quarta-feira, 13 de junho de 2018

A BARCA DE RA V

Segundo o Amduat, “O Livro do Submundo”, descrito em hieróglifos nas paredes da tumba de Tutmés III, no Vale dos Reis, o submundo era dividido em 12 horas. 

A Barca de Ra atinge inferno Sokar na hora 4. Esta paisagem do deserto infernal é habitado por serpentes monstruosas de duas ou três cabeças, asas e pernas humanas. A pintura mostra como o barco tem que atravessar áreas tortuosos equipadas com portões guardados por serpentes. 

Nesta viagem do deus-Sol pelo reino das sombras, durante a noite, enquanto visitava o reino dos mortos, lutava contra vários demônios que tentavam impedir sua passagem, as serpentes eram os adversários mais perigosos. O demônio líder era a serpente Apófis (em egípcio Apep ou Aapep). 

Apep, é uma criatura maligna do submundo, Duat, e um inimigo dos deuses, é a personificação do próprio caos, destruição e do mal na mitologia Faraônica. 

É servido por hordas de demônios, a maioria possuindo qualidades de serpente do fogo, quando havia um Eclipse era o corpo gigantesco de Apep,cobrindo a luz do Sol, enquanto tentava destruir a barca de Rá. 

Alguns textos a descrevem como tendo mais de 20 metros de comprimento, com a primeira seção de seu corpo feito de pederneira. Ela era uma das serpentes que habitava o Nilo celeste e surgia do fundo das águas para atacar o deus-Sol e fazer sua barca soçobrar. Consequentemente, era uma constante ameaça à própria estabilidade do cosmos.

O ataque desse monstro ao deus-Sol acontecia, segundo os relatos egípcios, a cada manhã, quando a barca solar estava prestes a emergir para a luz e, então, os aterradores rugidos da fera ecoavam na escuridão. 

Os artifícios que a serpente usava para impedir a passagem do barco eram as próprias ondulações do seu corpo, que são descritas como bancos de areia, ou ainda beber as águas do rio do mundo subterrâneo para fazer com que o barco de Rá encalhasse. A hipnose também é uma de suas armas, pois em algumas versões do mito Apep hipnotiza Rá e todo o séquito que viaja com ele.

Resistindo inclusive ao olhar fixo mortal da serpente e não se deixando hipnotizar, Seth finalmente derrota o gigantesco animal quando, da proa do barco solar, o trespassa com uma grande lança. Ocasionalmente a entidade malévola teria sucesso e o mundo seria mergulhado em trevas, idéia que pode querer refletir a ocorrência de um eclipse solar. 

Mas mesmo nesses casos o deus Seth e seu companheiro Mehen, outra deidade em forma de serpente, sairiam vencedores, pois fariam um buraco na barriga de Apep para permitir que o barco solar escapasse. 

Nas ilustrações, Apófis normalmente é mostrado sendo contido, desmembrado ou sendo destruído. 

Na tumba de Ramsés VI (c. 1151 a 1136 a.C.), no Vale dos Reis, o monstro aparece com 12 cabeças sobre seu dorso, representando aqueles que ele engoliu e que são libertados, embora que apenas por breves momentos, quando ele é derrotado.
Depois que o barco de Rá consegue passar pela cobra, as cabeças estão destinadas a voltar para dentro do corpo do monstro, até serem libertadas novamente, só por um breve instante, na noite seguinte.

Ocasionalmente a entidade malévola teria sucesso e o mundo seria mergulhado em trevas, ideia que pode querer refletir a ocorrência de um eclipse solar. Mas mesmo nesses casos o deus Seth e seu companheiro Mehen, outra deidade em forma de serpente, sairiam vencedores, pois fariam um buraco na barriga de Apófis para permitir que o barco solar escapasse.

Outras narrativas contam que os companheiros de viagem de Rá e até mesmo os próprios mortos, que podiam se transformar em uma forma do deus Shu, eram envolvidos nesta batalha cíclica para a sobrevivência da criação e da ordem. 

Principalmente no Livro das Portas, uma narração sobre a viagem do deus-Sol pelo mundo noturno surgida no começo da XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.), Isis, Neith e Selkhet, juntamente com outras deidades secundárias e ajudadas por alguns guardiães que se apresentavam como uma espécie de macaco, capturam o monstro com redes mágicas. 

A seguir ele é dominado por deidades, entre as quais se inclui o deus de terra Geb e os filhos de Hórus, as quais cortam seu corpo em pedaços. A cada noite, porém, ele será revivido para atacar mais uma vez. Em outros relatos do mito, o deus-Sol é cercado ou engolido pela serpente que mais tarde o vomita, numa clara metáfora de renascimento e renovação.

Em várias culturas ao redor do mundo, ao longo da história, serpentes e eclipses eram vistos como sinas de mau agouro, mensageiros de maus presságios. 

Os antigos maias e astecas também compartilhavam algo similar à crença dos egípcios. Esses por sua vez acreditavam que o seus deuses do sol, Kukulcán para os maias e Quetzacóalt para os astecas, também tinham que enfrentar batalhas durante a noite, contra outros deuses semelhantes à serpentes e criaturas que tentavam evitar que o sol voltasse a nascer. 


Porém havia uma diferença na forma de como eles tentavam ajudar tais deuses. Os maias e astecas acreditavam que seus deuses necessitavam de sangue humano para recobrarem suas forças, logo realizavam sacrifícios humanos diariamente, no intuito de oferecerem o sangue das vitimas aos deuses para que esses conseguissem vencer as batalhas nas trevas e voltassem a surgir na manhã seguinte, trazendo luz, calor e vida. 

Para os japoneses, existe uma antiga história sobre o mundo da escuridão e a deusa-sol Amaterasu que vivia em uma caverna, e todos os dias pela manhã ela saia da caverna para levar sua luz ao mundo, e se recolhia durante a noite. Porém, num certo dia, um de seus irmãos, o deus dos mares e tempestades, Susanoo, foi à caverna da irmã e ridicularizou a deusa e suas criadas.

Assim, revoltada com o irmão, Amaterasu disse que nunca mais sairia da caverna.
Logo todo o mundo fora tomado pela escuridão, o medo tomou conta das pessoas que não saíam mais de casa, os animais eram atacados pelas feras noturnas, as flores não desabrochavam, as árvores não davam mais frutos e o frio tomava conta de tudo. Logo os deuses perceberam a gravidade desse problema e pediram que Amaterasu saísse da caverna, a deusa continuou a recusar o pedido. 

Então, os deuses tiveram uma ideia e chamaram a deusa Uzume, a qual começou contar piadas e fazer brincadeiras, diante da caverna de Amaterasu, enquanto os demais deuses se encontravam ali reunidos, achando tudo aquilo muito engraçado.

Curiosa, a deusa decidiu ver o que estava acontecendo e quando retirou a pedra da entrada avistou a imagem de uma bela mulher e percebeu que era ela mesma refletida em um espelho. Com isto, ela deixou a caverna, recebeu o espelho de presente e prometeu nunca mais se esconder novamente. E a vida voltou ao mundo.

Os árabes pré-islâmicos e os antigos persas, assírios, sumérios e babilônios, temiam viajar durante a noite, por que acreditavam que demônios e outras criaturas rondavam pelas estradas e capturavam os vivos. Entre algumas dessas criaturas estava pazuzu (Assíria),ghoul (pl. ghilan, Pérsia), que devoravam os vivos, e comumente vagavam por cemitérios e ruínas.

Vários outros povos, como os gregos, romanos, babilônios, chineses e indianos, também contam histórias de criaturas que vagam durante a noite e escondem o sol. Acreditavam que durante a noite, o Mundo dos Mortos estava mais próximo do Mundo dos Vivos, possibilitando a abertura de "caminhos" entre esses, e por este motivo, ocasionalmente, a maioria das aparições de fantasmas e espíritos malignos, transcorra à noite.

(Demônio assírio: Pazuzu)

Os gregos e romanos também acreditavam num submundo e em julgamentos póstumos. O submundo era governado por Hades, e nele se julgavam as almas. Para chegar ao reino de Hades os mortos tinham que atravessar o rio Aqueronte. Os mortos eram transportados por Caronte. 

Como se acreditava que o Barqueiro do Inferno, Caronte, cobrava pela travessia, os gregos punham moedas sob a língua ou sobre os olhos dos mortos, para que estes pudessem pagar pelo serviço. Este rio separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos e nele vivem os demônios do submundo: Cacodaimones, Ceutônimo, Eurínomo, Melínoe, entre outros.

Os mortos eram então julgados pelos juízes Minos, Éaco e Radamanto. Os bons e virtuosos seriam encaminhados aos Campos Elísios, um paraíso verdejante onde os mortos poderiam exercer suas atividades favoritas e serem felizes. Os maus seriam lançados no Tártaro, o submundo, onde seriam infligidas de sofrimento por várias criaturas horrendas. 

Instituída a crença no demônio poderoso e malévolo e em seu governo sobre as almas pecadoras, a ideia de Inferno se consolidou como uma maneira altamente criativa de incitar o povo a se submeter ao poder da igreja católica. 

Os egípcios acreditavam que Apep comandava um exército de demônios que infestavam o gênero humano e que só tendo fé nos deuses de luz as pessoas poderiam derrotar tal contingente. Ele era uma serpente que já existia no começo dos tempos nas águas do caos primevo, antes da criação. Seu poder era tão grande que continuaria existindo num perene circulo vicioso de ataque, derrota e novo ataque.

Por conta desse entendimento, anualmente os sacerdotes de Rá executavam um ritual denominado o Banimento de Apófis. Diante de uma efígie colocada no centro do templo eles rezavam para que toda a maldade no Egito entrasse na imagem. Então eles pisoteavam a efígie, quebravam-na, batiam-lhe com paus, despejavam lama sobre ela e, eventualmente, queimavam-na e a destruíam. 

Deste modo, acreditavam, o poder de Apófis seria afastado por mais um ano. 
Em outros relatos do mito, o deus-Sol é cercado ou engolido pela serpente que mais tarde o vomita, numa clara metáfora de renascimento e renovação.

Apófis foi incluído em vários cultos como um deus ou demônio contra o qual as pessoas deveriam estar protegidas. Assim sendo, foram produzidos vários textos mágicos e rituais para combater os seus efeitos no mundo. 

No Livro das Portas, uma narração sobre a viagem do deus-Sol pelo mundo noturno, Ísis, Neith e Selkis, juntamente com outras deidades secundárias e ajudadas pelos quaro macacos do mundo de "ANRUTEF" ou "região santa da noite misteriosa das formas", capturam o monstro Apep com redes que contêm poderes mágicos. Essa magia faz APEP indefeso. A seguir ele é dominado por deidades, entre as quais se inclui o deus de terra Geb e os filhos de Hórus, as quais cortam seu corpo em pedaços. A cada noite, porém, ele será revivido para atacar mais uma vez. 

No Livro das Portas: “Oito deuses avançam na direção de APEP, a serpente, segurando facas e bastões com pontas curvadas. Os quatro primeiros deuses têm cabeças humanas, os quatro seguintes têm, cada um, quatro cobras em vez de cabeça. Em torno do pescoço da APEP uma figura feminina estica os braços e leva uma corda em direção à cabeça da serpente. A corda é mantida por 16 deuses, quatro de frente para esquerda e doze à direita, e uma mão enorme emerge do solo. Atrás da mão, a escalada de corda em uma curva convexa a descer para o chão na frente de uma figura de pé de Osíris”.

Existe um conjunto de textos conhecido hoje em dia como o Livro de Apófis que é uma coleção desses feitiços mágicos que datam do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.), embora o exemplar melhor preservado, conhecido como o Papiro de Bremner-Rhind, atualmente de posse do Museu Britânico de Londres, tenha sido produzido no IV século a.C. São fórmulas destinadas a derrotar o monstro, fornecendo proteção contra os seus poderes maléficos e também contra as cobras, vistas como manifestações perigosas da deidade, ainda que secundárias. 

Como o morto também precisava ser protegido de Apófis, na tumba eram colocados vários rolos de papiro contendo fórmulas para trazer o monstro para o local da execução, onde ele seria cortado, esmagado e consumido pelo fogo. 

Apep, o também chamado de ‘Dragão Negro’, é execrado, e não reverenciado, nos templos do panteão Faraônico. Oficialmente - de acordo com os sacerdotes de Rá-Heru-cuti (Rá; Hórus) e dos outros deuses - Apep não tem seguidores, templos e nenhum credo além da destruição e do mal. 

As almas ensandecidas, corruptas e malignas que se devotam a Apep concordam, ao menos em parte. Ele não tem nenhuma crença além da destruição: a destruição de todos os deuses do panteão Faraônico (Egípcio), seus templos, clérigos, seguidores e até mesmo do mundo criado por eles e as criaturas que o habitam. 
(continua)