quarta-feira, 6 de julho de 2022

Malunguinho na Jurema Malunguinho é uma Falange espiritual afro-ameríndia presente nos terreiros de Catimbó, Toré e Umbanda

 Malunguinho na Jurema


Malunguinho é uma Falange espiritual afro-ameríndia presente nos terreiros de Catimbó, Toré e Umbanda

Malunguinho na Jurema

Malunguinho é uma Falange espiritual afro-ameríndia presente nos terreiros de Catimbó, Toré e Umbanda, sobretudo da região nordeste do Brasil, inspirada na figura do líder João Batista, do Quilombo de Catucá.

De acordo com o pesquisador Hildo Leal da Rosa, no culto da Jurema, Malunguinho é uma entidade de grande poder, que se manifesta de três formas bastante distintas. Exu, caboclo e mestre. O primeiro representa o mensageiro, fazendo o elo de ligação da linha da Jurema com as pessoas. O segundo é a figura do guia, o principal protetor dos iniciados no culto. O terceiro representa alguém que teve existência real na terra. A Jurema, segundo o pesquisador, é um culto religioso de origem indígena (existe no Brasil desde o século 16), mas que também carrega elementos afros (negros) e cristãos (brancos). “Malunguinho é uma entidade que fala pouco e não demora muito quando incorpora. Suas palavras são meio truncadas, como uma criança falando, e a língua mistura português com outro idioma”, diz Hildo Leal.

Durante o culto, as mensagens trazidas pela entidade são repassadas a um médium. “Quando a pessoa está com um problema sério e precisa de uma proteção grande, uma das primeiras entidades chamadas para ajudar é Malunguinho”, diz o pesquisador. Traduzido como um Exu muito forte, Malunguinho também é invocado nas cerimônias para levar embora os outros exus.

Antes de começar as cerimônias, o grupo sempre pede proteção a Malunguinho. “Isso é uma história muito bonita. O povo pega um herói popular que existiu de verdade, guerreiro, líder dos negros e o coloca no olimpo das divindades”, acrescenta o historiador Marcus Carvalho. Várias cantigas usadas no culto da Jurema citam a figura de Malunguinho.

“Subir ao panteão das divindades é talvez a maior homenagem que um povo pode prestar aos seus heróis”, destaca Marcus Carvalho na publicação O Quilombo de Malunguinho, o rei das matas de Pernambuco (Liberdade por um fio/História dos quilombos no Brasil, editado pela Companhia das Letras). Para Marcus Carvalho, a unidade entre a divindade e o guerreiro da floresta do Catucá é evidenciada em uma cantiga que cita um antigo aparato militar usados pelos quilombolas, os estrepes.

Existe uma toada na Jurema que versa assim: “Malunguinho tá de ronda / Quem mandou foi o Jucá / Malunguinho tá de ronda / Que a Jurema Manda / Ô que a Jurema manda”...

Portanto, sabemos que ele, como uma das divindades centrais desta religiosidade do nordeste do Brasil tem forte fluxo na Cidade do Jucá, um dos sete Reinos encantados espirituais da Jurema. Na verdade Malunguinho está na porta central, como àquele que permite a entrada e também pode não permitir a passagem para dentro das Cidades, ou para dentro dos Reinos da Jurema Sagrada. Também pode não permitir a saída de lá...

Esta característica e prática ritual dessa divindade negro indígena é muito forte na Jurema cultuada principalmente na Mata Norte pernambucana, onde o Malunguinho, personagem histórico que atuou como liderança quilombola do Catucá na primeira metade do século XIX no Estado teve grande atividade e reconhecimento. Suas práticas como homem guerreiro, protetor, guardião das matas, chefe da mata, Rei Nagô, Rei das matas, organizador de seu povo, militante aguerrido das causas dos desprovidos de proteção e também como homem violento e implacável, se recriaram dentro da prática da Jurema, que é uma religião de matrizes indígenas que tem como principal característica teológica a xenofilia e a transcendência do estado mental através da ingestão do ajucá ou vinho da Jurema, bebida que pode proporcionar um estado de transcendência da mente e da espiritualidade humana.

Malunguinho tem forte representação nas nossas terras. Ele é muito mais que uma divindade da Jurema, vai bem além, adentrando também a prática do culto aos Orixás, como por exemplo, a prática de Xangô, o Rei Nagô...

Falar de Malunguinho é bem mais que citar bibliografias, que mesmo estas sendo importantes, sem dúvida, não podem dimensionar o que esta divindade representa para seu povo ainda. Falar dele é falar da experiência e memória oral de centenas de terreiros de todo Nordeste que dedicam culto a este forte protetor espiritual que mantém ao longo de todos estes anos, mais de 176 (18 de setembro de 1835 - data provável da morte do último Líder Malunguinho, o João Batista), sua marca na vida de milhares de homens e mulheres que tem fé nos milagres, na fumaça e gira deste Mestre, Caboclo e Trunqueiro/Exú.

Malunguinho é verdadeiramente amigo dos juremeiros e juremeiras, assim como já avisa seu nome – Malungo, que é uma palavra da língua Kimbundo de Angola, na África e, significa amigo, companheiro, parceiro de bordo e de lutas... Mesmo sendo também considerado uma divindade arisca e de difícil contato, sua função demanda muita cautela e atenção, por isso talvez seja um pouco bravo... Pois ele tem que manter a moral nos portais das cidades da Jurema Sagrada, ele é responsável pelo equilíbrio do fluxo espiritual entre discípulos e o mundo sagrado... Mas ele é amigo leal, como relatam todos os seus discípulos e cultuadores.

Suas cores são o verde, o vermelho e o preto, ou ainda o preto e branco, ou o vermelho e preto. Suas guias, indumentárias que adornam os pescoços dos juremeiros sempre vão ter as sementes de ave-maria unidas a estas cores, simbolizando-o e o sinalizando. As cores, vermelho e preto, acreditamos que remonta as cores do Orixá Exú no culto dos yorùbá. Malunguinho também é sincretizado com esta divindade africana por ter funções muito parecidas em suas liturgias e práticas.

Um de seus símbolos mais usados e importantes é a estrela de sete pontas que simboliza o domínio sobre as sete Cidades da Jurema (este símbolo também é usado por juremeiros e juremeiras de ciência no culto, é um símbolo de força). Também a preaca (arco-e-flexa) e o bodoque compõem seus símbolos. Chapéu de palha destorcido ou virado ao contrário, chibata, facão, dentes de animais e couros de cobra são também utilizados. Existem outros símbolos, como o chapéu de couro de vaqueiro ou cangaceiro, o rebengue, espécie de chicote usado pra tanger boi no Sertão e, até mesmo espingardas podem ser encontradas em seus assentamentos sagrados.

Podemos avaliar de forma muito preliminar que o culto à Malunguinho se organizou de forma bem estruturada na cosmovisão da Jurema. A ele tudo é tal qual podemos observar como são para os Orixás, por exemplo. Sua prática vai bem mais além, mas não é nosso objetivo aqui destrinchar todos seus rituais e oferendas, rituais e cerimônias secretas. “Malunguinho é dono de muitos segredos na Jurema”, afirma mãe Terezinha Bulhões.

Quilombo Cultural Malunguinho na internet e em diversos espaços de discussão e de luta por direitos, Malunguinho vem sendo reconhecido como herói pernambucano, tendo até uma Lei Estadual proposta por este grupo em 2007, a Lei da Semana da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, a Lei Malunguinho de número 13.298/07. Com tudo isso, aos poucos o Rei das Matas vai retomando seu lugar no meio do povo brasileiro, como é merecido, já que ele é a representação legítima do herói negro e indígena que o povo elegeu como divindade de sua religião, como Rei da Jurema e seu herói por derradeiro.

Marcus Carvalho explica que estrepes eram paus pontudos fincados no chão, em armadilhas ou expostos, para impedir os ataques dos soldados aos quilombos. “Muitos soldados caíam nas armadilhas ao perseguir os negros. Vem daí a expressão ‘se estrepar’”, observa. “O Malunguinho da Jurema, que tem o poder de tirar os estrepes do caminho, é, portanto, a recriação simbólica do próprio Malunguinho do Catucá: o verdadeiro rei das matas de Pernambuco”, escreve o historiador na mesma publicação.