terça-feira, 19 de julho de 2022

Oxossi "Olóde ofi òfà kan soso" (O Senhor da caça usa somente uma flecha).

 Oxossi "Olóde ofi òfà kan soso" (O Senhor da caça usa somente uma flecha).


Pode ser uma imagem de fruta e área internaOXÓSSI
"OLÓDE OFI ÒFÀ KAN SOSO"

Oxossi "Olóde ofi òfà kan soso" (O Senhor da caça usa somente uma flecha).
Oxóssi, a flecha que caça a si, a estratégia que caça o outro e a fartura para comunidade
A flecha foi atirada e ela parte cortando o vento no horizonte. O caçador não caça nenhum animal sem antes caçar a si mesmo. Ele precisa saber dos seus pontos falhos, das suas franquezas e onde as incoerências denunciam o seu despreparo. A vida é ligeira e corre tão rápida quanto uma gazela. O grande caçador olha à frente, além do horizonte, para o futuro não construído. Só caçando a si mesmo ele edifica em si a coragem para enfrentar os desafios na mata escura.
O homem que acerta o alvo com uma flecha só, apenas conseguiu esse feito por ter aprendido com seus ancestrais errantes. Quantos Odés tentaram matar o grande pássaro sem vitória? Seus olhos acompanhavam o voo do animal. A natureza sabe ler muito bem a nossa alma. Se conecta com suas crias. Todos os Odés agora eram desafiados pela Ave. A morte do grande pássaro representava a abertura da vida para novas gerações: vigorosas, sagazes, técnicas e capazes de não desistirem dos desafios.
Ao nascer Oxóssi recebeu em seu corpo a vivência dos seus ancestrais na peleja de caçar a ave. Treinou com seu pai e aperfeiçoou a técnica. Nunca atirou para matar um bicho, pois seu bàbá sempre lhe lembrava que não era a hora. “O momento é de treinar os olhos, sentir o cheiro, firmar o corpo e arquear a flecha”. Já velho, o Odé maior levou seu filho para a floresta. A grande ave passeava pelo seu céu. Sentindo a presença dos caçadores começou a desafiá-los. Ela queria ser caçada. O pai de Oxóssi atirou uma flecha que rapou as asas do grande pássaro. Olhou para seu filho e disse: “ele é seu”.
Oxóssi pegou o arco do seu bàbá, arqueou a flecha e cantou chamando por todos seus ancestrais que foram despertos em si. A memória das estratégias, dos erros, do aperfeiçoamento, até chegar àqueles que mais se aproximaram de acertar a ave se espalhava pelo seu corpo. Oxóssi olhou o grande pássaro com firmeza, conseguia ler a alma do animal. Lançou a flecha, mas ela não era apenas sua. Essa flecha foi lançada por todos Odés ancestrais. A ave foi atingida e atravessada no peito. No mesmo instante o Pai de Oxóssi virou um lindo pavão dourado e rompeu vibrante o Orum.
Aprendemos, deste modo, que Oxóssi não é a potência ancestral da fartura apenas em seu sentindo limitado. É preciso pensar que essa riqueza material e individualista é fruto da colonialidade. Para os povos africanos a ideia de sujeito ou indivíduo não se sustenta sem pensar no todo, na comunidade, na Aldeia. Quando Oxóssi vai à mata ele não caça para si. Ele caça para sua família. Aquela grande família em que todos os seus mais velhos são seus pais e todos seus mais novos são seus filhos. Quando chega com o animal na cabeça a tribo entoa uma canto festivo. A fatura é, sobretudo, de alegria.
O Odé dos Odés aprendeu com seus ancestrais a diferença entre riqueza e fartura. A primeira serve apenas a si. Já a segunda serve a todos e todas e só tem razão de ser se pode ser compartilhada. Seu Bàbá lhe ensinou a caçar a si mesmo antes de caçar um animal, pois todo o tempo é tempo de se revisitar e buscar melhorar aquilo ainda falho no seu interior. Podemos aprender com os acertos, mas também com os erros dos nossos ancestrais. Podemos aprender com os nossos acertos, mas também com nossos erros. A cada descoberta surge uma outra estratégia. O importante é sabermos que é para levar fartura a sua comunidade, e não para trazer ou acumular riquezas, que é arqueada a flecha certeira do caçador.

PAI FOLHA