quarta-feira, 13 de junho de 2018

A BARCA DE RA IV

“O deus Sol desempenhou um papel crucial no cotidiano dos egípcios. A narrativa da viagem de Rá nos mundos diurno e noturno, aliás, é um dos mitos mais difundidos. 

No decorrer dos séculos, todos os deuses importantes foram associados a Rá. Assim Amon, em Tebas, Ptah, em Memphis, e Aton, em Heliópolis, juntaram a seus nomes o de Rá.
[...]” (QUESNEL, 1993, p.11) 

Antes de seguirmos, falaremos de alguns deuses que fazem parte da aventura de Ra ao submundo e algumas de suas histórias.

Auf-Ra 
Homem com cabeça de carneiro, equipado com chifres horizontais e torcidos. Na mão segurando uma cobra, Ram.

Aparece dentro das cabines dos barcos de Ra quando passa pelo submundo, acompanhado por uma tripulação que escolta. 


Auf-Ra era o deus Rá na forma de funeral, nas viagens noturnas através do submundo. 

A mente egípcia concebia uma estreita ligação entre o deus-Sol e Maat, o princípio da verdade, da justiça e da correta ordenação do universo.

Rá governava nos céus como um soberano divino, contrapartida celestial do faraó, monarca que legislava aos homens tanto como aos deuses com absoluta justiça.

Dizia-se que ele vivia junto da verdade (Maat) e tudo que infringisse esse princípio era considerado odioso aos seus olhos, sendo que, na outra vida, ele exigiria dos homens, antes de admiti-los às regiões celestiais, que prestassem conta de seus atos. 

A justiça de Rá tornou-se assim um forte incentivo para que todos os homens vivessem uma vida correta. Cada indivíduo se dispunha a agir cuidadosamente, tendo em mente "aquela balança na qual Rá pesa a verdade todos os dias." 

Uma das formas que o deus-sol assumia era a de Rá-Harakhti, Ra-Heru-akhty em egípcio, cujo nome significa Hórus no Horizonte. 

Essa divindade era representada como um falcão ou como um homem com cabeça de falcão e entendida como manifestação do Sol ao surgir e se pôr, tendo centro de culto em Heliópolis. Aparecia vestido com um grande disco solar sobre a cabeça, do qual se projetava a serpente uraeus. 

Segundo a egiptóloga Elisabeth Delange, Rá-Harakhti, é a manifestação do Sol flamejante, no apogeu de seu poder, cujo curso está incessantemente ameaçado por forças destrutivas. Maat assinala a vitória do Sol, seu triunfo sobre o adversário. Filha de Rá, o astro divino se alimenta dela. "Rá, Senhor de Maat, vive de Maat, e jubila por ela".


A estela votiva acima, provavelmente da XXVI dinastia (664 a 525 a.C.), se encontra atualmente no Museu do Louvre. Nela o egípcio Irtyrtsha, sacerdote de Osíris e ourives da casa de Amon, adora a imagem de Rá-Harakhti, a divindade que proporciona a ressurreição, muito venerado nesta época.

A divindade aqui aparece com o grande disco solar adornando sua cabeça de falcão, com os pés sobre a base de Maat e segurando um cetro was. 

Na pequena mesa de oferendas surgem dois símbolos essenciais: a ânfora de água e a flor de lótus, esta lembrando o relato da primeira manhã da criação em que o Sol eclode da flor do nenúfar. Por sobre os personagens aparece o disco alado, o qual também abarca o texto. 

Nele se lê que Harakhti, senhor do céu, recebe oferendas e provisões em abundância para Irtyrtsha, filho do ourives da casa de Amon, Hor, neto de um mesmo ourives Khetefnakht.

A função do deus Khepra, a forma que o deus Rá assumia todas as manhãs, a de um escaravelho ou a de um homem com um escaravelho no lugar da cabeça, era a de movimentar o Sol. Então, o deus-Sol, todos os dias, de leste a oeste, rolava a sua esfera pelos céus.


Associados à ideia mitológica de ressurreição, os escaravelhos eram motivo frequente das peças achadas nos túmulos egípcios. 

" A Doutrina Secreta ", HP de Blavatsky nos diz:

"O Espírito de vida e imortalidade em todos os lugares foi simbolizado por um círculo: daí a serpente mordendo a cauda ​​representa o círculo da Sabedoria no infinito, como o faz a cruz astronômica - a cruz dentro de um círculo, e do mundo, com duas asas, que depois tornou-se o sagrado Escaravelho dos egípcios, nome sugestivo de ser a ideia secreta ligada a ela. Para o Escaravelho é chamado no Egito (nos papiros ) Khopirron e Khopri, do verbo Khopron "tornar-se", e foram realizados um símbolo e um emblema da vida humana e dos sucessivos devires do homem, através das peregrinações e vários metempsicoses (reencarnações) da alma libertada. " [SD, II, 552]

A ele foi dado um papel central no "Livro dos Mortos" e em "Amduat" ("o livro do que está no submundo" ou "livro da câmara secreta "). 

Os amuletos de escaravelhos eram colocados sobre o coração do morto durante o ritual de mumificação para ser pesado contra a pena de Ma'at (verdade), durante o julgamento final.


Era gravado em cada objeto um feitiço do Livro dos Mortos, que instruía o coração: "Não servir de testemunha contra mim." 

O radical egípcio KHEPER significa, dependendo do contexto, principalmente o verbo criar ou transformar, e é também a palavra para escaravelho. 

É ainda interessante salientar que a palavra egípcia que significa ‘aquele que vem a ser’ é homófona de escaravelho e este tornou-se símbolo do ‘deus ao vir a ser’, do Sol nascente, da recapitulação diária da criação.




Os escaravelhos destinados aos mortos têm sua face inferior tratada com o maior realismo. Geralmente são escaravelhos-amuletos de pedra dura que eram depositados no lugar do coração, no peito da múmia. Muitas vezes o escaravelho está incrustado numa moldura retangular, fixada sobre o peito do morto. O capítulo XXX do Livro dos Mortos apresenta as fórmulas que devem ser ditas diante de um escaravelho de jaspe verde, rodeado de uma cinta de cobre purificado e circundado por um anel de prata, colocado no pescoço do morto. 

Acima vemos a transcrição do capítulo XXX do Livro dos Mortos gravado na parte inferior dessa peça. Aqui o coração é interpelado e desempenha o papel da consciência pois, de acordo com a teologia menfita, ele é a sede do pensamento, a fonte da ação. Ele também é o dinamismo que dá o movimento aos membros, o funcionamento aos sentidos, a visão aos olhos, a audição às orelhas, a respiração ao nariz. Da ideia de que o falecido era julgado no além e sua alma pesada na balança, nasceu o símbolo da consciência individual: o coração com os pensamentos secretos guardados bem no seu âmago. 

Na filosofia egípcia é reconhecido que Ra está além da manifestação visível, não podendo se resumir a um aspecto dessa manifestação.

A força criativa cósmica primitiva no antigo Egito era chamada de Rá.

Essa força primordial é masculina e ativa, sendo a responsável pela ativação da potência vibratória que se expandiu por toda a manifestação.Sendo a energia de Rá uma força ativa, ela se complementa a partir da interação com uma outra força cósmica, também participante do ato de manifestação do Universo. Essa outra potência cósmica primitiva, passiva e feminina, é Ma.

A energia de Rá é representada nas tradições esotéricas como uma reta na vertical. 


Essa reta seria descendente, o que indica a expressão de uma energia superior, fonte da energia de vida, rebaixando-se ao nível da manifestação, que se encontra num plano inferior, o plano manifesto. Daí a crença de que o prefixo Ra tenha originado a palavra “raio” em português. 

Em Heliópolis ("a cidade do sol" em grego) é ele que, depois de ter decidido existir, o criador do mundo e que o mantém vivo. Quando desaparece no oeste, à noite, ele é Atom, velho curvado, esperado no além pelos mortos que se aquecem com seus raios. Pela manhã, renasce no leste com a forma de um escaravelho (Khepri). Falaremos sobre cada hora desta viagem futuramente.

Durante o dia clareia a terra, sempre com a forma de um falcão. Estes três aspectos e 72 outros são invocados em uma ladainha sempre na entrada dos túmulos reais. 

Ra, pela manhã, na forma de Khepri, é representado como o grande escaravelho preto, sentado no barco solar, girando um grande disco solar.


RÁ era o deus que originou todas as coisas, deus da vida, associado ao Sol. Amon significa «o oculto», ou «aquele que é, (ou está), oculto».

No Egito estas 3 divindades acabaram constituindo uma santa trindade divina, (análoga à que os cristãos muito mais tarde defenderam na sua religião monoteísta) e constituíram apenas uma única deidade : aquele que originou todos os deuses e que era pai de todos os deuses.

Seth é um estranho galgo com longas orelhas cortadas, focinho recurvado e longa cauda fendida.


Filho de Geb e de Nut, Seth é um deus complexo e ambíguo. 

Da proa da barca de Rá, ele trespassa com sua lança os inimigos do Sol; ele serve ao faraó combatendo com a força de seu braço. Mas é perigoso, violento, imprevisível. 

Ele, que defendeu a Barca do Sol das garras de Apep (ou Apopi), o Destruidor, pôs a desordem em seu coração. Ele cobiçava o Trono de Osíris. Ele cobiçava Ísis. Ele cobiçava o poder sobre o mundo e desejava tirá-lo de seu irmão. Em sua mente sombria, ele formulou um plano para assassinar Osíris e dele tirar tudo. Ele construiu uma caixa e inscreveu em sua superfície um maléfico encanto que iria acorrentar e aprisionar qualquer um que entrasse. 

Seth levou a caixa para o grande banquete dos Deuses. Esperou até que Osíris ficasse embriagado, desafiando-o para um teste de força. Cada um deles iria entrar na caixa e tentar, através da força, sair de dentro. Osíris, confiante em seu poder, porém frágil em sua mente por causa da bebida, entrou na caixa. Seth rapidamente despejou chumbo derretido na caixa. Osíris tentou escapar, mas a magia perversa o segurou indefeso, levando-o à morte. Seth ergueu a caixa e lançou-a no rio Nilo. A caixa desapareceu levada pelas águas.

Seth reivindicou o Trono de Osíris para si e demandou que Ísis se tornasse sua Rainha. Nenhum dos outros deuses se atreveu a impedir Seth, pois ele havia matado Osíris e poderia facilmente fazer o mesmo a eles. 

O grande Rá deu suas costas e lamentou. Ele não se opôs a Seth. Essa foi a Era de Trevas. A guerra dividiu o Egito, e tudo estava sem lei enquanto Seth governava. 


Somente Isis não temia Seth. Ela procurou por todo o Nilo pela caixa contendo seu amando marido. Finalmente ela a achou, presa em um ramo de tamareira que havia se tornado uma grande árvore, pois o poder de Osíris ainda estava ativo, mesmo que ele estivesse morto. Ela abriu a caixa e limpou o corpo sem vida de Osíris. Ela carregou a caixa de volta para o Egito e a colocou na casa dos Deuses. 

Ísis transformou-se em um pássaro e voou sobre o corpo de Osíris, cantando uma canção de lamento. Ela rezou por ele e lançou um encanto. 


O espírito de Osíris atendeu suas preces e tomou o corpo de Ísis. Da comunhão espiritual que aconteceu, Ísis concebeu um filho cujo destino seria vingar o seu pai. 

Ela batizou a criança de Hórus, o que tudo vê, e a escondeu numa remota ilha, longe dos olhos de seu tio Seth. 

Isis pediu a Thoth por uma magia que pudesse trazer Osíris de volta à vida. Thoth, Senhor do conhecimento, procurou através de sua magia. Para restaurar Osíris, Thoth deveria recriá-lo, assim seu espírito iria reconhecer e tomar novamente o seu corpo. 

Thoth e Ísis juntos criaram o Ritual da Vida, o qual permitiria que os humanos vivessem para sempre após a morte. Mas antes que Thoth pudesse pôr em ação sua magia, o cruel Seth descobriu seus planos. Ele roubou o corpo de Osíris e o esquartejou, espalhando seus pedaços pelo Egito. 

Ainda assim, Ísis não caiu em desespero. Ela implorou pela ajuda de sua irmã Néftis, para guiá-la e ajudá-la a encontrar os pedaços de Osíris. 

Quando todos os pedaços estavam reunidos, Thoth procurou Anúbis, Senhor dos Mortos. Anúbis costurou os pedaços, lavou as entranhas de Osíris, embalsamou-o em linho e realizou o Ritual da Vida. Quando a boca de Osíris abriu-se, seu espírito entrou em seu corpo e ele ganhou vida novamente. 

Mas, nada que foi morto uma vez, nem mesmo um Deus, poderia viver novamente na terra dos vivos. 
Osíris foi para Duat, o Mundo Subterrâneo. 

Anúbis cedeu o trono a Osíris e ele se tornou o Senhor dos Mortos. 

Ali, ele aplicava o julgamento das almas dos mortos. Condenava os justos à Terra Abençoada do além-vida, mas os pecaminosos eram condenados a ser devorados pelo demônio Ammut (os Mundos Infernos).

Sem Osíris, Seth acreditava que iria sentar no Trono dos Deuses por toda a eternidade. Mas, em sua ilha, Hórus atingiu a força da maturidade. 

Seth enviou muitas serpentes e demônios para matar Hórus, mas este derrotou a todos. 

Quando estava pronto, sua mãe Ísis deu a ele grande magia para usar contra Seth, e Thoth deu a ele um punhal mágica.
Hórus procurou Seth e o desafiou pelo trono. Seth e Hórus lutaram por muitos dias, mas, no final, Hórus derrotou Seth e o castrou. 

Horus manteve seu título no trono, e Hórus pronunciou-se como filho de Osíris. Os deuses iniciaram uma luta entre eles, os que apoiavam Hórus e aqueles que apoiavam Seth. 

Banebdjetet saltou no meio do conflito e demandou que os Deuses terminassem com a luta pacificamente ou então Maat entraria em desequilíbrio. Ele ordenou que os Deuses buscassem o conselho de Neith. 

O Banebdjedet deus significava "Senhor Espiritual de Djedet", ou seja, a capital do nomo 16 no Delta, chamado Mendes pelos gregos. Banebdjetet era um deus da fertilidade, o "Ba do Senhor dos Mendes“. Ele era o ba de Rá, Shu, Geb e Osíris. 

Ele representou os "espíritos" dos quatro deuses: Rá, Shu, Geb e Osíris e era venerado como um carneiro ou retratado como um homem com uma cabeça de cada uma das divindades que ele representava. 

Ele era conhecida desde o Antigo Império e seu principal dever era o de proteger a sua cidade natal. Seu culto atingiu seu auge na dinastia 29 e durou até o período grego.

Segundo Heródoto seus devotos não sacrificavam bodes: 

“[2.42.1] Aqueles que possuem um templo dedicado a Mendes, devem abster-se de oferecer cabras, ovelhas e sacrifício em seu lugar...Estes egípcios, que são Mendesians, consideram o deus carnaeiro como Pan um dos oito deuses que existiam antes dos 12, e ele era representado no Egito pelos pintores e os escultores, assim como ele é na Grécia, com o rosto e as pernas de um bode... Em egípcio, a cabra era também chamada de Mendes.”

Foram as conotações sexuais associadas ao seu culto, que levou os primeiros cristãos a demonizar Banebdjedet e chamá-lo de ‘o Bode de Mendes’, de Baphomet.

Esta, íntima da guerra mas sábia em conselho, pronunciou que Hórus era o herdeiro por direito do Trono dos Deuses. Hórus lançou Seth para as Trevas, onde ele vive até hoje. 


E assim, Hórus cuida dos humanos enquanto vive, guia os passos do Faraó enquanto vive, e seu pai Osíris cuida dos humanos no além-vida. Os Deuses estão em paz. E Seth, o Condenado, eternamente tenta sua vingança, lutando contra Hórus consequentemente. 

Quando Hórus vence, Maat está segura e o mundo permanece em paz. 
Quando Seth vence, o mundo entra em redemoinho. Mas os humanos sabem que tempos obscuros não duram para sempre, e que os raios brilhantes de Hórus irão novamente resplandecer sobre eles.

No Final dos Tempos, Hórus e Seth lutarão uma última vez pelo mundo. Hórus irá derrotar Seth para sempre e Osíris poderá retornar a este mundo. 

Neste dia, conhecidos pelos Hierofantes egípcios como o Dia do Despertar, todas as tumbas serão abertas e os justos que morreram ganharão a vida novamente, e toda tristeza e sofrimento irão terminar para todo o sempre.
(continua)