Força e poder me jogaram no inferno. Por anos que não consigo mensurar com exatidão, permaneci submerso num pântano fétido, com apenas a cabeça para fora. Mas como ali tudo era escuridão, não conseguia nem enxergar quem estava ao meu lado, e tão pouco como ou onde era aquele local. Hoje sei que aquele pântano era formado com emanações das piores emoções humanas, emoções que eu tanto produzi quando estava na matéria e continuava a produzir ali, pois o ódio e a raiva explodiam em meu peito.
Como eu, um líder, o melhor de todos os cavaleiros, que tinha o poder de influenciar até reis e rainhas e o clero, um exímio lutador, dominando como ninguém a arte de manusear a espada com a qual decepava a cabeça dos meus inimigos. Como eu, com todo esse poder, fui parar ali, não encontrando forças nem para me levantar, nem tão pouco me movimentar? Eu não suportava e praguejava, blasfemava... mas nem um fio de luz eu conseguia enxergar.
Às vezes tinha a impressão de que aquele pântano era repleto de cabeças que degolei... Onde estavam os reis que me apoiavam? Os bispos que me garantiram o céu?
Às vezes seres luminosos passavam por ali, e sem nenhum remorso pisavam sobre as nossas cabeças (minha e daqueles que se encontravam como eu). Aí mais eu odiava e aquela lama me paralisava. Se são servos de Deus, porque não me tiram daqui? Hoje sei que não podiam, pois meu orgulho não permitia. Eu via outros sendo resgatados, alguns até soldados meus. Como? Por que não eu?
E ali permaneci, na lama da minha própria consciência, por um longo e doloroso período. Aquela lama fétida diluiu a lama que existia no meu coração. E ali eu percebi que o poder que eu tinha na Terra ficou na Terra... Naquele dia, como eu chorei...! Chorei tanto, que aquela lama já endurecida ficou mais líquida, e meu corpo já se mexia. Naquele dia, relembrei bons momentos com meus pais... E assim chorando, eu disse:
– Senhor! Tende piedade de mim, sei que sou o pior de todos os seres, e que não mereço nenhuma ajuda... mesmo assim lhe peço clemência, misericórdia.
E chorando vi um ponto luminoso se aproximar. Segurou minhas mãos, me levou até o mar, me deu banho... Era um senhor com semblante sério. Quando eu já estava revitalizado, ele disse:
– Você foi tirado do inferno onde se enfiou, pela Misericórdia Divina. Você está pronto e disposto a ser um Servidor de Deus? Um Servidor de Luz na Escuridão?
Eu sorri e disse:
– Louvado seja o nome do Senhor! Se me destes a oportunidade de sair do inferno, estou disposto a servi-lo. Coloco minha vida à disposição.
Aí é uma longa história, que contarei noutra ocasião.
Ontem eu era o cavaleiro Salazar.
Hoje sou um cavaleiro servo de Deus, servo de Ogum.