O Encanto da Serpente e o Arco-Íris da Transformação: Um Chamado Sagrado a Oxumarê
Oxumarê: O Encantador das Formas, Senhor do Arco-Íris e da Serpente Sagrada
No coração do cosmo iorubá, onde os mitos não são apenas histórias, mas verdades vibrantes que se manifestam no cotidiano, existe um orixá cuja essência desafia a lógica linear: Oxumarê. Ele é o mistério que se move entre o visível e o invisível, entre o temor e a fascinação, entre a terra úmida dos pântanos e o céu colorido após a tempestade.
Filho de Nanã Burukú, a ancestral senhora das águas profundas, das origens e do útero primordial da criação, Oxumarê carrega em si a herança da mais antiga sabedoria — aquela que nasce do silêncio, da escuridão fecunda, do que ainda não foi nomeado. Mas, ao contrário da severidade implacável de sua mãe, Oxumarê é movimento, cor, leveza e transformação. Ele é o arco-íris que surge quando as águas celestes (Oxum) se encontram com as águas terrenas (Nanã), anunciando que, após a dor da tempestade, há sempre a promessa de renovação.
A Dualidade Sagrada: Serpente e Arco-Íris
A forma serpentina de Oxumarê não é acaso. A serpente, em quase todas as tradições espirituais do mundo, representa:
- Renovação (pela troca de pele),
- Cura (simbolizada pelo bastão de Asclépio, na medicina),
- Sabedoria oculta (guardiã dos segredos subterrâneos),
- Energia kundalini (a força espiritual que ascende pela coluna vertebral).
Mas, na cultura ocidental e em muitas mentalidades colonizadas, a serpente foi demonizada. Daí surge o drama de Oxumarê: ele é amado como arco-íris, mas temido como serpente. E é justamente nesse paradoxo que reside seu poder mais profundo: ensinar-nos a abraçar nossas sombras para brilhar com plenitude.
Sua coroação como rei da nação jeje — fruto de uma “intriga” sábia de Exu — não foi um golpe de poder, mas um ato de justiça cósmica. Nanã, por mais sábia e poderosa, representava a estase, a ordem imutável. Oxumarê traz o fluxo, a dança, a liberdade de ser múltiplo. O povo, ao recebê-lo como rei, ganhou não apenas um governante, mas um libertador espiritual.
Construindo um Altar Sagrado para Oxumarê: Um Santuário de Transformação
Montar um altar para Oxumarê é mais do que dispor objetos — é criar um portal energético, um espaço onde o mundo material se alinha com o mundo espiritual. Abaixo, detalhamos cada elemento com reverência, simbolismo e orientação prática.
1. Escolha do Local
- Prefira um local elevado, limpo e com boa circulação de ar.
- Idealmente, próximo a uma janela voltada para o leste (onde nasce o sol, símbolo de renovação) ou oeste (onde o arco-íris frequentemente aparece após a chuva).
- Evite locais úmidos excessivos (como banheiros), pois, embora Oxumarê tenha ligação com os pântanos, seu altar deve refletir equilíbrio, não estagnação.
2. Base do Altar
- Use um pano de algodão ou linho nas cores sagradas:
- Verde-esmeralda: ligação com a terra, a cura e a serpente.
- Amarelo-ouro: brilho do arco-íris, riqueza espiritual, alegria.
- Branco: pureza, conexão com os ancestrais e com Nanã.
- Pode-se sobrepor os panos ou usar um único com listras ou degradê que remetam ao arco-íris.
3. Elementos Centrais do Altar
Imagem ou Representação de Oxumarê
- Pode ser uma estatueta artesanal, uma pintura simbólica ou até um desenho feito à mão com intenção.
- Se usar imagem de serpente, que seja reverente, não assustadora. Evite representações agressivas.
- Alternativamente, use um espelho curvo ou um prisma de cristal que projete arco-íris com a luz — um símbolo poderoso de sua manifestação celeste.
Velas
- Duas velas principais: uma verde-esmeralda e uma amarela-ouro.
- Acenda-as em sextas-feiras (dia tradicional de Oxumarê) ou em momentos de necessidade de transformação.
- Nunca apague a vela com sopro — use um apagador ou abafe com um sino ou tampa. O sopro humano carrega energia densa.
Água de Oxumarê
- Um copo ou taça de água fresca e limpa, trocada diariamente.
- Pode ser água de coco natural ou água de chuva coletada com intenção.
- Essa água pode ser usada posteriormente para banhos de descarrego suave ou regar plantas do jardim — devolvendo a energia à natureza.
Folhas Sagradas
Oxumarê é um orixá profundamente ligado às folhas, herança de sua mãe Nanã, mestra das ervas. Algumas folhas tradicionais:
- Manjericão: purificação e alegria.
- Alecrim: proteção e clareza mental.
- Erva-de-santa-maria: limpeza espiritual (use com moderação).
- Comigo-ninguém-pode: proteção, mas só se houver necessidade real — não use por medo.
- Lírio-do-brejo ou aguapé: se tiver acesso a ambientes aquáticos naturais, são altamente simbólicos.
Coloque as folhas frescas em um prato ou recipiente de barro. Troque a cada 3 dias ou quando murcharem.
Cauris (Búzios)
- Símbolo de riqueza, sabedoria e comunicação com o orun (mundo espiritual).
- Disponha 7 cauris (número sagrado) em forma de espiral ou arco, representando o movimento da serpente e a curvatura do arco-íris.
- Nunca os toque com mãos impuras (lave as mãos antes de manusear).
Pedras e Cristais
- Esmeralda: fortalece a ligação com a cura e a natureza.
- Citrino: atrai alegria, prosperidade e luz.
- Ágata-musgo: conecta à terra e à regeneração.
- Quartzo arco-íris (quartzo com inclusões que criam efeito iridescente): perfeito para Oxumarê.
Coloque-os em um saquinho de pano ou diretamente sobre o altar.
Oferendas a Oxumarê: Alimento para o Corpo e para a Alma
As oferendas (ebós) não são subornos, mas atos de reciprocidade cósmica. Oferecer é reconhecer que recebemos, e que desejamos manter o fluxo da graça.
Alimentos Tradicionais
- Inhame cozido com dendê, cebola e camarão seco (se não for vegano; caso contrário, use apenas dendê e sal grosso).
- Milho verde cozido (símbolo de abundância e do ciclo da vida).
- Quiabo refogado (representa a ligação com a terra e a fertilidade).
- Frutas amarelas: banana-ouro, manga, abacaxi, goiaba — sempre frescas e maduras.
- Mel puro: símbolo de doçura e harmonia.
Bebidas
- Água de coco natural (em seu próprio coco, se possível).
- Vinho branco doce (oferecido com moderação, em taça pequena).
- Chá de camomila com mel (para momentos de cura emocional).
Como Oferecer
- Prepare-se: tome um banho de descarrego leve (com manjericão ou alecrim) antes.
- Limpe o altar: com um pano úmido e água de flor de laranjeira ou água de rosas.
- Acenda as velas e diga uma oração com o coração aberto.
- Disponha os alimentos com beleza e respeito — como se estivesse servindo um rei.
- Deixe por 24 horas (ou pelo menos até o pôr do sol).
- Descarte com reverência: enterre os alimentos em local limpo da natureza, longe de lixo ou animais domésticos. Nunca jogue no lixo comum.
Banho de Oxumarê para Renovação Profunda
Use este banho em momentos de transição, após perdas, ou quando sentir que precisa “trocar de pele”:
Ingredientes:
- 7 folhas de manjericão
- 7 folhas de alecrim
- 1 punhado de flores amarelas (margarida ou calêndula)
- 1 colher de mel
- Água de nascente ou filtrada
Preparo: Ferva as folhas por 10 minutos. Coe. Acrescente o mel. Deixe esfriar. Tome um banho comum e, ao final, jogue essa mistura do pescoço para baixo, pedindo a Oxumarê que remova o que já não serve e traga a leveza do arco-íris.
Reflexão Final: Oxumarê em Nós
Honrar Oxumarê é reconhecer que nossa maior força muitas vezes está naquilo que tememos em nós mesmos. É entender que a cura não vem do combate à sombra, mas da integração consciente dela. Assim como a serpente não luta contra sua pele velha, mas a solta com graça, também nós podemos soltar identidades, mágoas e medos obsoletos — não com dor, mas com a elegância de quem sabe que renascer é um direito divino.
Que seu altar seja um espelho da sua jornada.
Que cada oferenda seja um ato de amor-próprio.
E que, sob o encanto de Oxumarê, você encontre a coragem de ser inteiro — serpente e arco-íris, sombra e luz, mistério e revelação.
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Que Oxumarê te envolva em seu encanto cíclico, te ensine a dançar com as tempestades e te coroe com as cores da alma renovada. 🌈🐍✨
Oxumarê tem o dom de se encantar em serpente, animal que aterroriza as pessoas.
Por esse motivo andava revoltado com a mãe que, apesar de ser uma feiticeira poderosa, especialista em folhas, não fazia nada para ajudá-lo.
Um dia se encontrou com Exu, o senhor das encruzilhadas, um intrigante de primeira e competente na tarefa de tecer intrigas, e resolveu desabafar-se com o amigo.
Disse-lhe que andava meio revoltado com a mãe, a senhora dos pântanos, que mais se preocupava com as próprias coisas do que com ele, seu filho.
Antes o arco-íris não tivesse falado com Exu!
O que Exu mais adora, adora mesmo,
a ponto de se jogar no chão estourando de tanto rir, são equívocos, mal-entendidos e situações ambigüas.
Exu não age assim porque seja mau.
Nada disso.
É que ele, tal qual Omulu, exorta as pessoas a não irem pelas aparências. "Nem tudo que reluz é ouro".
A gente gosta de dar asas à imaginação e de criar fantasias, passar a acreditar nelas, sofrer por motivos imaginários. Nessas horas, Exu não pode ser solicitado como conselheiro.
Ele é um orixá de muitos atributos.
Mas gosta de confundir e se divertir com a confusão.
Dito e feito.
Exu aconselhou Oxumarê a roubar a coroa de Nanã, tornando-se o rei da nação jeje, com direito a muitos cauris (que ele adora), honrarias e boas comidas.
Para realizar seu intento com sucesso,
o arco-íris deveria transformar-se em serpente e sair perseguindo as pessoas do palácio de Nanã.
Não deu outra: Nanã, assustada com a possibilidade de perder seu povo, vítima do veneno da serpente, prometeu a Oxumarê que, se ele assumisse a forma original e deixasse todos em paz, ela lhe daria seu adê (coroa) real.
E assim foi feito.
Oxumarê foi coroado rei da nação jeje.
Cá entre nós, que ninguém nos ouça, quem ganhou com a troca foi o povo.
Exu, na verdade, foi um bom advogado...
Oxumarê é mais alegre e liberal do que a senhora dos primórdios,
que é justa mas implacável.
É o que dizem.
Sabe-se lá..."
texto: por Cléo Martins.
Nanã: A Senhora Dos Primórdios.
Coleção Orixás, págs.140 - 143.