segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Ábikú – última parte


A razão principal de não iniciar dentro de uma casa de santo de qualquer nação, uma pessoa que é considerada um abicu, porque na realidade abicu é aquele espírito que desencarnou, que não ficou retido no corpo, aquele que consegue ser preso, solidificar sua reencarnação e ficar alguns anos, está dentro destes cultos de eméri, de emesan, de apatobi, de abicutun e de abigurun. 
 
Cada campo destes tem a sua ancestralidade, as suas folhas, o seu ofó, o seu encantamento e a sua maneira de proceder e essas criaturas em cinco gerações de pai, filho, neto, bisneto e trineto, estas pessoas não podem passar por rituais que necessitem a raspagem da divindade, a raspagem do ori, porque é fácil de entender. Essas criaturas, homens ou mulheres que estão dentro desse culto abicu, desse culto ancestral, não são iniciadas porque quando se pega um Iaô masculino ou feminino, depois que se passa por todos os rituais, os ebós, os caminhos de ancestrais e assim por diante, o ritual de raspagem dentro das casas de santo indicam que aquela pessoa, naquele momento está sendo renascida para o santo.
Aquela divindade, aquela criatura está morrendo para renascer como divindade, quando o santo vai lá, seja Inquici, seja o Vodum, seja o Orixá dentro de cada culto, vai dar o nome no barracão na hora do nascimento, aquela criatura humana morreu, ali nasce a divindade, naquele exato momento dizendo o seu nome, o oruncó. 
 
Estas pessoas não são submetidas a ritual de raspagem, não é raspando santo que se resolve isso que não tem nada a ver com Orixá, ou se raspar tem o jeito certo de se raspar, não se tira o cabelo e uma série de outros detalhes e fundamentos, porque senão ela vai morrer pela 2a. vez e não retornará mais e nem sempre essa morte ocorre literalmente como a palavra determina deitando futuramente aquele corpo no caixão, mas morre para a vida, os caminhos não abrem, as pessoas não vão conseguir mais nada, vão virar na realidade uns morto-vivos, então é este conhecimento que o zelador, a zeladora de santo, aqueles ogans, aquelas ekédis que estão dentro desse culto, desse ritual tem que conhecer, principalmente as pessoas que manipulam jogo de búzios, seja por Ifá, seja no Opele-Ifá, seja no Fatê-Ifá (peneira) com os kaoris, sejam qualquer outro jogo as pessoas tem que ter conhecimento sob este tipo ritual para entender este culto. 
 
Como chega a ocorrer o nascimento ou a manifestação de um Àbíkú em uma gravidez? O Ioruba acredita que a ação do Àbíkú ocorre por determinação do destino da mãe, ou por força de magia/feitiçaria, ou por condições acidentais. O Prof. Sikiru Salami e a Profa. Dra. Iyakemi Ribeiro, na sua monografia “Ayedungbe: a terra é doce para nela se viver – rito na luta contra a morte de Àbíkú”, definem essas condições acidentais como “aquisição inadvertida de um Àbíkú por uma mulher grávida que não tenha tomado os necessários cuidados para evitar isso”. Existe a crença de que uma mulher grávida, ao passar por determinados locais em que os Àbíkú se estabelecem, se não estiver devidamente protegida, pode ver-se invadida por este “espírito” e tornar-se sujeita à gravidez de um Àbíkú. Por isso cuidados especiais são tomados pelas mulheres tão logo tenham consciência do estado de gravidez. Não é raro que mulheres grávidas carreguem junto a barriga um “ota”, devidamente preparado, para evitar essa “invasão” por parte de um Elegbe. Sacrifícios, oferendas e rezas são feitas também com o objectivo de evitar que uma mulher tenha filhos Àbíkú ou que, grávida, venha a ser “invadida” por um deles.
Deixando de lado condições acidentais ou efeito de magia/feitiçaria, temos observado que a ocorrência de Àbíkú numa mãe invariavelmente repete uma história familiar que podemos reconhecer procurando os seus antecedentes. Ou seja, podemos procurar nos antecedentes familiares da mãe para constatar, invariavelmente, que este Àbíkú vem se fazendo presente na família, geração após geração, em linha direta ou não.
 
Outra questão interessante é que podemos afirmar com grande precisão que alguns Odú de nascimento predispõem a ocorrência de Elegbe. Assim, temos que mulheres regidas pelo Odú Ogundabede (Ogunda + Ogbe) são naturalmente predispostas a gerarem filhos Àbíkú e, identificadas, quando ainda não são mães, certas oferendas são realizadas e alimentos são-lhes dados para prevenir a ocorrência. Ebó igualmente é feito nas situações em que já geraram filhos ou planejam gerar – um preá é colocado acima da porta de entrada da casa e um peixe acima da porta de trás, para proteger os moradores da visita dos Elegbe que ali vêm em busca de seus companheiros. Neste caso, deixam de ter acesso ao interior da casa e levarão, no lugar da pessoa que vieram buscar, o preá e o peixe. Um Orin Egbe , cantiga dedicada a Aragbo ou Ere Igbo, Orixá protector das crianças Àbíkú, fala-nos desse Ebó.
 
Entendemos, assim, que Egbe é cultuado e louvado com a finalidade de defender as crianças da morte prematura e oferendas lhe são feitas para que “desistam” de levar os Àbíkú de volta para o Orún, sendo um de seus objetivos a questão da manutenção dessas crianças no Aiyé. Estabelece-se assim um jogo de forças entre Aragbo e a comunidade de Àbíkú que deseja levar seus membros do Aiyé, mundo físico, para o Orún, mundo dos mortos, mundo espiritual.
 
Cultos e oferendas são realizados tanto para que a comunidade de Àbíkú abra mão de levá-los de volta, como para que Ere igbo os proteja de serem reconduzidos à terra espiritual.” Todas as pessoas nascidas dentro do Odú Ogundabede, homens e mulheres, devem cultuar Egbe. Entende-se também que quem o cultua evoca as suas bênçãos em benefício das crianças do núcleo familiar. Aliás, o culto de Egbe e suas festas trazem muita semelhança com as festas e o culto que se fazem para “Cosme e Damião” e que são, muitas vezes, confundidas com o culto do Òrìsà Ibeji. Este Òrìsà e Egbe (ou Aragbo) são de distintas naturezas, justificam abordagens e tratamentos diferenciados, têm formas particulares de serem louvados, são cultuados por diferentes razões e necessidades, e os seus cultos não podem ser confundidos sob pena de incorrermos em erro de fundamento.
 
Por último, dois aspectos são importantes de serem nomeados: o primeiro, diz respeito ao que podemos chamar de comportamento peculiar da criança Àbíkú. São, certamente, crianças que se distinguem por este aspecto. Segundo, a resistência, na nossa cultura, que os pais têm em aceitar o facto de terem um filho Àbíkú e a dificuldade consequente em lidar com esta criança e todas as necessidades decorrentes da luta pela sua permanência no Aiyé. Cabe aí um importante papel para o sacerdote que pode ajudá-los a compreender a questão, dar-lhes orientação e acompanhamento durante todo o processo.
 
O têrmo Abikú não se pontua apenas à aqueles que nascem para morrer, como determina o conceito Yurubá, pois sendo assim todos nós seríamos Abikús. Costumo dizer, para exemplificar, que Abikú tem qualidade, ou seja, existem vários tipos de abikú e formas de atuação e agregação, numa mesma concepção.
Pode-se cuidar de uma criança Abikú, fazendo-a conviver normalmente entre os seus fazendo oferendas, ebós, tratamento do Orí que são capazes de reter no mundo o Abikú e de lhe fazer esquecer sua promessa de volta, rompendo assim o ciclo de idas e vindas constantes entre o Orun e o Aiye, fazendo pactos também.
Os Abikús tem influência na família, são poderosos manipuladores, videntes, espíritos envelhecidos, atitudes de adulto, etc.
 
 
A energia de um Abikú pode rondar uma gravidez, muitos rompimentos e perda de bebê estão relacionadas, porém, não se pode confundir falta de cuidados e tratamento adequado na gravidez com Abikú. Quando o zelador observa através do jogo a presença de Abikú, o tratamento começa no ventre da mãe com as obrigações necessárias e ebós, através de Oxun, Orí, Exú, Egungun, Oxalá.
 
 
 
Existem também os Orixás Abikús Oxalá e Nanã, pois regem a vida e a morte nos dois planos de vida e energia, sendo assim, todas as pessoas de Oxalá e Nanã são Abikús, inclusive a própria iniciação os diferencia como especiais. Mas, independente disso, outras pessoas de qualquer outro Orixá pode ser da família Abikú, a família Kóreo.
 
Um conceito interessante, que vale uma reflexão é que: uma pessoa pode introduzir em sua vida o espírito abikú, quando antecipa os seus ciclos naturais em função da ambição ou opções de vida. Isto a levará a tornar-se um Abikú, pois certamente terá a data da sua morte antecipada.
Abikú é muito mais do que se pode imaginar, sem dúvida alguma, há conceitos, preceitos, ebós, etc, e deve ser tratado simultaneamente no mundo visível e invisível.