segunda-feira, 13 de outubro de 2025

O Encanto da Serpente e a Sabedoria das Encruzilhadas: Uma Lição de Oxumarê e Exu

 O Encanto da Serpente e a Sabedoria das Encruzilhadas: Uma Lição de Oxumarê e Exu

O Encanto da Serpente e a Sabedoria das Encruzilhadas: Uma Lição de Oxumarê e Exu
Por Cléo Martins – Adaptado com reverência espiritual

Na vastidão do panteão afro-brasileiro, onde cada orixá carrega consigo uma lição ancestral, uma história sagrada e um mistério que transcende o tempo, há uma narrativa que pulsa com intensidade espiritual, emocional e simbólica: a de Oxumarê, o arco-íris encantado, e seu encontro transformador com Exu, o senhor das encruzilhadas.

Oxumarê — ser divino que habita o limiar entre o céu e a terra, entre o visível e o invisível — carrega em si uma dualidade que muitos não compreendem. Manifesta-se como serpente, criatura que desperta medo, repulsa, até mesmo pânico nas almas humanas. E, no entanto, é também o arco-íris: símbolo de esperança, renovação, promessa divina após a tempestade. Essa contradição existencial o faz sofrer. Ele se sente incompreendido, rejeitado, abandonado — até mesmo por sua própria mãe, Nanã, a Senhora dos Primórdios, guardiã dos pântanos, senhora da sabedoria ancestral e das folhas sagradas.

Quantas vezes, em nossas vidas humanas, nos sentimos assim? Rejeitados por quem mais amamos? Incompreendidos em nossa essência mais profunda? Oxumarê, em sua dor, busca consolo não em um orixá de consolo fácil, mas em Exu — aquele que jamais oferece respostas prontas, mas abre caminhos tortuosos que nos levam a descobrir a verdade por nós mesmos.

E aqui reside uma das maiores lições espirituais dessa narrativa: Exu não é o vilão. Ele não age por maldade, mas por sabedoria travestida de caos. Ele sabe que o ser humano vive preso às aparências, às ilusões, aos julgamentos superficiais. “Nem tudo que reluz é ouro”, diz o povo. E Exu, com seu riso sacudindo os alicerces do mundo, nos convida a questionar: O que você acredita ser verdade? E por quê?

Quando Oxumarê desabafa com Exu, ele não pede vingança — pede justiça, reconhecimento, acolhimento. E Exu, mestre dos paradoxos, propõe um plano que parece absurdo: transformar-se naquilo que mais aterroriza os outros — a serpente — e assustar o povo de Nanã até que ela, por medo ou por amor, ceda sua coroa real.

Mas o que parece ser um ato de manipulação revela-se, no fim, um ato de libertação. Ao assumir o trono da nação jeje, Oxumarê não se torna um tirano. Torna-se um rei mais leve, mais alegre, mais humano. Enquanto Nanã, justa mas severa, governa com a rigidez dos primórdios, Oxumarê governa com a fluidez do arco-íris — colorido, mutável, compassivo.

E o povo ganha. Porque às vezes, a transformação só chega quando somos forçados a sair da zona de conforto. Quando o medo nos faz repensar nossas escolhas. Quando a serpente — símbolo de cura, renovação e sabedoria oculta — surge para nos lembrar de que a verdadeira força está em aceitar nossas sombras e transformá-las em luz.

Essa história não é apenas mito. É espelho.
Quantos de nós carregamos dentro de nós uma “serpente” que nos envergonha? Um talento incompreendido? Uma emoção reprimida? Uma identidade negada?
E quantos de nós, como Oxumarê, precisamos de um Exu em nossas vidas — alguém que nos empurre para o abismo não para nos destruir, mas para que possamos renascer com asas?

No fim, a coroa não era o objetivo. O objetivo era ser visto, ser valorizado, ser amado como é — serpente e arco-íris, sombra e luz, medo e beleza.

Que possamos, como Oxumarê, abraçar todas as nossas formas.
Que, como Exu, aprendamos a rir dos mal-entendidos da vida, sabendo que por trás de cada confusão há uma lição disfarçada.
E que, como o povo da nação jeje, saibamos reconhecer quando uma nova liderança — mais leve, mais inclusiva, mais verdadeira — precisa surgir.

Porque o mundo não precisa de perfeição.
Precisa de autenticidade.
E de coragem para brilhar, mesmo quando nos transformamos naquilo que outros temem.


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"Oxumarê tem o dom de se encantar em serpente, animal que aterroriza as pessoas.
Por esse motivo andava revoltado com a mãe que, apesar de ser uma feiticeira poderosa, especialista em folhas, não fazia nada para ajudá-lo.
Um dia se encontrou com Exu, o senhor das encruzilhadas, um intrigante de primeira e competente na tarefa de tecer intrigas, e resolveu desabafar-se com o amigo.
Disse-lhe que andava meio revoltado com a mãe, a senhora dos pântanos, que mais se preocupava com as próprias coisas do que com ele, seu filho.
Antes o arco-íris não tivesse falado com Exu!
O que Exu mais adora, adora mesmo,
a ponto de se jogar no chão estourando de tanto rir, são equívocos, mal-entendidos e situações ambigüas.
Exu não age assim porque seja mau.
Nada disso.
É que ele, tal qual Omulu, exorta as pessoas a não irem pelas aparências. "Nem tudo que reluz é ouro".
A gente gosta de dar asas à imaginação e de criar fantasias, passar a acreditar nelas, sofrer por motivos imaginários. Nessas horas, Exu não pode ser solicitado como conselheiro.
Ele é um orixá de muitos atributos.
Mas gosta de confundir e se divertir com a confusão.
Dito e feito.
Exu aconselhou Oxumarê a roubar a coroa de Nanã, tornando-se o rei da nação jeje, com direito a muitos cauris (que ele adora), honrarias e boas comidas.
Para realizar seu intento com sucesso,
o arco-íris deveria transformar-se em serpente e sair perseguindo as pessoas do palácio de Nanã.
Não deu outra: Nanã, assustada com a possibilidade de perder seu povo, vítima do veneno da serpente, prometeu a Oxumarê que, se ele assumisse a forma original e deixasse todos em paz, ela lhe daria seu adê (coroa) real.
E assim foi feito.
Oxumarê foi coroado rei da nação jeje.
Cá entre nós, que ninguém nos ouça, quem ganhou com a troca foi o povo.
Exu, na verdade, foi um bom advogado...
Oxumarê é mais alegre e liberal do que a senhora dos primórdios,
que é justa mas implacável.
É o que dizem.
Sabe-se lá..."
texto: por Cléo Martins.
Nanã: A Senhora Dos Primórdios.
Coleção Orixás, págs.140 - 143.