sexta-feira, 24 de junho de 2022

LIVRO DAS SOMBRAS: O QUE É MESMO ISSO?

 LIVRO DAS SOMBRAS: O QUE É MESMO ISSO?


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Após o século XVII e especificamente quando o mundo celebrava a “Idade da Razão” e, com o surgimento do racionalismo e das correntes materialistas e dialéticas, a supremacia do espírito sobre a matéria passou a ser negada. Por um tempo, os escritos das escolas de mistérios desapareceram do interesse popular e acabaram sendo confiscados como obras de curiosos, ocupando as estantes menos privilegiadas das bibliotecas, muitas delas particulares quando não eram eclesiásticas.
Mas entre o transcorrer dos séculos XVIII e XIX o movimento romântico trouxe de volta valores espirituais e muitos deles ligados ao feminino. Subitamente grimórios e pequenos diários de anotações de personagens polêmicos, começaram a figurar como fonte de leitura. Eram textos de homens e mulheres maioritariamente praticantes de algum tipo de ocultismo, com anotações e até pesquisas relevantes, destacando saberes até então mantidos em cuidadoso segredo, como recurso ideológico de controle e de dominação por aqueles que professavam a fé cristã dominante.
Estes diários eram especificamente os “livros das sombras”. O próprio nome a eles atribuído, segundo alguns estudiosos, fazia menção ao fato de serem exemplares pessoais que narravam experiências espirituais, de cura, de fé numa crença simples, de comidas e até de relatos apurados de estudos sobre a natureza (feitos especialmente por ovates e druidas). O livro das sombras era escrito fora da luz da curiosidade vulgar e aqueles que não comungavam com o senso comum reunia em suas anotações outra via de conhecimento que era considerada herética, maldita e vergonhosa. Normalmente, para proteger seus estudos, os autores escreviam em papiros que eram fechados em caixas de madeira ou em diários com trancas protetoras. O objetivo disso, era evitar serem discriminados pelas suas crenças e a proteção de informações valiosas transmitidas entre gerações que poderiam acabar sendo destruídas pela ignorância.
A luz da atualidade, é um equívoco comum da maioria dos iniciantes achar que um livro das sombras é apenas uma coleção de feitiços. O livro das sombras é na verdade o percurso pessoal de um filho da luz. É um registro da evolução do conhecimento do autor e este pode ter mais de um livro a acompanhar o seu percurso de estudos. Um livro das sombras é uma coletânea de receitas, versos, orações, músicas, poemas, depoimentos pessoais, rituais e claro… feitiços!
Sacerdotes, magos, bruxas, bruxos, curiosos, bardos, ovates, druidas e até camponeses letrados tinham experiências e anotações em seus diários ou livros ensombrados. E a sombra do livro estava ligada ao seu uso muito restrito. Exemplo: bruxas escreviam o seu nome de revelação à mãe no livro das sombras, o ritual de iniciação de uma bruxa tinha que ser anotado num livro das sombras e isso envolvia ainda as suas pesquisas correlatas com pedras, plantas, poções, comidas e observação dos elementos e animais de poder. Nas reuniões, em ambiente de confiança os livros eram abertos e revelados as parceiras e parceiros de crença. Nestas reuniões novas notas eram acrescentadas aos livros.
Você nem imagina, mas famosos como Nicholas Flamel, Paracelso, Giordano Bruno e até a moderna e famosa bióloga Lynn Margulis (que foi mulher de Carl Sagan) possuíam livros das sombras. Mas a desgraça dos livros das sombras aconteceu mesmo quando os exemplares de estudiosos como Marie Laveau; Maggie Wall; Catherine Deshayes e da influente e apimentada escritora Doreen Valiente,; assim como o dos grandes wiccanos como (o antropólogo Gerald Gardner) e o escritor ( Alex Sanders) caíram nas mãos do público.
Muitas histórias, mitos e interpretações fantasiosas reduziram esses importantes documentos escritos de próprio punho em nada mais do que “livrinhos de magia”. O patriarcado cristão não tardou em rechear o imaginário popular com boatos sobre bruxos e bruxas adoradores de satanás e suas horrendas receitas cozidas com sangue, partes humanas, vísceras de recém-nascidos (especialmente o fígado), cozidos em pavorosos caldeirões.
Foi assim que obras fantásticas que reuniam inclusive informações de uma cultura agonizante (a das mulheres sabedoras das ervas), viraram objeto de escárnio, mentiras, deboches e pânico. São muitas as culturas que relatam o interesse da igreja em confiscar estes livros e por dois motivos: o primeiro era extrair o rico conhecimento contido neles e depois, queimá-los teatralmente em praça pública nas fogueiras santas.
Quando os covens se especializaram a estudar livros das sombras de diversas autorias a magia cresceu em conhecimento e as escolas de mistérios conseguiram resgatar muitas práticas esquecidas. Mas é inegável que um legado imenso de informação foi extraviado. Outras pás de terra que caíram sobre os livros das sombras, foi a popularização dos métodos de reprodução mecanográfica, o interesse do cinema e o advento da informática com as redes sociais. O cinema, por vender a magia que encanta sem compromisso com a verdade desde que encante. E as redes sociais, em reunir mentirosos e inescrupulosos que insistem em se autoproclamar bruxos e bruxas e sequer são fiéis aos princípios da velha arte.
Vejo com espanto todos os dias pessoas em grupos de magia espalharem rituais e feitiços citando feitiços que nunca foram de suas respectivas autorias e citando seus livros das sombras como fonte deles. Livros das sombras tem assinaturas energéticas personalizadas. Frequentei covens e círculos onde a divulgação de um livro das sombras era uma sessão especial aberta sob os elementos, a proteção do Deus e da Deusa e dos guias das direções. Um feitiço, receita, poesia, verso ou estudo para ser publicado tem que apresentar no mínimo o ano do livro, o número da página O AUTOR DO FEITIÇO QUE NÃO É O AUTOR DO LIVRO e se possível o seu nível de instrução. Se é solitário assinamos como bruxos ou bruxas sob guia (ler Rae Beth).
Não venham com mentiras, fantasias tolas e frases de efeito para ganhar atenção. Regra básica para um iniciado: cite o nome de quem lhe ensinou para que outros possam compartilhar a sua luz. Se você não sabe, não invente e respeite quem está nesse caminho por amor e fé a ancestralidade e não por vaidade.

REFERÊNCIA: Texto Original de Sandra Bezerril para Mulheres de A Távola de Morgana