quarta-feira, 24 de março de 2021

CERÂMICA DO NATALO

 Quando eu era ainda bem jovem...

Gostava muito de praticar esporte...
Nesta época morávamos numa cidadezinha...
Ao norte no interior do Estado do Espírito Santo...
Quase divisa com a Bahia!
Certa vez, quando estava praticando corrida...
Numa região de mata no entorno da cidade...
Me deparei com um senhor negro em pleno sol do meio dia...
Rolando na estradinha de chão batido...
Um tanque de lavar roupas, daqueles antigos e pesados de cimento...
E para piorar era um tanque duplo...
Ao ver aquilo deduzi que ele deveria ter ganho ou achado...
Pois ele era muito humilde!
Mas passava um ar de confiança e honestidade...
Não me contive em ajuda-lo!
Mas por educação tomei o cuidado de lhe perguntar se podia ajuda-lo...
Ele então bastante cansado e suado...
Me respondeu sorrindo que sim!
Rolamos juntos o tanque, pois mesmo em dois era muito pesado para carregarmos...
Quando chegamos a sua pequena casa feita de taipa e coberta com palha...
Tratei de ajuda-lo a instalar o tanque no lugar e colocamos para funcionar...
Assim foi possível nos lavarmos e abrandar o calor...
Foi então que ele me surpreendeu!
Me convidando para almoçar com ele...
A casa se resumia a uma peça só!
Onde ali havia, uma cama de madeira rústica com um colchão de palha...
Uma pequena mesa com dois branquinhos também de madeira rústica e artezanal...
Percebi que aquela mobília ele mesmo havia feito manualmente...
Num dos cantos uma prateleira de tábuas rústicas com vários trabalhos em cerâmica...
No outro canto um fogão de lenha, com um bule de café e uma panela de feijão...
Nosso almoço, feijão, farinha, pão e água de uma moringa de barro...
Confesso a vocês que depois de todo aquele trabalho...
Estava com muita fome!
E naquele dia, aquela foi a refeição mais deliciosa do mundo...
Enquanto almoçavamos o velho senhor me contou sua vinda...
Que havia ficado viúvo a muitos anos...
E que seus filhos o abandonaram...
E foram todos tentar a sorte na cidade grande e nunca mais voltaram...
Era dia do Natal e ele me agradeceu, estava muito feliz...
Pois já faziam alguns anos que ninguém o fazia companhia no almoço de natal...
Foi então que para minha surpresa o velho senhor negro...
Levantou-se vagarosamente, foi em direção a prateleira de madeira...
Escolher a maior e mais bonita peça de cerâmica...
Todas aliais feitas a mão e entalhadas por ele...
Era um vaso redondo, estilo cerâmica Marajoara, muito lindo...
Segurou-o em suas mãos e calmamente me perguntou...
Fio, vós mece ainda tem mãezinha viva?
Respondi a ele que sim!
Então ele me deu o vaso e pediu com tanta bondade no coração...
Que até pareceu uma súplica...
Fio, leva esse presente de natalo para sua mãezinha!
Natalo, era assim que ele se referia a natal...
Sinto tanta falta da minha mãezinha, disse ele...
Já a perdi, partiu, Deus a levou!
Mas tenho certeza que se ela fosse viva...
Estaria aqui ao meu lado e jamais me abandonaria...
Fiquei emocionado ao ver aqueles olho sofrido e marejados...
Trémulo e feliz entregou o vaso em minhas mãos...
Agradeci, emocionado aceitei o presente de natal do meu novo amigo...
Coloquei o vaso sobre a mesa e dei-lhe o meu mais forte e fraternal abraço...
Naquele dia tudo havia se iniciado ao meio dia...
E naquele mesmo dia a meia noite...
Minha mãezinha estava recebendo aquele presente de natal...
Digo, presente de natalo de um nego velho tão humilde e generoso...
Essa historia ficou marcada em minha vida, e hoje divido com vocês...
Foi o meu melhor presente, e por certo a minha maior lição...
Feliz Natalo, nego veio, amigo, irmão!
(Direitos autorais reservados)
[Autor: Pai Jonathas de Ogum]
(22/03/21)
Saravá Fraterno!
Pai Jonathas de Ogum.'.
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