857, venha até nós.

─ Eis-me aqui.

2. ─ Como pôde tão prontamente atender ao nosso apelo?

─ Raquel o disse[2].

3. ─ Que sentimento experimenta em nossa presença?

─ De vergonha.

4. ─ Como é que uma jovem, mansa como um cordeiro, pode servir de intermediária a um ser sanguinário como tu?

─ Deus o permite.

5. ─ Conservaste toda a tua lucidez até o último instante?

─ Sim.

6. ─ Imediatamente após a tua execução, tiveste consciência de tua nova existência?

─ Eu estava mergulhado numa perturbação imensa, da qual ainda não saí. Senti uma grande dor; parece que meu coração a sentiu. Vi qualquer coisa rolar ao pé do cadafalso. Vi o sangue correr e minha dor tornou-se mais pungente.

7. ─ Era uma dor puramente física, semelhante à causada por uma ferida grave, como, por exemplo, a amputação de um membro?

─ Não. Imagina um remorso, uma grande dor moral.

8. ─ Quando começaste a sentir essa dor?

─ Desde que fiquei livre.

9. ─ A dor física causada pelo suplício foi sentida pelo corpo ou pelo Espírito?

─ A dor moral estava em meu Espírito. O corpo sentiu a dor física, mas, separado, o Espírito ainda a ressentia.

10. ─ Viste teu corpo mutilado?

─ Vi qualquer coisa informe, que aparentemente eu havia deixado, entretanto sentia-me inteiro. Eu era eu mesmo.

11. ─ Que impressão te causou essa visão?

─ Eu sentia demais a minha dor. Estava dominado por ela.

12. ─ É verdade que o corpo vive ainda alguns instantes após a decapitação e que o supliciado tem consciência de suas ideias?

─ O Espírito retira-se pouco a pouco. Quanto mais o apertam os laços da matéria, mais demorada é a separação.

13. ─ Quanto tempo dura?

─ Mais ou menos. (Ver a resposta anterior)

14. ─ Diz-se que tem sido notada, no rosto de certos supliciados, uma expressão de cólera, além de movimentos, como se ele quisesse falar. É o efeito de uma contração nervosa ou nisto participa a vontade?

─ A vontade, porque o Espírito ainda não se havia retirado.

15. ─ Qual o primeiro sentimento que experimentaste ao entrar na nova existência?

─ Um sofrimento intolerável. Uma espécie de remorso pungente, cuja causa ignorava.

16. ─ Tu te encontraste com os teus cúmplices que foram executados ao mesmo tempo?

─ Por infelicidade nossa. Vermo-nos é um suplício contínuo. Cada um condena o crime do outro.

17. ─ Encontras as tuas vítimas?

─ Eu as vejo... São felizes... Seu olhar me persegue, e eu o sinto penetrar até o fundo do meu ser... Em vão procuro fugir.

18. ─ Que sentimento experimentas à sua vista?

─ Vergonha e remorso. Eu as elevei com minhas próprias mãos e ainda as odeio.

19. ─ Que sentimento elas experimentam quando te veem?

─ De piedade!

20. ─ Elas têm ódio e desejo de vingança?

─ Não. Suas preces atraem para mim a expiação. Não podeis avaliar que horrível suplício é tudo dever àquele a quem se odeia.

21. ─ Lamentas a vida terrena?

─ Só lamento os meus crimes. Se o fato ainda dependesse de mim, eu não mais sucumbiria.

22. ─ Como foste conduzido à vida criminosa que levaste?

─ Escuta! Eu me julgava forte; escolhi uma rude prova e cedi às tentações do mal.

23. ─ A tendência para o crime estava em tua natureza ou foste arrastado pelo meio em que viveste?

─ A tendência para o crime estava em minha natureza, porque eu era um Espírito inferior. Quis elevar-me rapidamente, mas pedi mais do que comportavam as minhas forças.

24. ─ Se tivesses recebido bons princípios de educação, poderias desviar-te da vida do crime?

─ Sim, mas eu escolhi a posição em que nasci.

25. ─ Terias podido agir como um homem de bem?

─ Como um homem fraco, tanto incapaz para o bem quanto para o mal. Eu poderia impedir, durante a minha existência, o avanço do mal que estava em minha natureza, mas não poderia elevar-me a ponto de praticar o bem.

26. ─ Quando vivo, acreditavas em Deus?

─ Não.

27. ─ Diz-se que te arrependeste no momento de morrer. É verdade?

─ Acreditei num Deus vingador... e temi a sua justiça.

28. ─ Agora é mais sincero o teu arrependimento?

─ Ah! Vejo aquilo que fiz!

29. ─ Que pensas agora de Deus?

─ Eu o sinto e não o compreendo.

30. ─ Achas justo o castigo que te foi infligido na Terra?

─ Sim.

31. ─ Esperas obter o perdão de teus crimes?

─ Não sei.

32. ─ Como pensas resgatar os crimes?

─ Por novas provas, mas me parece que a Eternidade está entre mim e elas.

33. ─ Como poderás expiar numa nova existência as faltas anteriores, se não te lembrares delas?

─ Terei a sua intuição.

34. ─ Essas provas serão cumpridas na Terra ou em outro mundo?

─ Não sei.

35. ─ Onde te achas agora?

─ Em meu sofrimento.

36. ─ Pergunto em que lugar te achas agora...

─ Perto de Ermance.

37. ─ Estás reencarnado ou errante?

─ Errante. Se estivesse reencarnado teria esperança. Já disse: parece-me que a Eternidade está entre mim e a expiação.

38. ─ Considerando-se que estás aqui, se te pudéssemos ver, com que aparência te apresentarias?

─ Sob minha forma corporal, com a cabeça separada do tronco.

39. ─ Podes aparecer-nos?

─ Não. Deixai-me!

40. ─ Podes dizer-nos como te evadiste da prisão de Montdidier?

─ Não sei mais... Meu sofrimento é tão grande que só me resta a lembrança do crime... Deixai-me!

41. ─ Poderíamos dar algum alívio aos teus sofrimentos?

R. ─ Fazei votos para que chegue a expiação.

[1] Tribunal de juízes superiores do Departamento do Aisne, no Norte da França.



[2] A Srta. Raquel, evocada alguns dias antes, pela mesma médium, apresentou-se instantaneamente. A respeito deste assunto, foram-lhe feitas as seguintes perguntas:

─ Como é que veio tão prontamente, no mesmo instante em que foi evocada? Dir-se-ia que já estava pronta.

─ Quando Ermance (a médium) nos chama, vimos imediatamente.

─ Você tem, pois, muita simpatia pela senhorita Ermance?

─ Há um laço entre ela e nós. Ela vinha a nós. Nós vimos a ela.

─ Não há, entretanto, semelhança no caráter de ambas. Como há simpatia?

─ Jamais ela deixou inteiramente o mundo dos Espíritos.