segunda-feira, 9 de abril de 2018

Você sabe o que é Mandinga?

“Quem não pode com mandinga, não carrega patuá”, diz uma antiga expressão, hoje muito usada como sinônimo de outra coisa que diz: “quem não tem competência, não se estabelece”.

Comete engano quem acre­di­ta que a expressão esteja referin­do a mandinga como feitiço, ebó, ‘coisa feita’, etc. Mandinga é um grupo (ou na­ção) africano do norte que por sua proximidade com os árabes aca­bou por se tornar mu­çulmano e, sendo esta uma religião fanati­zante, seus adeptos têm verdadei­ro ódio aos que não aceitam Alá como Deus ou Maomé como seu profeta.Com o desenvolvimento do trá­fico de escravos, muitos negros mandingas vieram parar nas Amé­­ricas, vítimas que foram da ambição dos brancos. Por serem os negros mandingas muçulma­nos, muitos desses escravos sa­biam ler e escrever em árabe, além de conhecer a matemática melhor do que os brancos, seus senhores, e este estado superior de cultura de um determinado grupo negro fêz com que fossem tidos como feiticeiros, passando a ex­pres­são mandinga a sinônimo de feitiço.

Por outro lado, os negros que praticavam o culto aos Orixás eram vistos como infiéis pelos ne­gros mulçumanos. O branco, apro­veitando-se dessa rivalidade e confiando aos mandingas fun­ções superiores que os demais, fazia a animosidade entre eles crescer. Os mandingas não eram obrigados pelos brancos a ingerir restos de carne de porco, e até mesmo permitiam que estes trou­xes­sem trechos do Alcorão en­cerrados em pequenos invólu­cros de pele pendurados ao pescoço.
Geralmente eram os mandingas quem acabava ocupando o lugar de caçadores de escravos fujões, os chamados “capitães-do-mato”.

Por isso, quando um negro pre­tendia fugir, além de se prepa­rar para lutar sem armas através da capoeira e do maculelê, ele dei­xava o cabelo carapinha e pen­durava ao pescoço um patuá, de forma que pensassem tratar-se de um mandinga, para não ser per­se­guido. Todavia, se um verda­deiro mandinga o abordasse e ele não soubesse responder em ára­be, o verdadeiro mandinga des­car­re­garia todo seu furor nesse in­fe­liz negro fujão.Daí nasceu a expressão “quem não pode com mandinga, não carrega patuá”.

A vingança a quem se atre­vesse a portar um falso objeto considerado sagrado pelo muçul­mano era qualquer coisa de ter­rível. Mais tarde, porém, o hábito de utilizar patuás entre negros foi se generalizando, pois estes acre­ditavam que o poder dos man­dingas era devido, em grande par­te, aos poderes do patuá. Por outro lado, os padres também uti­li­zavam, e ainda hoje utilizam, cru­cifixos e medalhas, Agnus Dei, etc., que, depois de benzidos, a maio­ria das pessoas acredita pos­sam trazer proteção aos devo­tos nelas representados.Nos primeiros terreiros de Can­domblé que se organizavam, era comum o pedido de patuá por parte dos simpatizantes 

MAS, AFINAL, O QUE É PATUÁ?
O patuá é um objeto consa­grado que traz em si o aché, a força mágica do Orixá, do santo ca­tólico ou Guia de luz, a quem ele é con­sagrado.
Entre os ca­tólicos já era há­bito usar um frag­mento de qual­quer objeto que houvesse perten­cido a um santo ou a um papa, até mesmo fragmento de ossos de um mártir ou lascas de uma su­posta cruz que teria sido a de Cristo. Até mesmo terra, que era trazida pelos cruzados que volta­vam da Terra Santa e que a utiliza­vam nesses relicários, considera­dos poderosos amuletos, que de­ve­riam atrair bons fluidos e prote­ger dos azares.
O nome relicário é originário de latim relicare-religar, que aca­bou formando a palavra relíquia.
Logo o clero percebeu que não po­deria impedir o uso dos patuás pelos negros, que os tiravam an­tes de entrar na igreja, mas vol­tavam a usá-los ao afastar-se de­la. Decidiram, então, substituir o patuá africano (o autêntico), que tra­zia trechos do Alcorão, por outro que trazia orações católicas, me­da­lhas sagradas, Agnus Dei (uma espécie de medalha com o forma­to de coração, que se abre ao meio, onde se encontram as figu­ras de Jesus e Maria ou ainda sím­bolos da Igreja tradicional).
Com a formação dos primei­ros templos de Umbanda e a possibilidade de um contato mais estreito com diversas Entidades es­pi­rituais, as pessoas que bus­ca­vam proteção começaram a en­con­trar nesses objetos sagrados um apoio (era algo material que continha a força mágica vibratória da entidade que o trabalhara e que o crente poderia ter sempre con­sigo). A partir daí, as entidades de luz passaram a orientar sua ela­boração, indicando quais objetos seriam incluídos na confecção do patuá e como se deveria proceder com eles para que recebessem o seu aché, isto é, a força mágica.

Os ingredientes geralmente mais utilizados para a confecção dos patuás são os seguintes:
Figas de guiné; Cavalos ma­rinhos; Olhos de lobo (raros e ca­ros); Estrela de Salomão; Estrela da guia; Cruz de caravaca; Couro de lobo; Pêlo de lobo; Santo Anto­nio de guiné; Imagens de Exu e Pom­ba Gira da Guiné; Pontos di­versos; Orações; Sementes varia­das; Imãs, etc.
Não nos esqueçamos que es­sas coisas singelas não têm ne­nhum valor se não forem pre­paradas pelas entidades incorpo­rantes. Somente estas podem dar o aché ao patuá.

Trechos do livro “Iniciação à Umbanda” vol. 2 – Tríade Editora de Pai Ronaldo de Linares e Diamantino Fernandes Trindade.
A coleção completa dessa obra, que é composta por 9 volumes, está em processo de revisão para futuro lançamento pela Editora Madras, aguardem!