Lendas Celtas sobre Changeling
1. O que é um changeling
Na cultura celta, o changeling é um humano trocado: uma fada ou um objeto que é deixado no nosso mundo em troca de um humano que as fadas desejam (e levam para a Terra das Fadas). As fadas podiam levar tanto adultos – especialmente mulheres jovens – quanto crianças, mas era mais comum que elas levassem crianças.O changeling pode tanto ser uma fada velha doente, porco, como pode ser um tronco de madeira enfeitiçado de forma que pareça ser um mortal definhando, morrendo e sendo enterrado, enquanto o humano verdadeiro vive na Terra das Fadas. Se um bebê fosse levado o changeling em seu lugar tipicamente seria adoentado, constantemente com fome e impossível de agradar.
Segundo o relato de um professor irlandês no início do século XX, antigamente a mãe costumava colocar um par de pinças de ferro sobre o berço antes de deixar a criança sozinha, para que as fadas não trocassem aquela criança por uma criança frágil delas (você pode entender por que o ferro nesse post aqui).
Caso a mãe fosse descuidada e um changeling já tivesse tomado o lugar do bebê, esse só poderia ser retornado ao mundo mortal se o changeling fosse forçado a se revelar. Cada história conta um jeito diferente pelo qual o bebê foi recuperado.
A história a seguir foi registrada pelo antropólogo americano W.Y. Evans-wentz. Entre 1909 e 1910 ele viajou pelos países de cultura celta e registrou histórias e crenças contadas pelos camponeses mais idosos de cada lugar por onde passou. A história que você vai ler foi registrada na Ilha de Skye, na Escócia. Segue uma tradução livre da história The Tailor and the Changeling.
2. A Lenda: O Alfaiate e o Changeling
Havia uma jovem esposa de um jovem homem que morava na cidade de Allasdale, e o casal acabara de ter seu primeiro filho. Um dia a mãe deixou o bebê em seu berço para sair e fazer algumas tosquiações [cortar lã], e quando voltou a criança estava chorando de uma forma muito incomum. Ela o alimentou, como de costume, com mingau e leite, mas ele não estava satisfeito com o que parecia ser o suficiente para qualquer um de sua idade, mesmo assim todas as suspeitas escaparam à sua atenção.
Acontece que, na época, havia um rolo de tecido caseiro esperando pelo alfaiate na casa. O alfaiate veio e começou a trabalhar o tecido. Quando a mulher estava saindo para a costumeira operação de tosquia [cortar lã], ela avisou o alfaiate que se ele ouvisse a criança chorar continuamente não era para prestar muita atenção nela, acrescentando que ela iria atendê-la quando voltasse para casa, pois temia que a criança o atrasasse em seu trabalho.
Tudo correu bem até cerca do meio-dia, quando o alfaiate observou a criança se levantando sobre o cotovelo e estendendo a mão para uma espécie de prateleira acima do berço e tirando dela um tubo melódico [parte de uma gaita de foles]. E então a criança começou a tocar. Imediatamente depois que a criança começou a tocar o tubo melódico, a casa se encheu de jovens fadas vestidas com longas vestes verdes, que começaram a dançar, e o alfaiate teve que dançar com elas.
Por volta de duas horas, naquela mesma tarde, as mulheres desapareceram, sem que o alfaiate soubesse para onde, e o tubo melódico desapareceu das mãos da criança, também sem que do alfaiate soubesse para onde; e a criança estava no berço chorando como sempre.
A esposa chegou em casa para fazer o jantar e observou que o alfaiate não estava tão adiantado em seu trabalho quanto deveria naquele espaço de tempo. Entretanto, quando as fadas desapareceram, a criança ordenou que o alfaiate nunca contasse o que ele havia visto. O alfaiate prometeu ser fiel às ordens da criança, e por isso não disse nada à mãe.
No segundo dia a mulher partiu para a sua ocupação, como de costume, e disse ao alfaiate para ficar mais atento ao seu trabalho do que no dia anterior. Uma segunda vez, na mesma hora do dia, a criança no berço, parecendo mais um velho do que uma criança, pegou o tubo melódico e começou a tocar. As mesmas mulheres-fadas encheram a casa de novo e repetiram a dança, e o alfaiate teve de se juntar a elas.
Naturalmente, o alfaiate estava tão atrasado com o seu trabalho no segundo dia quanto no primeiro dia, e isso era muito perceptível para a mulher da casa quando ela voltava. Ela então pediu que ele lhe dissesse qual era o problema. Então ele disse a ela: “Eu recomendo que depois de ir dormir esta noite você não acaricie aquela criança, porque ele não é seu filho, ele nem é uma criança: ele é um velho homem-fada. E amanhã, durante a maré baixa, desça até a praia e envolva-o em sua manta e ponha-o sobre uma rocha e comece a pegar aquela concha que é chamada lapa, e por sua vida não deixe a margem até que a maré flua tão alto que você dificilmente será capaz de entrar na praia principal.”
A mulher obedeceu ao conselho do alfaiate, e quando ela chegou à praia principal e ficou ali olhando para a criança na rocha, a criança gritou para ela: “Você teve uma grande necessidade de fazer o que fez. Caso contrário, você teria visto outro fim de sua vez, mas bênção venha para você e maldições no seu conselheiro.” Quando a esposa chegou em casa, seu filho natural estava no berço.
Referências:
The Fairy-Faith in Celtic Countries, por W.Y. Evans-wentz;
Fairy and Folk Tales of the Irish Peasantry, por W.B. Yeats;
Fonte de pesquisa:
http://fadamoderna.com/lendas-celtas-changeling/