domingo, 10 de junho de 2018

A MAGIA DE PAPUS II

O homem é triplo: nele, tudo se manifesta em três esferas ontológicas (de ser), seja no aspecto físico ou psíquico. 

O homem é triplo e triuno, três em um, porque os três não existem em separado, porém interados. Somente um homem plenamente desenvolvido consegue dominar a complexidade de seu próprio ser. 

No plano terreno ou meramente físico, o homem, como ensina a magia tradicional, é um resumo da Natureza e contém em si o SER MINERAL, o SER VEGETAL e o SER ANIMAL.

Porém um ser humano é também um ser metafísico, ele é o ser que pensa, o pensante, o racional. Este homem também é trino: 

Sua essência inferior é o 1. 

Espírito, aquele que tem consciência do "Eu Sou"; seu corpo metafísico, que abriga o Espírito, é 2. 

Buddhi, o Veículo e a essência superior do homem é aquilo que no humano se confunde e coexiste com o Criador, 3. Atman, o Homem-Deus. 

O estudante de magia deve atentar especialmente ao animal que existe em todos nós. Papus denomina esse animal humano de o ser impulsivo.

“...o homem é triplo e tudo nele se manifesta sob uma aparência trinária. O mesmo se dá com sua constituição psicológica. ... O homem é triplo e mesmo triuno quando ele está completamente desenvolvido, psicologicamente falando. Quantos homens, porém, não têm desenvolvido senão um ou dois de seus centros intelectuais... O primeiro fim da Magia será pedir, antes de tudo, ao estudante consciencioso que aprenda a analisar seus impulsos, sabendo excitá-los ou inibi-los conforme as circunstâncias. (PAPUS, p 48-49)”

O homem sofre a influência do exterior pelos órgãos dos sentidos e age sobre o exterior pelo olhar (olhos), pela palavra (laringe), pelo gesto (braços) e pelo movimento ou ação (pernas e todo integrado). ...Os olhos pertencem propriamente à pessoa, ao homem de vontade (e não ao animal humano) que tem o olhar como meio de expressão.

Ora, todos estes órgãos de expressão podem obedecer quer ao homem de vontade, quer aos atos reflexos (o animal). ...Domina-se um reflexo como se domina um animal: pelo hábito, porém o ideal de certos homens consiste em fazer-se substituir por seus reflexos em todas as ocupações da vida. E dizem, então, que são felizes. ...Ora, o grande inimigo da magia é o homem impulsivo. É ele que é preciso saber dominar, apesar de seus protestos em cada um de nós, pois é dele que vêm todos os compromissos e todas as fraquezas — visto que ele é mortal, como nos ensina Platão no Timeu — e só o homem verdadeiro é imortal. Aquele que submete o imortal ao mortal materializa-se...

O homem impulsivo pode se apresentar como sensual, sentimental ou intelectual. Seu caráter fundamental, porém, é a passividade. Ele obedece a uma sugestão habitual ou de outra vontade, mas não age nunca por si mesmo. É um sujeito sonambúlico que pode ser inteligente, mas não é um homem.

Depois de uma sensação, um homem puramente instintivo manifesta unicamente necessidades. É um ser guiado por apetites. O ideal da vida dele será comer, beber e dormir. E este ser amará, mas somente como um macho pode amar uma fêmea. Onde está sua razão? Ele não é um louco, todavia sua razão está presa ao instinto e um homem instintivo não é um verdadeiro homem.

Um homem mais elevado que o precedente vai além de necessidades culturais de fundo biológico. O animal emotivo é movido por suas paixões. É a esfera sentimental que predomina neste tipo. ...Em tal homem o sentimento ocupa o lugar principal. Para estes, a maior alegria é o amor bucólico sob a frondosa sombra de um copado arvoredo, um bote e um pouco de música.

A terceira encarnação do homem impulsivo é o INTELECTUAL. A primeira pergunta que nos farão é a seguinte: como admitis que um homem possa manifestar intelectualidade fora da ação da alma imortal? Tal como o animal dominado por desejos e o animal submisso a emoções, existe igualmente o animal inteligente, capaz de aprender truques! 

O intelectual não bebe, não tem fortes apetites sexuais nem gastronômicos. É uma pessoa judiciosa, um modelo de cidadão. Entretanto, não é um homem, é uma máquina. Nele, o raciocínio fútil substitui o amor; o cálculo a propósito de minúcias substitui a música. 

O dinheiro ocupa um lugar de máxima importância em sua vida. ...A vida real decorre entre 1.200 francos e a Cruz da Legião de Honra; a felicidade calculada, a casa de campo e os coelhinhos. Ele é uma máquina de idéias criada pelo Estado para seu uso, muito útil à sociedade, pois as faculdades desenvolvidas à força de professores e à custa de castigos são as mais elevadas que o homem impulsivo pode produzir. 

Estas faculdades são: dedução, análise, comparação, memória. Porém, ele não é um homem no sentido psicológico e, sobretudo, mágico da palavra: é um organismo votado ao cálculo a tal ponto que seu vício preferido, aquele que distrai esta espécie de seres, não o vinho nem a mulher: é o jogo.

...A mola que move a máquina intelectual do homem é o número. Daí provém a obediência a horas; a faculdade que quase todos nós possuímos de despertar na hora certa, pensando nela com insistência. Não há nada de extraordinariamente inteligente nestas coisas se compreendemos bem as três esferas de ser do animal humano como ensinaram Pitágoras, Platão, hermetistas e ocultistas de todas as épocas. Aí está o perigo terrível das funções administrativas, das carreiras que incrustam no indivíduo hábitos inveterados... Ao lado do ofício que põe em movimento a parte mecânica de nosso ser intelectual, é preciso, portanto, que todo homem digno deste nome tenha uma ocupação livremente escolhida. Descansa-se do trabalho físico pelo trabalho intelectual, descansa-se o intelectual pelo lúdico, pelo artístico, porém JAMAIS o descanso se confunde com o ÓCIO (p 50-51-52-53-54-55-56).

Dominando todos os impulsos, percebendo-os e julgando-os, existe uma potência maravilhosa mais ou menos desenvolvida em cada um de nós; a VONTADE HUMANA, o Homem real, verdadeiro. O homem de vontade pode agir diretamente sobre as incitações reflexas da sensação, do sentimento ou do intelecto; ele pode agir pelo olhar, pela palavra, pelo gesto e pela ação sobre os outros homens e sobre a natureza. O homem verdadeiro encarna em si uma três potências do Universo. Este homem se relaciona com a Natureza em igualdade de condições. 

O homem de Vontade é o imperador do mundo da matéria, do mundo das idéias, é o inventor e fundador das cidades, o explorador audaz e o revelador da verdade eterna; sabe sofrer, abster-se e morrer quando for preciso porque ele domina seu organismo, não é dominado por ele. É um senhor e não um escravo.

O homem que adquiriu o hábito de agir sobre suas impressões não se contenta em experimentar passivamente a sensação, ao contrário, desde que ela se produz, apodera-se da sensação e sujeita a impressão recebida a um trabalho todo particular que chamaremos meditação. A meditação consiste na digestão psíquica da idéia produzida pela sensação. A idéia primitiva, submetida à meditação, resulta em um juízo. ...O uso da meditação é a preliminar obrigatória no estudo da magia no que se refere ao domínio da Vontade. (p 59)

No homem, o equilíbrio entre corpo e espírito se estabelece através de um princípio intermediário: vida, mediador plástico ou CORPO ASTRAL. 

Tanto a saúde física quanto a saúde psíquica dependem desse equilíbrio. O que chamamos de saúde para o corpo físico é um equilíbrio, uma resultante de várias forças. As doenças orgânicas surgem por excesso ou falta de princípios nutrientes. 

No primeiro caso há congestões; no segundo, anemias. Mas não somente o corpo físico adoece. De forma análoga, há doenças do CORPO ASTRAL e do ESPÍRITO causadas por desequilíbrios.

Esquematicamente e metaforicamente: o corpo é o veículo; o Espírito é a vontade inteligente que conduz o veículo. Entre o veículo e o condutor, há um elemento intermediário, um conector que transmite o comando, do condutor para o veículo. 

O homem comanda seu veículo por meio de fluxos de energia que denominamos FORÇA NERVOSA. A força nervosa é o cavalo de uma carruagem. Essa força é o laço que prende o espírito ao corpo material. É a vitalidade que produz ações e reações.

A força nervosa é a energia intermediária por meio da qual o espírito atua sobre o organismo e sobre o mundo exterior. ...Lembremo-nos que o ser humano compreende, além deste corpo físico, simples suporte, outro princípio encarregado de mover e animar tudo: o CORPO ASTRAL. 

Este corpo astral age quase sempre conforme a lei dos reflexos, o que significa que a irritabilidade orgânica é a causa de quase todos os movimentos do ser psíquico-impulsivo. ...Ora, o centro psíquico impulsivo (o animal) pode ser mobilizado quer por uma excitação vinda do mundo exterior, quer por uma excitação vinda do espírito consciente. Graças à provisão de fluido nervoso que o espírito tem sempre à sua disposição, no estado de vigília, ele pode excitar diretamente um centro psíquico no sentido que ele julgar preferível; é assim que o espírito pode deter um movimento reflexo.

No estado de vigília o espírito dispõe de certa quantidade de fluido nervoso. Ao longo de um período de atividades físicas e/ou mentais, o fluido se esvai. Quando o nível deste fluido torna-se muito baixo as relações do espírito com o corpo perdem sua intensidade. Os membros se entorpecem, o indivíduo já não tem forças para manter-se de pé, seus olhos pesam, fecham-se, os órgãos dos sentidos perdem sua precisão e o sono natural se produz. 

O sono é causado pela diminuição progressiva da quantidade de fluido nervoso. Daí a perda da sensibilidade exterior e da volição: as relações entre o espírito consciente e o organismo são interrompidas momentaneamente. 

Durante o sono, o corpo astral, que pertence à esfera do homem físico, repara as perdas orgânicas dos centros nervosos conscientes e produz uma nova quantidade de fluido nervoso. Quando o nível de fluido nervoso disponível atinge novamente um nível ótimo, a comunicação entre o organismo e o ser consciente se restabelece: o sujeito acorda. (p 70)

A loucura é uma embriaguês permanente. Na loucura o ser impulsivo prevaleceu definitivamente sobre o ser consciente. ...O gênero de loucura dependerá do centro impulsivo que predomine sobre os outros. Se o centro intelectual domina, a loucura das grandezas, a idéia fixa e persistente aparecerão (mitomania, por exemplo). Se o centro anímico predomina (paixões) veremos a loucura extática em suas variadas formas. Enfim, se é o centro instintivo que atingido, a hipocondria e a melancolia prevalecerão sobre todas as outras manifestações. 

Convém notar que a separação absoluta é pouco frequente e muitas vezes o louco passa de um período para outro, ao acaso dos movimentos do ser impulsivo. Um louco é quase sempre um ser meio morto, quando não o é completamente. Swedenborg afirma essa consequência tirando dela sombrias conclusões acerca do vampirismo. (p 76)

Este seixo que está aqui na minha frente, a árvore sob a qual eu estou e a erva que a circunda, os insetos e pássaros que vejo, tudo isso constitui manifestação da natureza em seus três reinos: mineral, vegetal e animal. Mas a terra sobre a qual tudo se apóia, a água que torna esta terra fecunda, o ar que eu respiro e que alimenta minha vida, da mesma forma que o calor, a luz, a eletricidade, modificações em graus diversos do fogo sutil constituindo o sol, isto tudo ainda é a natureza. ...Conceber, porém, a natureza como o conjunto do mundo visível e estudá-la sob este ponto de vista, eqüivale a não ver no homem mais que seu aspecto visível, exterior; é expor-se a tomar o hábito pelo monge. 

A natureza é, portanto, também outra coisa além deste mundo visível que nos rodeia, da mesma forma que o homem real é outra coisa além deste corpo que estamos habituados a confundir com ele. p 81-82
(Continua)