Lições de Preto-Velho
Nos meus primeiros passos na umbanda, ainda como consulente, uma Cabocla muito esperta me perguntou se eu tinha fé e eu respondi:
– Eu tenho dúvida.Respondi esperando a bronca, o sermão sobre como a fé é importante e que eu deveria me corrigir para chegar ao paraíso (ou algo do tipo).
Acostumada como estava com os ensinamentos da igreja sobre certo e errado, paraíso ou inferno eternos, não imaginei que existiria uma religião que admitisse e aceitasse que eu não fosse perfeita, nem quisesse me impor a salvação ou o inferno eterno caso eu não seguisse à risca os preceitos religiosos.
A resposta da cabocla foi:
– Isso é bom! A dúvida é a porta de entrada do caminho da fé. Graças à dúvida, fia vai atrás da verdade e quando encontrar a verdade, encontrará a sua fé.
As palavras dela foram como beber agua geladinha em dia de calor. Ela, da forma mais simples do mundo, havia transformado o que eu considerava um defeito, uma falta, em benção, em graça.
E hoje, já médium de passe dentro do terreiro, o Preto-Velho que me acompanha e me guia, disse a uma consulente que se sentia decepcionada pelas pessoas religiosas que tinham defeitos, porque na cabeça dela, se a pessoa abraçou uma religião ela tinha que ser, no mínimo, santa e não cometer os erros que “pessoas comuns” cometem, como mentira, falsidade, etc.
E ele disse:
– Fia não pode julgar as pessoas pelo que fia vê, porque tem toda uma história por trás dessa pessoa que fia não conhece. Se fia um dia andasse com os sapatos dela, é capaz que fia fizesse as coisas igualzinho a pessoa faz, cometesse os mesmos erros que julga agora a pessoa cometer.
“Todo mundo tem defeito, eu mesmo também os tenho. Fia acha que eu sou santo? Não fia… sou igual todo mundo, tive que aprender do jeito mais difícil, tive que perdoar, tive que entender um monte de coisa, e ainda tenho o que aprender porque é assim fia, o aprendizado é para sempre, a gente morre e volta e aprende lá e cá e isso é assim pra sempre.”
“Fia não deve se preocupar com as outras pessoas, porque elas estão fazendo o que estão evoluídas para fazer, fia deve se preocupar só com o que fia tem de aprender e cada um de nós um dia vai chegar onde precisa chegar. Em vez de julgar o erro do outro, fia tenta se por no lugar do outro e viver a vida do outro, se fia não consegue fazer isso então fia, apenas aceite que as pessoas estão evoluindo e aprendendo e segue seu caminho evoluindo e aprendendo.”
Novamente eles aceitando que temos erros, e se mostrando falhos também. Não seres completamente desprovidos de errar, mas pessoas como nós, que um dia também erraram, e estão evoluindo, assim como todos nós.
Talvez seja isso o que eu mais gosto na umbanda. Ela aceita que eu tenha defeitos, entende que eu tenho lições a aprender e é extremamente compreensiva com minhas falhas. Uma religião que não exige que eu seja perfeita para então receber a recompensa do paraíso, ou o inferno caso eu continue no erro. Mas exige de mim que eu continue sempre aprendendo e evoluindo e que me diz que eu vou aprender pelo amor ou pela dor, e isso cabe a mim escolher. Uma religião que eu não vai virar as costas para mim se eu errar, vai estar lá segurando minha mão enquanto eu estiver pagando pelas escolhas erradas que eu fizer. E vai me acolher sempre que eu necessitar. Mesmo que as vezes, para mim na cegueira do ego, esteja achando que eu estou abandonada.
Saravá Pai Antonio pelo aprendizado de hoje.