O ser humano é um espírito encarnado que se manifesta na Terra basicamente com dois envoltórios: o corpo físico, que é material grosseiro e pesado, e o perispírito, um corpo sutil e semi-material que une o espírito à matéria do corpo.
O perispírito é também um campo morfogenético sensível aos nossos pensamentos. Estrutura de conteúdo informacional, que subsiste além do sepulcro e altera-se de acordo com o padrão do seu campo interno. Impele suas energias pelo corpo físico, preenchendo-o, confundindo-se e ligando-se a ele, átomo a átomo, molécula a molécula.
A morte representa a destruição do corpo físico e não do perispírito, que só o deixa quando já não existe vida orgânica. O conhecimento dessas propriedades nos levam a compreender e aceitar uma possível repercussão perispiritual da doação de órgãos. Segundo relatos psicográficos de alguns doadores, as sensações são confirmadas, porém amenizadas e transforma-das em bênçãos para o doador.
Sabe-se pela doutrina dos espíritos que, no instante da morte, o desligamento do perispírito ocorre gradualmente. Para alguns é muito rápido e o momento da morte é aquele do desligamento. Para outros, sobretudo aqueles cuja vida foi toda material e sensual, o processo é mais lento, levando alguns dias, semanas e até meses. Essa ocorrência não implica existir no corpo a menor vitalidade e possibilidade de retorno à vida. Quanto maior a identificação do espírito com a matéria, maior o sofrimento para a separação. A atividade moral e intelectual e a elevação dos pensamentos acionam o início da libertação, mesmo durante a vida do corpo. Esses são os resultados de observações realizados no momento da morte (O Livro dos Espíritos, questão 155).
Muitas vezes, na agonia, a alma já deixou o corpo e não há mais vida orgânica – o homem já não tem consciência de si mesmo, entretanto, ainda lhe resta um sopro de vida.
O corpo, máquina que o espírito movimenta, existe enquanto circular o sangue nas veias e, para isso, não necessita da alma (O Livro dos Espíritos, questão 156).
A dor no plano espiritual
O corpo é o instrumento da dor, mas esta é um efeito. Por exemplo, a dor “fantasma” nas pessoas amputadas. A lembrança que dela conserva pode ser muito penosa, contudo, não pode ser ação física (do corpo). Nem o frio, nem o calor podem desorganizar os tecidos da alma e esta não pode nem se gelar, nem se queimar.
Seguramente, a região do membro amputado não é a sede da dor. Pode-se, pois, crer que há alguma analogia com os so-frimentos do espírito depois da morte, sendo o perispírito o agente das sensações externas e que, no corpo, essas sensações são localizadas pelos órgãos que lhes servem de canais.
Destruído o corpo, essas sensações tornam-se generalizadas e o espírito não diz que sofre mais da cabeça do que dos pés. Liberto do corpo, o espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal. A dor que o perispírito sente não é pro-priamente uma dor física, mas um vago sentimento íntimo que o próprio espírito nem sempre entende, precisamente porque a dor não está localizada e não é produzida por agentes externos. É mais uma lembrança que uma realidade. Porém, uma recordação também penosa.
Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao espírito através do perispírito. Morto o corpo, ele não sente mais nada, visto que não há mais nele espírito nem perispírito. Este, desprendido do corpo, experimenta a sensação, mas como esta não lhe chega mais por um canal limitado, é generalizada.
O perispírito não é mais do que um agente de transmissão, pois é no espírito que está a consciência.
A influência material diminui à medida que o espírito pro-gride, quer dizer, à medida que o perispírito se torna menos grosseiro.
André Luiz, em Evolução em Dois Mundos, capítulo XII, mostra a semelhança existente entre o processo gradativo de desencarnação do homem com a que ocorre no mundo dos insetos. Estes exibem no desenvolvimento da metamorfose in-completa a escala de fenômenos exigidos para a desencarnação dos seres de natureza superior. Porém, os inferiores, os insetos, encontram-se “aquém da histogênese*”, inabilitados e sem o equilíbrio que lhes asseguraria o novo plano de consciência. São incapazes de manobrar órgãos do aparelho psicossomático, justamente pela ausência da substância mental consciente, daí a pesada letargia que ocorre imediatamente após a morte.
No homem, a metamorfose é completa e deve-se ao pensa-mento constante que lhe oferece a preciosa estabilidade. Pela persistência e consistência das idéias, adquiriu o poder de inte-grar-se mentalmente para além da histogênese em seu corpo espiritual e, graças à sua própria vontade, consegue arrebatá-lo para novo estado individual – então assistido pelos condutores divinos, dorme o sono da morte, mumificando-se na cadaverização, como acontece aos insetos. Passa a segregar subs-tâncias mentais como “impulsos renovadores” exatamente como certas crisálidas que segregam um líquido especial, faci-litando a saída do próprio casulo.
Terminado o processo histolítico das células, isto é, o processo destrutivo que lhe constituem o corpo biológico, e fortifi-cado o campo mental, onde se programaram os novos anseios e as novas disposições, procura desvencilhar-se dos órgãos físicos, agora imprestáveis. E, por avançado automatismo, realiza o processo histogenético.
Por esse meio, desliga as células sutis do seu veículo espiritual daquelas que pertenceram ao corpo físico, atuando agora com a eficiência e a segurança que as longas recapitulações lhe conferiram no movimento incessante da Palingênese Universal, em sua marcha laboriosa para mais elevadas aquisições.
Com esses dados transmitidos pelo espírito André Luiz, constatamos pontos de contato dessas informações com os ensinamentos de Allan Kardec e com aqueles que a Ciência terrena nos possibilita.
Essas fontes são unânimes ao admitirem que a morte é um processo gradativo, um processo evolutivo que se desenrola simultaneamente nos dois planos da vida.
O desligamento do perispírito possivelmente coincide com o início dos processos comatosos, parcialmente com-preendi-dos pela medicina terrena. Esta compreende que esse processo representa a cessação das atividades dos centros nervosos, até a extinção da vida nos derradeiros grupos de células – morrem primeiramente as células nervosas e os epitélios glandulares e, por último, os epitélios ciliados e os leucócitos; ou seja, a cessa-ção da vida não implica a morte conjunta de todas as células, algumas das quais sobrevivem mais ou menos longamente.
O perispírito e a estruturação do corpo
Lamentavelmente, a Ciência desconhece ainda os enigmas do campo morfogenético, que supervisionam e estruturam a formação do ser vivo. Campo de energias não percebidas pela visão comum e sob o comando do espírito, esse corpo sutil e semimaterial representa a matriz onde as moléculas se depositam para a formação do corpo físico. Como campo estruturador da forma, possibilita o arranjo adequado dos vários órgãos e sistemas do corpo físico, que podem assim desempenhar as suas funções, graças à especificidade celular assegurada a cada um deles.
Assim, todos os órgãos do corpo físico recebem estímulos e sensações que repercutem no perispírito com a intensidade que o senso moral, a evolução e a pureza de cada um permitir.
A doutrina dos espíritos representa uma fonte inesgotável de conhecimentos e, após Kardec, o trabalho incansável dos espíritos continua presente através da sagrada e consagrada psicografia de Francisco Cândido Xavier.
São conhecidas as mensagens espirituais de jovens doado-res, informando a todos nós a continuidade da vida, comprovando a realidade dos ensinamentos que nos sustentam a alma, que o amor atravessa as fronteiras do tempo, referindo-se à sensação de desconforto no momento em que o órgão é retirado para transplante, e os frutos da caridade que esse ato representa.
Pelo exposto, podemos deduzir que a doação deva produzir alguma repercussão perispiritual, cuja intensidade dependerá da condição evolutiva de cada um. Mas o retorno do ato da doação será benéfico para o doador e receptor.
Nada nos obriga a doar os nossos órgãos, mas se o fizermos, que seja com muita consciência, convicção, desprendimento e amor ao próximo. Consideramos básicas essas convicções, colaborando para a manutenção da vida de muitos.
Tenhamos a certeza de que a gratidão e o reconhecimento do receptor com o ganho de mais uma oportunidade de vida atuará como verdadeiro bálsamo, isto é, assumindo até propriedades medicamentosas que se façam necessárias para o doador.
Pensemos na doação de órgãos e que o amor e a caridade sejam uma constante em nossos corações.
Artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 09.
Escrito por Elizabeth Rezende Nicodemos