sexta-feira, 23 de julho de 2021

COMPANHEIRO EM LUTA (Depoimento de um espírito sofredor)

 

 COMPANHEIRO EM LUTA (Depoimento de um espírito sofredor)


Pode ser uma imagem de natureza, árvore, estrada e neblinaVenho da escura região dos mortos-vivos, à maneira de muitos vivos-mortos que se agitam na Terra.

O Espiritismo foi minha grande oportunidade.
Fui médium.
Doutrinei.

Contribuí para que irmãos sofredores e transviados recebessem uma luz para o caminho.

Recolhi as instruções dos mestres da sabedoria e tentei acomodar-me com as verdades que são hoje o vosso mais alto patrimônio espiritual.

Fui consolado e consolei.

Doentes, enfraquecidos, desesperados, tristes, fracassados, desanimados, derrotados da sorte, muitas vezes se reuniam junto de nós e junto de mim...

Através da oração, colaborei para que se lhes efetivasse o reerguimento.

Mas, no círculo de minhas atividades, a dúvida era como que um nevoeiro a entontecer-me o espírito e, pouco a pouco, deixei-me enredar nas malhas de velhos inimigos a me acenarem do pretérito – do pretérito que guarda sobre o nosso presente uma atuação demasiado poderosa para que lhe possamos entender, de pronto, a evidência...

E esses adversários sutilmente me impuseram à lembrança o passado que se desenovelou, dentro de mim, fustigando-me os germes de boa vontade e fé, assim como a ventania forte castiga a erva tenra.

Enquanto a vida foi árdua, sob provações aflitivas, o trabalho era meu refúgio. No entanto, à medida que o tempo funcionava como calmante celeste sobre as minhas feridas, adoçando-me as penas, o repouso conquistado como que se infiltrou em minha vida por venenoso anestésico, através do qual as forças perturbadoras me alcançaram o mundo íntimo.

E, desse modo, a ideia da autodestruição avassalou-me o pensamento.

Relutei muito, até que, em dado instante, minha fraqueza transformou-se em derrota.

Dizer o que foi o suicídio para um aprendiz da fé que abraçamos, ou relacionar o tormento de um espírito consciente da própria responsabilidade é tarefa que escapa aos meus recursos.

Sei somente que, desprezando o meu corpo de carne, senti-me sozinho e desventurado.

Perambulei nas sombras de mim mesmo, qual se estivera amarrado a madeiro de fogo, lambido pelas chamas do remorso.

Após muito tempo de agoniada contrição, percebi que o alívio celeste me visitava.

Senti-me mais sereno, mais lúcido...

Desde então, porém, estou na condição daquele rico da parábola evangélica, porque muitos dos encarnados e desencarnados que recebiam junto de mim as migalhas que nos sobravam à mesa surgem agora, ante a minha visão, vitoriosos e felizes, enquanto me sinto queimar na labareda invisível do arrependimento, ouvindo a própria consciência a execrar-me, gritando:
– Resigna-te ao sofrimento expiatório! Quando te regalavas no banquete da luz, os lázaros da sombra, hoje triunfantes, apenas conheceram amarguras e lágrimas...

Imponho-me, assim, o dever de clamar a todos os companheiros quanto aos impositivos do serviço constante.

A ação infatigável no bem é semelhante à luz do Sol, a refletir-se no espelho de nossa mente e a projetar-se de nós sobre a estrada alheia. Contudo, no descanso além do necessário, nossa vida interior passa a retratar as imagens obscuras de nossas existências passadas, de que se aproveitam antigos desafetos, arruinando-nos os propósitos de regeneração.

Comunicando-me convosco, associo-me às vossas preces.

Sou o vosso Irmão Lima, companheiro de jornada, médium que, por vários anos, guardou nas mãos o archote da verdade, sem saber iluminar a si próprio.

Creio que um mendigo ulcerado e faminto à vossa porta não vos inspiraria maior compaixão.

Cortei o fio de minha responsabilidade...

Amigos generosos estendem-me aqui os braços, no entanto, vejo-me na posição do sentenciado que condena a si mesmo, porquanto a minha consciência não consegue perdoar-se.

Sinto-me intimado ao retorno...

A experiência carnal compele-me à volta.

Antes, porém, da provação necessária, visito, quanto possível, os ambientes familiares de nossa fé, buscando mostrar aos irmãos espiritistas que a nossa mesa de fraternidade e oração simboliza o altar do amor universal de Jesus Cristo.

Temos conosco aquele cenáculo simples, em que o Senhor se reuniu aos companheiros de sublime apostolado...

De todas as religiões, o Espiritismo é a mais bela, por facultar-nos a prece pura e livre, em torno desse lenho sagrado, como sacerdotes de nós mesmos, à procura da inspiração divina que jamais é negada aos corações humildes, que aceitam a dor e a luta por elementos básicos da própria redenção.

Estou suplicando ao Senhor me conceda, oportunamente, a graça de reencarnar-me num bordel.
Isso por haver desdenhado o lar que era meu templo...

Indispensável que eu sofra, para redimir-me, diante de mim mesmo.

Não mereço agora o sorriso e os braços abertos de nossos benfeitores, perante o libelo de meu próprio juízo.

Cabia-me aproveitar o tesouro da amizade, enquanto o dia era claro e quando o corpo carnal – enxada divina – estava jungido à minha existência como instrumento capaz de operar-me a renovação.

Ah! meus amigos, que as minhas lágrimas a todos sirvam de exemplo!...

Sou o trabalhador que abandonou o campo antes da hora justa...

O tormento da deserção dói muito mais que o martírio da derrota.

Devo regressar...

Reentrarei pela porta da angústia.

Serei enjeitado, porque enjeitei...

Serei desprezado, por haver desprezado sem consideração...

E, mais tarde, encadear-me-ei, de novo, aos velhos adversários.

Sem a forja da tentação, não chegaremos ao reajuste.

Rogo, pois, a Deus para que o trabalho não se afaste de minhas mãos e para que a aflição não me abandone... Que a carência de tudo seja socorro espiritual em meu benefício e, se for necessário, que a lepra me cubra e proteja para que eu possa finalmente vencer.

Não me olvideis nas vibrações de amizade e que Jesus nos abençoe.
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Pelo Espírito Lima
Fonte: XAVIER, Francisco C. Instruções psicofônicas. Diversos espíritos.