"GIRA" DE CIGANOS, NA UMBANDA, CONFORME AS TRADIÇÕES DOS CIGANOS: COMO SERIA?
"GIRA" DE CIGANOS, NA UMBANDA, CONFORME AS TRADIÇÕES DOS CIGANOS: COMO SERIA?
Toda vez que eu publico algo sobre Ciganos, sempre vem uma galera me perguntar: "Ah é, então como deveria ser?"
Esse post não é pra discutir o que se faz ou se deixa de fazer na sua casa ou na "tsara" que você conhece (até por que a palavra "Tsara" é outra das invenções de gadje para fazer "templos ciganos", e não existe em NENHUMA Língua Romani - as palavras Romani para Tenda, Barraca ou Casa são Satra, Thiera, Kher ou Cera).
Primeira coisa que você precisa saber nesse sentido: esta pergunta tem MUITAS possibilidades de resposta, pois a diversidade dos povos Ciganos é imensa. Vou dar um exemplo: Sabe essa história de mulher cigana andar com o Diklô? O Lenço Cigano na Cabeça? É tradição Kalderash. Sabe o lenço Cigano que os "homens" ciganos usam? É Flamenco. E as duas etnias raramente se misturam, até por que mesmo sendo ciganas, elas falam línguas diferentes e têm crenças diferentes - Flamencos são de Raiz Calón, falam Chib Calé, enquanto Kalderash são Deshs e Rorarni, e normalmente falam o dialeto Lovara.
E ai quando você chega numa casa de Umbanda tá tudo junto e misturado e não faz sentido nenhum, por que tá todo mundo falando portunhol, Optchá (que é outra palavra que NÃO EXISTE no Romani foi Rubens Sarraceni quem "introduziu" para seu séquito) e fazendo dança de rodinha.
Mas existe uma linha "geral" para os Ciganos que ainda são espiritualistas ainda segue (a maioria dos Ciganos de hoje, é Cristã Católica devido à perseguição e à conversão forçada ao longo de séculos, ou evangélica neopentecostal, especialmente no Brasil). Muitos Ciganos, por conta da parafernalha e dos preconceitos fantasiosos e espetáculos que os Umbandistas (especialmente Sarracenistas) fazem em nosso nome, querem distância das religiões de Matriz Africana e da Umbanda - e a gente sabe que a maioria da galera não tá trabalhando com Cigano, mas chama espíritos que se dizem Ciganos e acabam trabalhando é com "palalnaszoszi", espíritos enganadores, obsessores que se pegam nas ilusões dos vivos e na sua vaidade e ego.
Mas vamos ao que interessa.
Primeiro que se uma Gira da Umbanda fosse se aproximar das nossas Práticas Reais (mesmo das Umbandas mais Cristianizadas, em que há um papel fundamental de Jesus nos ritos), ela começaria com a Ave-Maria. mais importante que Jesus, para nós, é Maria. Ela é o Sagrado Feminino, pois sem Maria, Jesus não existiria. Daí os Ciagnos adorarem tanto as Virgens Negras (Santa Sara, Santa Catarina de Alexandria, Nossa Senhora de Guadalupe), e, depois, a Oração de Santa Sara. Daí, talvez o Pai Nosso. Mesmo nas práticas não Cristianizadas, existem às orações às primeiras Deusas. A etnia Rhoma é Hindu, e por consequência, nós adoramos ainda os nossos Deuses Ancestrais, por isso, não raro é que comecemos nossa Adoração por Lakhshimi ou Kali-Durga, e somente então, pedirmos a proteção de Ganesha. No caso dos Orixás, começamos chamando Yemanjá, Oxum, Iansã, enfim, nossas Yiabás.
Segundo, não se despacha Exu e os Guardiões dos Caminhos (entendemos, por termos andado em muitas terras, que Exu não é o único guardião, e tratamos com o mesmo respeito e reverência). Chamamos ele a comer em nossa mesa. Toda gira tem comida (por que a comida alimenta o corpo e o espírito). Ele é nosso guardião, então a Gira é o momento de chamá-lo a se sentar e apreciar, pois quem trabalha somos nós. Para nós, a porta é guardada pelas Sete Chaves (Efta Thie Slubeng), então podemos ficar tranquilos, pois todo Guardião também tem seu tempo de descanso - a Gira é esse momento. Para Sacramentar essa proteção, nós jogamos na porta Sete Moedas consagradas em Romani que representam os Sete Caminhos (Eftá Dromá).
Aos Espíritos que vagam, aos Viajantes e às Caravanas Espirituais, do lado de fora, deixamos uma ânfora, com água fresca e uma bandeja, no chão mesmo, com mel, pão, sal e vinho. Sim, nós alimentamos Eguns - por que esse é o primeiro passo para tratar, curar e trazer esse espírito desencaminhado e em sofrimento para nosso Caminho. Nós não temos medo. Temos misericórdia e equilíbrio e respeitamos o Livre-Arbítrio. E os Viajantes - bom, essa história de que a gente só lida com ouro dinheiro e festa, e coisa de Gadje que quer Carnavalizar com Cigano. Desde muito novo, quem tem as tradições, sabe que o papel do Cigano quando desencarna é nas Caravanas Espirituais, viajando entre as Colônias, as Cidades Sagradas e os Planos.
Nossos atendimentos são de dois tipos: alguns médiuns incorporam, outros jogam os oráculos, outros ainda cozinham, outros tocam, outros psicografam, outros ainda fazem amuletos. Tudo isso para nós é mediunidade, e a de incorporação é a mais incomum. Não existe "Assistência". E não fazemos Fogueira ou Caldeirão com fogo em toda ocasião. Isso é mais uma coisa pra gadje ver. Yak (o fogo) é uma Divindade Sagrada, assim como Paji (a água). Não desperdiçamos, até por que ambos são cura e vida, mas usados com irresponsabilidade, podem ser desgraça e morte.
Não fazemos "roda" o tempo todo. Não balançamos saia ou ficamos falando com sotaques arrastados. E para sabermos se estamos tratando realmente com um espírito Cigano, nós perguntamos o Anav Romai dele, seu nome Cigano. Mesmo que seja um espírito que foi "adotado" ou um não cigano que foi criado em vida pelos Ciganos, ele tem esse nome.
Ao final, rezamos para nossos Santos Protetores. No caso da minha Kumpania, são as Babkas (as grandes mães ancestrais, Babka Yaga, Babka Dej, Babka Rak), São Bento e minha Matriarca familiar, bem como a do meu Grazni (guardião).
Nossas entidades para serem confirmadas têm que mostrar seu Selo, seu Caminho, sua Chave e dar sua canção (que pode ser em romani, ou português, mas deve ser condizente com os símbolos do selo e tudo que ela passou antes). E ela deve dar seu nome verdadeiro, o que é confirmado em ORÁCULO. Não tem graça de entidade ou sacerdote confirmando sozinho - e uma parte da confirmação vem pela mão do filho - daí a primeira coisa que um Cigano aprende é a ler um oráculo, por que ele deve ser independente, nunca se sabe quando vcterá de seguir seu próprio Caminho. O Oráculo (seja a Mesa Cigana, as Lojas - moedas - ou os dados, ou a Bola de Cristal) são sagrados e têm vida própria, não são meros instrumentos.
E nossas Linhagens são de Família. Essa história de "Ciganos do Amor", "Ciganos do Ouro", "Ciganos do Deserto". Pelamor, né gente... pensa você, você morreu e virou entidade. De repente tu vai passara ser o quê? O Exu Zézinho da Mecânica? A Mariazinha da Loja de Shopping? O João do Banco? Não. Você vai ser exatamente o que você é, independente daquilo que teve ou fez em vida, por que o que você TINHA de material se foi.
Agora, por que é que nós Ciganos temos sempre que trabalhar pela Riqueza e pelo Amor que vocês mesmos destroem em suas vidas?