Por: Mircea Eliade
As doenças, os sonhos e os êxtases são apenas meios de alcançar a condição de xamã. Às vezes, estas estranhas experiências não representam mais que uma "escolha" do alto e simplesmente preparam o candidato para novas revelações. Mas, em geral, as doenças, os sonhos e os êxtases são, em si, a iniciação; isto é, transformam o indivíduo profano em um técnico do sagrado.
Naturalmente, esse tipo extático de experiência é sempre, e em qualquer lugar, acompanhado de instrução teórica e prática nas mãos de velhos mestres; o que não o torna menos decisivo, pois é a experiência extática que muda radicalmente a condição religiosa da pessoa "eleita".
As experiências extáticas que determinam a vocação do futuro xamã consistem no tradicional esquema de uma cerimônia religiosa: sofrimento, morte, ressurreição. Vista por este ângulo, qualquer "vocação-doença" se ajusta ao papel de uma iniciação, pois o sofrimento que acarreta corresponde às torturas iniciatórias; o isolamento psíquico do "eleito" é a contrapartida do isolamento e da solidão ritual das cerimônias iniciatórias; a iminência da morte experimentada pelo homem doente lembra a morte simbólica representada em quase todas as cerimônias de iniciação.
O conteúdo das primeiras experiências extáticas do xamã siberiano, apesar de comparativamente rico, quase sempre inclui um ou mais dos seguintes temas: desmembramento do corpo, seguido de uma renovação dos órgãos internos e das vísceras; ascensão ao céu e diálogo com os deuses ou espíritos; descida à Região dos Mortos e conversas com os espíritos e as almas dos xamãs mortos; diversas revelações, religiosas e xamânicas (segredos da profissão). Todos temas nitidamente iniciatórios. Em alguns documentos todos estão confirmados; em outros, só um ou dois são mencionados (desmembramento do corpo, ascensão ao céu). É possível que a ausência de determinados temas iniciatórios se deva, pelo menos em parte, a informações inadequadas, já que os primeiros etnólogos em geral se contentavam com dados sumários.
Entre os povos da Sibéria e da Ásia Central, a vocação xamânica freqüentemente se manifesta em forma de doença. Às vezes, não se trata propriamente de doença, mas de uma progressiva mudança de comportamento. O candidato se torna meditabundo, busca a solidão, dorme muito, tem um ar distante, sonhos proféticos e, às vezes, ataques. Todos estes sintomas são apenas o prelúdio da nova vida que aguarda o desprevenido candidato. Acrescente-se que seu comportamento lembra os primeiros sinais de uma vocação mística, que são sempre os mesmos em todas as religiões.
Existem também doenças, ataques, sonhos e alucinações que, em pouco tempo, determinam a carreira de um xamã. Não nos cabe dizer se tais êxtases patogênicos foram, realmente, experimentados ou imaginados, ou se, mais tarde, foram pelo menos enriquecidos de motivos folclóricos, acabando por fazer parte integrante do enquadramento mitológico xamânico tradicional. O que se torna essencial é o fato de que essas experiências justificam a vocação e o poder mágico-religioso de um xamã; que elas são invocadas como a única validação possível para uma mudança radical da prática religiosa.
Por exemplo, um xamã iacuto, Sofron Zateejev, diz que, em geral, o xamã morre e passa três dias na iurta sem comer nem beber. Antigamente, o candidato se submetia três vezes à cerimônia em que era cortado em pedaços. Outro xamã tungue, Ivanov, dá maiores detalhes sobre a cerimônia. Com um gancho de ferro, os membros do candidato são retirados e desarticulados; os ossos, limpos; a carne, raspada: os fluidos do corpo, jogados fora; e os olhos arrancados das órbitas. Depois desta operação, todos os ossos são novamente unidos e presos com ferro. Segundo outro xamã, Timofei Romanov, a cerimônia do desmembramento dura de três a sete dias; durante todo este tempo, o candidato permanece como morto, mal respirando, num lugar solitário.
Diz o iacuto Gavriil Alekseev que todo xamã tem uma Mãe Ave-de-Rapina parecida com um grande pássaro de bico de ferro, garras como ganchos e uma longa cauda. Este pássaro mítico só aparece duas vezes: por ocasião do nascimento espiritual do xamã, e quando ele morre. Toma sua alma, leva-a para a Região dos Mortos; e deixa-a amadurecer num galho de pinheiro. Quando a alma atinge a maturidade, o pássaro volta à terra, retalha o corpo do candidato e distribui os pedaços entre os maus espíritos da doença e da morte. Cada espírito devora a parte do corpo que lhe coube; esse processo confere ao futuro xamã o poder de curar as doenças correspondentes. Depois de devorar o corpo todo, os maus espíritos partem. A Mãe Ave-de-Rapina repõe os ossos nos respectivos lugares e o candidato desperta como que de um profundo sono.
As doenças, os sonhos e os êxtases são apenas meios de alcançar a condição de xamã. Às vezes, estas estranhas experiências não representam mais que uma "escolha" do alto e simplesmente preparam o candidato para novas revelações. Mas, em geral, as doenças, os sonhos e os êxtases são, em si, a iniciação; isto é, transformam o indivíduo profano em um técnico do sagrado.
Naturalmente, esse tipo extático de experiência é sempre, e em qualquer lugar, acompanhado de instrução teórica e prática nas mãos de velhos mestres; o que não o torna menos decisivo, pois é a experiência extática que muda radicalmente a condição religiosa da pessoa "eleita".
As experiências extáticas que determinam a vocação do futuro xamã consistem no tradicional esquema de uma cerimônia religiosa: sofrimento, morte, ressurreição. Vista por este ângulo, qualquer "vocação-doença" se ajusta ao papel de uma iniciação, pois o sofrimento que acarreta corresponde às torturas iniciatórias; o isolamento psíquico do "eleito" é a contrapartida do isolamento e da solidão ritual das cerimônias iniciatórias; a iminência da morte experimentada pelo homem doente lembra a morte simbólica representada em quase todas as cerimônias de iniciação.
O conteúdo das primeiras experiências extáticas do xamã siberiano, apesar de comparativamente rico, quase sempre inclui um ou mais dos seguintes temas: desmembramento do corpo, seguido de uma renovação dos órgãos internos e das vísceras; ascensão ao céu e diálogo com os deuses ou espíritos; descida à Região dos Mortos e conversas com os espíritos e as almas dos xamãs mortos; diversas revelações, religiosas e xamânicas (segredos da profissão). Todos temas nitidamente iniciatórios. Em alguns documentos todos estão confirmados; em outros, só um ou dois são mencionados (desmembramento do corpo, ascensão ao céu). É possível que a ausência de determinados temas iniciatórios se deva, pelo menos em parte, a informações inadequadas, já que os primeiros etnólogos em geral se contentavam com dados sumários.
Entre os povos da Sibéria e da Ásia Central, a vocação xamânica freqüentemente se manifesta em forma de doença. Às vezes, não se trata propriamente de doença, mas de uma progressiva mudança de comportamento. O candidato se torna meditabundo, busca a solidão, dorme muito, tem um ar distante, sonhos proféticos e, às vezes, ataques. Todos estes sintomas são apenas o prelúdio da nova vida que aguarda o desprevenido candidato. Acrescente-se que seu comportamento lembra os primeiros sinais de uma vocação mística, que são sempre os mesmos em todas as religiões.
Existem também doenças, ataques, sonhos e alucinações que, em pouco tempo, determinam a carreira de um xamã. Não nos cabe dizer se tais êxtases patogênicos foram, realmente, experimentados ou imaginados, ou se, mais tarde, foram pelo menos enriquecidos de motivos folclóricos, acabando por fazer parte integrante do enquadramento mitológico xamânico tradicional. O que se torna essencial é o fato de que essas experiências justificam a vocação e o poder mágico-religioso de um xamã; que elas são invocadas como a única validação possível para uma mudança radical da prática religiosa.
Por exemplo, um xamã iacuto, Sofron Zateejev, diz que, em geral, o xamã morre e passa três dias na iurta sem comer nem beber. Antigamente, o candidato se submetia três vezes à cerimônia em que era cortado em pedaços. Outro xamã tungue, Ivanov, dá maiores detalhes sobre a cerimônia. Com um gancho de ferro, os membros do candidato são retirados e desarticulados; os ossos, limpos; a carne, raspada: os fluidos do corpo, jogados fora; e os olhos arrancados das órbitas. Depois desta operação, todos os ossos são novamente unidos e presos com ferro. Segundo outro xamã, Timofei Romanov, a cerimônia do desmembramento dura de três a sete dias; durante todo este tempo, o candidato permanece como morto, mal respirando, num lugar solitário.
Diz o iacuto Gavriil Alekseev que todo xamã tem uma Mãe Ave-de-Rapina parecida com um grande pássaro de bico de ferro, garras como ganchos e uma longa cauda. Este pássaro mítico só aparece duas vezes: por ocasião do nascimento espiritual do xamã, e quando ele morre. Toma sua alma, leva-a para a Região dos Mortos; e deixa-a amadurecer num galho de pinheiro. Quando a alma atinge a maturidade, o pássaro volta à terra, retalha o corpo do candidato e distribui os pedaços entre os maus espíritos da doença e da morte. Cada espírito devora a parte do corpo que lhe coube; esse processo confere ao futuro xamã o poder de curar as doenças correspondentes. Depois de devorar o corpo todo, os maus espíritos partem. A Mãe Ave-de-Rapina repõe os ossos nos respectivos lugares e o candidato desperta como que de um profundo sono.