quarta-feira, 13 de junho de 2018

A ÁRVORE DA VIDA - Um Estudo Sobre Magia IX

Usando exclusivamente a razão, o ser humano jamais poderá chegar a qualquer verdadeira compreensão do que ele é em si, quer dizer, nunca será capaz de compreender apenas através da mente que ele é uma entidade espiritual eterna, uma estrela brilhante que resplandece pela luz de sua própria essência no interior do corpo brilhantemente adornado de Nuit, a rainha do espaço infinito. Para conhecer realmente a si mesmo como um deus e ingressar na comunhão com o criador pessoal, o homem precisa fazer uso de outros instrumentos e outras faculdades. 

Jâmblico formula a lei com muita clareza em Os Mistérios, que não é só pelo raciocínio discursivo ou pela reflexão filosófica que se chega à comunhão com os deuses. É por intermédio do despertar dos poderes espirituais mais elevados por meio dos ritos teúrgicos que se efetua a consumação das longas eras. “Pois uma concepção da mente não une os teurgos aos deuses, visto que se este fosse o caso, o que impediria aqueles que filosofam teoricamente de celebrar uma união teúrgica com os deuses?...

Ora, na realidade esse não é o caso. Pois a perfeita eficácia das obras inefáveis, que são divinamente executadas de uma maneira que ultrapassa toda inteligência, e o poder de símbolos inexplicáveis, que são conhecidos só dos deuses, é que concedem a união da teurgia. Consequentemente, nós não executamos essas coisas por meio da percepção intelectual.”

Observa-se comumente que o indivíduo que é detentor apenas de escassa capacidade intelectual tem frequentemente um maior contato com uma presença espiritual e está mais aberto a intuições do que o seu irmão mais aquinhoado intelectualmente. Paracelso nos assegurou que os grandes Mistérios podem, amiúde, ser mais bem apreendidos por uma mulher simples na sua roca do que pela erudição mais profunda. E, se a memória não me falha, em alguma parte de seus escritos mágicos Lévi também observa que com frequência os verdadeiros magos práticos são encontrados no campo, entre as pessoas incultas, os privados de intelectualidade e sofisticação, ou simples pastores.

Não é a falta de mentalidade ou intelecto que torna o camponês superior. A ausência de capacidade mental por parte do camponês o tornaria realmente inferior, visto que é obviamente a mente que distingue o homem dos animais do campo. Mas quando essa capacidade mental é corrompida pela afetação, pelo convencimento de que ela é suprema, pelo sofisma egotístico, o que é mais freqüente que o caso contrário, então a falta dela se torna relativamente uma grande virtude. 

Havelock Ellis cita um exemplo que corrobora tal afirmação. Ele narra que durante uma longa cavalgada pelo sertão australiano na companhia de um tranqüilo e simples fazendeiro, este subitamente lhe confessou que por vezes subia ao topo de uma colina e ficava perdido para si mesmo e para tudo enquanto permanecia contemplando o cenário que o cercava. Aqueles momentos de êxtase, de união pelo esquecimento de si mesmo com a beleza divina da natureza circundante eram inteiramente compatíveis, observa Ellis, com a perspectiva de um homem dedicado ao trabalho árduo e não sobrecarregado pela teologia, a tradição dogmática e a sofisticação dos modos civilizados. 

Ora, é bem verdade que os Mistérios eram e são mais facilmente compreendidos e as intuições mais frequentemente franqueadas entre os simples e não-intelectualizados (não digo destituídos de inteligência) porque neles não existe qualquer barreira racional aos raios telésticos de Neschamah. 

Entretanto, visto que Ruach foi desenvolvido em virtude de uma longa evolução, não deve ser completamente negligenciado, devendo-se, sim, encorajar seu desenvolvimento em seu próprio campo e no plano de aplicação que se coaduna com ele. E é aqui, num certo sentido, que se infiltra um certo perigo da teurgia.

Não basta ao teurgo intoxicar-se de Deus e envolver-se no conhecimento e na conversação de seu Santo Anjo Guardião e das Essências dos deuses. Por mais grandioso que isso seja, ainda não é suficiente; pois dentro dele, cuja mente está desordenada, ignorante e indisciplinada, os deuses vertem seu vinho em vão. 

Pelo fato de se ter renunciado à razão a fim de se alcançar uma síntese mais elevada e uma espécie mais nobre de consciência, não há motivo para negligenciar a aplicação daquela faculdade às matérias pertinentes ao seu próprio lugar na natureza. Essa é a razão porque no sistema de Pitágoras a gramática, a retórica e a lógica eram ensinadas para cultivo e aprimoramento da mente, e também a matemática porque os métodos dessa ciência eram disciplinados e ordenados. A geometria, a música e a astronomia também eram ministradas, sendo desenvolvido a partir daí um sistema de símbolos. Não incorrerá em erro o moderno teurgo que seguir esse plano de treinamento intelectual.

O cultivo do discernimento intelectual é uma tarefa essencial, mas feito isso, restará ainda uma passo a ser dado. “O rei-mago...”, escreve Vaughan, “...constrói sua torre de especulação pelas mãos de trabalhadores humanos até atingir o andar mais alto, e então convoca seus gênios para confeccionarem as ameias adamantinas e as coroa com o fogo das estrelas.” 

É pouco proveitoso contemplar as ameias da torre enquanto a própria torre for uma possibilidade. Tampouco é particularmente aconselhável construir o ápice da pirâmide antes de providenciar a base na qual a pirâmide possa se assentar. Mas uma vez esteja ali a base e a torre da razão tenha sido construída, as ameias e o ápice da experiência espiritual passam a ser uma necessidade urgente.

Assim, o objetivo supremo de todo ritual mágico é a construção do ápice da pirâmide e a instalação das ameias na torre intelectual; em outras palavras, a comunhão com o eu superior. Para todo homem é esse o mais importante passo e nenhum outro se compara a ele em importância e validade até que essa união tenha sido realizada. Traz consigo novos poderes, novas extensões da consciência e uma nova visão da vida. Arroja um raio brilhante de luz nas fases até então escuras da vida, removendo da mente as nuvens que inibem a glória da luz espiritual. 

Com o atingimento da visão e do perfume percebe-se, como percebeu Jacob Boehme, o campo inteiro da existência natural literalmente fulgurar com um esplendor divino incomparável, de modo que mesmo as árvores erguem seus cimos para os céus e as relvas nos prados verdes gentilmente entoam cantos de louvor e ação de graças, oferecendo hinos de glória à luz suprema.

Na plenitude do Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião, o teurgo é capaz de prever mediante a extensão da luz da razão que outros passos têm que ser dados na grande busca que não findou com a iluminação do Anjo, mas que, ele percebe, apenas começou. O universo todo é uma vasta gama de hierarquias espirituais, e o Santo Anjo Guardião se posta em apenas um degrau da escada que se estende acima e abaixo para o infinito. O teurgo percebe que ele é somente uma centelha emitida da essência espiritual de um deus, e por mais estupendamente brilhante que seu próprio anjo seja, se, como os princípios de sua arte o ensinam, esse anjo seja apenas uma centelha, quão mais glorioso é o deus que lhe deu origem? Assim, sua aspiração sob a orientação de seu anjo é sempre dirigida para cima e para a frente, promovendo sua visão interior para a Vida una, para o Ain-Sof, a fonte inominável de tudo.

A natureza não procede por solavancos ou por desfiladeiros intransponíveis ou saltos. Ela progride numa marcha gradual, e essa onda de progresso estável para a frente o teurgo procura imitar. A união com o Ain-Sof não pode ser efetivada imediatamente; é mister que ele suba a escada da vida lentamente, unindo-se em cada degrau em amor e sabedoria com cada hierarquia superior, até que a Luz eterna ilimitada seja alcançada. Jâmblico concebe o mesmo procedimento nas seguintes palavras:

“E quando a alma O recebeu como seu condutor, o daimon imediatamente preside à alma, concedendo completamento às suas vidas, e a prende ao corpo por ocasião de sua descida. De modo semelhante, ele governa o animal ordinário da alma e dirige sua vida peculiar e nos proporciona os princípios de todo nosso pensamento e raciocínio. Igualmente executamos tais coisas conforme ele sugere ao nosso intelecto e ele prossegue nos governando até que através da teurgia sacerdotal, obtenhamos um deus para guardião supervisor e condutor da alma; pois então o daimon cede ou entrega seu governo a uma natureza mais excelente, ou é submetido ao deus como colaborador na sua guarda, ou de alguma maneira é ministrante com ele como se fosse seu senhor.“

Não é bem que o Santo Anjo Guardião cede o governo da alma humana à presença do deus, e sim que a alma, já unida ao anjo e assim formando um ser completo, se une de maneira similar ao deus. Ou, talvez, que o anjo que tomou para si mesmo a vida da alma tenha, correspondentemente, assumido a vida ampla e superior do deus, o qual para o anjo é como o anjo era primeiramente para a alma.

Prosseguindo, Jâmblico acrescenta: “Ademais, depois dela (quer dizer, a teurgia) ter unido a alma às diversas partes do universo e aos poderes divinos totais que por ela passam, então guia a alma e a deposita no íntegro demiurgo, fazendo-a ser independente de toda matéria e estar co-unida com a razão eterna somente. Mas o que quero dizer é que ela liga peculiarmente a alma com o deus autogerado e automovido e com os poderes intelectuais que tudo sustentam e tudo embelezam do deus, e igualmente com aquele poder dele que eleva à verdade, e com seus poderes de auto-aperfeiçoamento, de eficiência e outros poderes demiúrgicos, de maneira que a alma teúrgica se torna perfeitamente estabelecida nas energias e intelecções demiúrgicas desses poderes. E então a teurgia também insere a alma no deus demiúrgico integral, findando aqui com os egípcios o assunto da elevação da alma à divindade pelo sacerdócio.”

Dificilmente se poderia descobrir uma visão mais grandiosa e mais completa. A teurgia se propõe tomar um homem, despojá-lo gradualmente, por assim dizer, de tudo que não seja essencial e penetrar, finalmente, na alma interior. Então essa alma interior é exaltada e guindada, sempre de maneira gradual, até que ela encontre seu Senhor soberano, o Amado. Guindando-a cada vez mais alto, embora ainda humano num corpo físico de carne e sangue, o homem é elevado além dos céus, ingressando na união e comunhão espirituais com os poderes que são o universo, as fontes que proporcionam vida e sustentação ao conjunto da existência manifesta. Ultrapassando-os, a alma plana e ascende, transcendendo mesmo aos deuses que surgiram ao primeiro rubor da aurora dourada, até que com um êxtase incomparável de silêncio, ela retorna à Grande Fonte de Tudo. 

(Israel Regardie - continua)