A Roda do Ano é uma série de celebrações ritualísticas referentes ao ciclo Solar através das estações do ano.
A Roda do Ano é uma série de celebrações ritualísticas referentes ao ciclo Solar através das estações do ano. Essas celebrações, que atualmente a bruxaria moderna e a Wicca chamam pelo nome de Sabbat, tiveram início a partir da relação dos povos pastoreiros europeus, como os gaélicos irlandeses e os germânicos, baseados na natureza ao seu redor.
Entre os irlandeses esses festejos, também chamados de os “Quatro Festivais do Fogo”, eram quatro: Samhain, Imbolc, Beltane e Lughnasad, que aconteciam no auge de cada estação do ano. Após a invasão da Grã-Bretanha por parte dos anglo-saxões, passam a ser celebradas nas ilhas aqueles rituais relacionados aos rituais de solstícios e equinócios, conhecidos como os Sabats menores. São eles: Yule, Ostara, Litha e Mabon.
As comemorações sazonais mudavam de povo em povo, e de clã em clã, sendo celebradas com particularidades locais de cultura, fauna e flora, assim como pequenas variações de data. O sistema “unificado” de comemoração das 8 festividades do ano, que se utiliza atualmente, é derivado dos estudos de Gerald Gardner.
O Mito da Roda do Ano
Centrada na relação entre o ciclo solar, associado ao Deus, e sua relação com a Deusa, que hora é sua mãe, e hora é sua consorte, a Roda tem seu início e fim em Samhain, considerado o ano novo celta, e, apesar de haver controvérsias em relação a isso, sabe-se que este era o portal para a metade escura do ano, onde o Deus, após ter doado toda a sua vitalidade para as colheitas, recolhia-se no submundo, encontrando a Deusa em seu aspecto anciã e seu caldeirão da vida e morte.
Não podendo sair do submundo com vida, O Deus então retorna no ventre a Deusa, no Solstício de Inverno, ou Yule, a noite mais longa do ano, a partir da qual os dias voltam novamente a crescer, sinalizando o retorno da Criança da Promessa. Apesar de seu retorno, sua força é pequena e o inverno ainda se faz presente nessa época.
Sem lenha suficiente para grandes fogueiras, devido ao gelo do lado de fora das casas, em Imbolc, honrava-se a Deusa Brigid, deidade do fogo, da cura e das artes, acendendo-se velas para pedir pelo retorno da luz e confeccionando talismãs de proteção para atravessar o restante do inverno, enquanto o Deus, ainda criança, não tem forças para vencer completamente a escuridão.
O Sol lentamente retoma seu espaço e no dia do equinócio de primavera, onde o dia e a noite têm a mesma duração, comemora-se o festival de Ostara, que celebra o equilíbrio cósmico que guarda o potencial de florescimento de todas as possibilidades, o Ovo da vida. A natureza volta a brotar acima do solo, e a vegetação resplandece em novos brotos, flores, cores e aromas, culminando em Beltane, o casamento alquímico entre Sol e Lua, quando os Deuses se unem no ato sexual, muitas vezes praticado pelas sacerdotisas e sacerdotes da religião, devolvendo e gerando toda a fertilidade que será colhida mais tarde.
A luz solar cresce em intensidade e vitalidade, até atingir seu ápice durante o solstício de verão, em Litha, quando o Deus, chegando em sua plenitude, começa então a minguar e se dirigir ao mundo de baixo, enquanto doa toda sua força e nutrição para as sementes, animais e projetos em gestação na superfície da Terra.
A Roda então chega ao momento da colheita, comemorações fartas, cheias de pão, grãos e bebidas, agradecendo a toda a fertilidade e abundância conseguidos. A primeira colheita é comemorada no sabat de Lammas, ou Lughnasadh, com grande reverência, festejos e comidas, assim como a segunda colheita, Mabon, que ocorre no equinócio de Outono, quando, a partir de então, o dia volta a ser menor do que a noite. Assim, o Deus vai novamente ao encontro da Morte no caldeirão da Deusa, em Samhain, nesse ciclo sem fim.
A Roda do Ano e a Lei da Correspondência
“O que está em cima é como o que está embaixo. O que está dentro é como o que está fora.”
A segunda Lei Hermética afirma que a realidade experienciada no mundo externo é análoga à realidade experienciada no mundo interno, dentre outros aspectos desse princípio. Isso significa que o movimento sazonal pelo qual passa a natureza encontra correspondência simbólica com os movimentos psíquicos humanos.
Explicando: assim como o ciclo das estações perpassa momentos de decadência, morte, fertilização, colheita e novamente decai, numa espiral contínua, os afetos, movimentos libidinais e atividades diárias também estão sujeitos à esse ciclo.
Porém, enquanto espécie e sociedade, através das construções e tecnologias que nos distanciam dos fenômenos naturais em busca de um ambiente de maior previsibilidade e constância, perdemos o contato com o fluxo desses ciclos dentro de nós mesmos na mesma medida em que perdemos a noção e o contato com o ritmo natural.
Numa sociedade pautada em produtividade e apoiada em pilares artificiais sobre o que é realização pessoal, recalcamos o tempo todo os processos de morte e decomposição, e substituímos o silêncio sepulcral dos meses de inverno pela busca desenfreada do brilho e atividade primaveril. Não entendemos os ciclos que regem tudo o que existe, o ritmo e o pêndulo, e a demanda produtiva exigida pelo mundo externo força a mente, o corpo e o espírito a se manterem constantemente em atividade expansiva, sem respeitar a necessidade de um movimento de retração e descanso.
O resgate do observar e se integrar com o ciclo que se manifesta no mundo externo é capaz de reordenar os ritmos internos, organizando, no nosso microcosmos, processos naturais, numa espiral funcional e harmônica entre os movimentos de expansão e restrição inerentes à existência. É possível abrir espaço consciente para reconhecer, entender e aceitar os ciclos de míngua necessários para abrir espaço em si mesmo, deixando ir tudo aquilo que já não contribui mais para o seu desenvolvimento, seja isso um fator interno ou um fator externo e, assim, poder escolher novas sementes, mais alinhadas com a sua Verdade, para semear conscientemente, sabendo o que colherá quando o verão chegar.
“Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida, e você vai chamá-lo de destino”. C.G. Jung
As Celebrações e Rituais
Hemisfério Norte ou Hemisfério Sul?
Acompanhar a Roda do Ano através da celebração ritualística dos 8 Sabats é alinhar a si mesmo com a natureza ao seu redor. Originalmente, as estações e as datas relacionadas a cada festividade são referentes ao Hemisfério Norte, porém, residentes do Hemisfério Sul adaptaram a Roda às estações brasileiras. A decisão sobre acompanhar a ordem da Roda do Norte ou a Roda do Sul cabe a cada praticante. Os que escolhem rodar pelo Norte geralmente o fazem em virtude da egrégora global gerada em cada data, enquanto geralmente os que escolhem rodas pelo Sul acompanham as estações locais por acreditarem que essas celebrações são referentes aos ciclos da natureza em que se está inserido enquanto ser vivente daquele local. Não há certo ou errado, e em lugares onde as estações são menos definidas ou possuem particularidades específicas, os rituais, símbolos e interpretação de cada época do ano podem variar.
Muitos dos feriados cristãos que conhecemos hoje em dia, como o Natal, a Páscoa, festas de São João e Halloween, são apropriações dessas datas pagãs.
Enquanto um povo domina outro, um dos fatores determinantes para que essa dominação tenha sucesso a longo prazo é a dominação cultural, e alguns hábitos e festas não seriam facilmente abandonados por seus praticantes, fazendo com que a Igreja incorporasse essas datas, sob uma roupagem bíblica, permitindo que os povos dominados pudessem continuar suas comemorações tradicionais, ao mesmo tempo em que se adequavam à mitologia e crença cristã em expansão.
As duas metades do Ano
O ano é observado como contendo duas metades. A primeira delas é referente aos ciclos e energia lunar, onde as noites são mais longas do que os dias e os conteúdos do subconsciente vêm à tona, trazendo a sensação de estar imerso em névoas, um vazio caótico como o caldeirão da Deusa. Nesse período é normal que sejamos confrontados por padrões de comportamento e ciclos viciosos que repetimos o tempo todo, e a tomada de consciência sobre isso implica em ações a serem tomadas, por isso os rituais dessa metade do ano são geralmente orientados ao contato com seus ancestrais, divinações e rituais de proteção e banimento, tanto de coisas externas, mas, principalmente, da realidade interna que origina os pontos identificados como nocivos na realidade externa.
A segunda metade do ano gira em torno da energia solar, quando os dias estão mais longos do que as noites e a consciência vem trazer a luz sobre aquilo que foi encontrado na metade escura. É um período de plantar aquilo que foi pensado e gerado durante a parte lunar do ciclo, e de nutrir e cuidar disso que se espera colher. Os rituais e comemorações fazem constante referência ao êxtase, junção entre as polaridades, fertilidade e purificação, para assegurar colheitas férteis e recursos para o ano vindouro.
“Quem quer que negue a existência do inconsciente está, de fato admitindo que hoje em dia temos um conhecimento total da psiquê. É uma suposição tão falsa quanto a pretensão de que sabemos tudo a respeito do universo físico. Nossa psiquê faz parte da natureza, e seu enigma é, igualmente, sem limites”. – C.G. Jung
Rodar com a natureza é se propor a mergulhar na linguagem simbólica do próprio subconsciente e trazer a si mesmo de lá, renascendo e morrendo como o Sol e amparado pela Lua, é organizar o fluxo das suas pulsões e passar a notar os padrões. A vida é cíclica, ininterrupta, espiral.
Por: Fernanda Surati.
Referências: Oito Sabás para Bruxas — Janet Farrar e Stuart Farrar; O Homem e seus Símbolos — Carl Gustav Jung; O Caibalion.