OLÁ TRISTEZA! - PEDRO KUPFER
Basta-nos olhar para qualquer canto do Universo e perceberemos a Ordem. Seja na forma das leis naturais, seja na maneira em que os elementos se combinam entre si formando moléculas que formam células, seja na evolução da vida, seja na percepção dos ciclos do tempo, das estações ou da vitalidade dos seres, vemos somente ordem e harmonia.
Nada existe fora da Ordem. Os humanos somos igualmente manifestações dessas leis naturais, que chamamos Ordem de Īśvara. Īśvara é um termo sânscrito que se usa na tradição do Yoga para apontar para todo o conhecimento que existe, o que inclui tanto a causa instrumental quanto para a causa material da criação.
A Ordem de Īśvara, no ser humano, manifesta-se biológicamente através dos sistemas que sustentam a vida e a atividade. É inegável a sofisticação que o corpo humano possui, com seus trilhões de células altamente especializadas. Esse mesmo grau de sofisticação se estende para as emoções.
Cada emoção possui uma função, tem um valor e uma utilidade que por sua vez são parte da ordem psicológica. Essa ordem psicológica inclui todas as emoções. Até mesmo aquelas com as quais a nossa cultura tem um conflito, como a ira, o medo ou a tristeza.
“É proibido ficar triste”.
Porém, no mundo em que vivemos, a tristeza é vista como alto negativo, que precisa ser evitado a qualquer custo. Simplesmente, a sociedade nos nega o direito à tristeza. Inúmeras vezes, desde crianças, ouvimos os demais nos dizer “não chore, já vai passar”, ou nós mesmos já dizemos aos outros coisas como “não foi nada, não precisa chorar” .
Até mesmo quando enfrentamos alguma doença grave, como câncer ou AIDS, com frequência ouvimos coisas como “você não deve ficar triste pois hoje em dia há tratamento para a sua doença”.
É por conta dessa desaprovação social da tristeza que com frequência vemos pessoas que saem desesperadamente de festa logo depois de sofrer uma separação, sem se dar tempo para elaborar ou meditar sobre as razões da ruptura.
Isso não é exatamente preparar o chão para evitar os mesmos erros no futuro, mas é a norma. A crença estabelecida é que não seremos aceitáveis se mostrarmos a nossa tristeza. Porém, essa crença tem um preço muito alto.
O preço da negação.
A negação dessa emoção produz frustração e desorientação pois, por um lado, não conseguimos evitar a tristeza, e por outro lado achamos que é errado sentí-la. Daí deriva um sentimento de culpa que só piora as coisas, pois ainda derruba a nossa autoestima.
Negar ou reprimir a tristeza é como pretender que o espaço desapareça colocando-o dentro de uma garrafa. E aliás, não é um bom negócio: a tristeza mal digerida pode derivar em transtornos psicossomáticos, ansiedade ou depressão. Isso acontece por exemplo quando não conseguimos elaborar sadiamente a dor pela perda de um ente querido.
Assim, a não aceitação da tristeza cria uma série grande e desnecesária de dificuldades para quem reprime essa emoção, que é tão fundamental quanto útil para a nossa saúde e harmonia em todos os níveis. Dizemos fundamental, pois ela faz parte dos seis sentimentos intuitivos, junto à ira, a aversão, o medo, a alegria e a surpresa.
A função das emoções intuitivas.
Todos eles são gerados nas amídalas cerebelosas, dentro do sistema límbico do cérebro, que é responsável tanto pela manifestação dos sentimentos como pela aprendizagem de conteúdos relevantes desde o ponto de vista emocional.
A ira mobiliza a nossa energia e nos motiva para agir perante as injustiças. A aversão gera impulsos de preservação perante situações potencialmente nocivas. O medo serve para a autopreservação, para nos ajudar a reagir rapidamente em casos de perigo.
A alegria é o oposto da tristeza e se descreve como contentamento, júbilo ou vontade de viver. A surpresa pode ser positiva ou negativa, mas é sempre uma reação frente ao inesperado que nos impele as ações. Todas estas emoções básicas provocam por sua vez respostas fisiológicas através das quais agimos e nos relacionamos.
O valor da tristeza.
No caso específico da tristeza, acontece uma tendência à desmotivação e à incapacidade de agir, acompanhadas por um leve aumento das atividades cerebral e cardíaca. Tudo isso obedece a um propósito muito pontual: nos convidar a parar por um momento para refletir perante uma perda importante, ou quando não atingimos nossos objetivos.
A tristeza também serve para nos fazer poupar energia após períodos de intensa atividade ou quando sofremos um grande desgaste. Também é útil para pedir ajuda em situações de fragilidade, ou quando precisamos despertar nos nossos seres queridos uma iniciativa em relação aos cuidados.
Isso é fundamental, pois as emoções possuem igualmente um papel social: perceber e compreender as emoções alheias nos ajuda a antecipar nossas atitudes e reações.
O amigo leitor sabe que, se em meio a uma discusão, alguém fica com os olhos marejados, o outro muito provavelmente irá criar empatia, suavizando suas palavras e atitudes.
Porém, se a tristeza não for externalizada em casos como este, a empatia não terá lugar e as dificuldades irão continuar. Assim, negar a tristeza não apenas deteriora os relacionamentos, mas ainda nos impede de ganhar um abraço carinhoso que nos lembre, em momentos de fragilidade, que não estamos sozinhos neste mundo.
A solução: deixar fluir.
Assim como as águas, estas emoções intuitivas devem ter seu lugar espontaneamente em nossas vidas. Assim como as águas, as emoções precisam fluir para que haja equilíbrio. Nenhuma emoção deveria ficar tempo demais, e nós não deveríamos nos obsessionar com o tema.
Nem dar valor demais às emoções, nem negá-las ou reprimí-las. É preciso compreender que o que somos em termos absolutos transcende em muito a subjetividade das nossas emoções. O segredo é estabelecer uma relação equilibrada com elas reconhecendo que a nossa vida é muito maior que qualquer sentimento.
Havendo saúde e boa disposição, nenhuma emoção irá ficar tempo demais. Elas sempre passam, como as águas de um rio que corre. A aceitação dessa fluidez implica eventualmente, deixar de lado o impulso de tomar alguma medicação para reprimir emoções que desapareceriam se as deixássemos repousar por um tempo adequado.
Resgate emocional.
Por outro lado, permitir que as emoções fluam nos permite repensar nossas atitudes. Se por exemplo, sofremos algum fracasso profissional, podemos ter duas atitudes diferentes:
1) nos deixar dominar pela baixa autoestima que surje quando nos enfrentamos à decepção, pensando em abandonar tudo ou achando que não nascemos para aquilo, ou 2) buscar alternativas e mudanças através de um olhar construtivo, pelo qual possamos ressignificar os fatos e encontrar novas soluções.
Em ambas as situações a tristeza estará presente, porém no segundo a emoção se manifesta de maneira atenuada, fica à nossa volta por menos tempo e não nos impede o livre andar adiante.
Outra maneira de lidar construtivamente com a tristeza é simplesmente reconhecer os fatos, a vida como ela é: nem sempre iremos conquistar o que buscamos e que, além do mais, iremos sofrer perdas.
Caindo na real.
É literalmente impossível realizar todos os nossos sonhos e projetos. Não é possível conjugar o emprego ideal com as férias exóticas, e ainda termos tempo livre para nós mesmos, uma boa poupança, o amor perfeito e a construção da família perfeita, além dos consabidos e procurados ideias da qualidade de vida, a saúde e a sanidade emocional.
Pretender fazer isso é como tentar agasalhar o corpo inteiro com um cobertor de avião: quando percebemos que estamos com as costas e as pernas protegidas, reparamos que ficaram de fora os ombros, o pescoço e a cabeça. E daí começamos a nos mexer novamente no assento para tentar consertar as coisas e achar a posição ideal.
Resolver um tema implica abrir mão de outro. Não podemos ter tudo. A vida é assim de simples. Portanto, não precisamos nos entristecer pelo que deixamos para trás nas nossas escolhas passadas, nem nos lamuriar pelo que não temos.
O paradoxo da “vida perfeita”.
O paradoxo da “vida perfeita” é que ela só gera frustração e tristeza. Assim, o antídoto contra ela, se existe um, é reconhecer que inevitavelmente teremos momentos em que a tristeza será nossa companheira de viagem.
O grande problema é confundir essa “vida perfeita” em termos de desejos, sentimentos, ações e resultados, com felicidade. São coisas totalmente diferentes. Compreender e aceitar que os desejos são naturais e fazem parte da ordem psicológica é o primeiro passo para se libertar da frustração que possa derivar deles.
O erro fundamental, neste ponto, é achar que é satisfazendo desejos que nos tornaremos felizes. Para nos sentir felizes, o que acontece por momentos sem nenhum plano específico, não precisamos resolver questões práticas.
Às vezes nos percebemos realizados e plenos, apesar de ter que lidar com a mesma quantidade de pressões ou deveres. Talvez essa seja a demonstração de que a felicidade é natural para o ser humano. A felicidade não nos custa.
Felicidade é natural.
Ninguém se cansa de ser feliz. A tradição do Yoga ensina que felicidade é a natureza humana. As limitações do corpomente são restritas ao corpomente e pertencem unicamente a ele. Não são nossas, no sentido de que o Ser não tem posses de nenhum tipo. O Ser apenas é.
Fisicamente, em termos de força, resistência ou longevidade, somos limitados. Intelectualmente, temos igualmente capacidades limitadas, como memória, agilidade ou concentração.
Não obstante, o Ser que somos transcende todas as limitações físicas ou intelectuais que possam se erroneamente atribuídas a ele. O fato de não sabermos falar grego ou não compreender os pormenores da relatividade são limitações inerentes ao intelecto, não ao Ser.
Isso não nos torna limitados. O Ser que você é está além dessas limitações. Quem é este Ser? Aquele que pode ser apreciado, não com os olhos do rosto, não com a mente, mas pelo Si Mesmo.
Você já é o que busca.
A síntese do grande ensinamento do Yoga são as palavras tat tvam’asi: “você é Aquilo”. Esta frase aponta para o fato de que o indivíduo é idêntico ao Ser ilimitado. Ela deve ser perfeitamente compreendida se quisermos uma vida tranquila e plena, apesar dos desafios e das dificuldades inerentes a qualquer existência.
Essa visão nos mostra que o Ser é ilimitado e, portanto, não está restrito às questões do corpomente que listamos acima. Ao mesmo tempo em que é ilimitado, está presente em todas as manifestações da natureza, e consequentemente em todas as emoções e todos os pensamentos.
Nesse sentido, ensina um texto antigo chamado Kaṭha Upaniṣad: “Aqueles que percebem a si próprios, não como corpo ou mente, mas como o Ser ilimitado, o divino princípio da existência, encontram a fonte de toda felicidade e residem nela”.
O Yoga propõe então uma mudança de visão que, esperamos, possa inspirar o amigo leitor a viver uma vida mais plena, feliz e realizada, apesar dos desafios. Boas práticas. Boa vida! Namastê!"