sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O Orixá Ògún (Ogum) e o seu poder sobre os metais!

 

O Orixá Ògún (Ogum) e o seu poder sobre os metais!

Os Òrìsà (Orixás) e a humanidade viviam na Terra criada por Òsàlá (Oxalá) realizando suas tarefas: caça, limpar a terra para a agricultura, plantação, construir casas... Tudo feito com muita dificuldade por falta das ferramentas adequadas. Piorou com o aumento das distâncias e cidades. Enfrentavam terrenos desnivelados, matas densas, grandes rochas impedindo as estradas e coisas assim.

 

Percebendo o que já havia sido feito e o que deveria ser feito ainda, os Orixás tentavam encontrar a melhor solução para os problemas. Vários se prontificaram a solucionar os problemas. Todos, exceto Olókun: “O meu domínio é a água. A terra e as árvores não são meus afazeres.”

 

Òsányìn (Ossain), o Orixá das folhas, disse: “Eu limparei primeiro os campos.” Pegou sua faca do mato e partiu pra mata. Mas sua faca era feita de madeira e pedra, após algum tempo de uso, sua faca quebrou. Ossain retornou e disse: “Eu comecei o trabalho, mas a madeira das árvores era tão dura que partiu minha faca.”

 

Orixá Oko (Orixá da agricultura), falou: “A minha faca é mais forte. Cortarei as árvores e destruirei as rochas.” Partiu para o trabalho, mas sua ferramenta não aguentou a tarefa árdua. Disse, então: “Aconteceu o mesmo comigo. Minha faca está cega e torcida.”

 

Èsù (Exú), com seu corpo forte, armou-se com suas ferramentas e partiu para a floresta. Permaneceu lá por longo tempo e voltou amargurado: “Eu limpei a terra e desloquei as rochas, mas o metal das minhas ferramentas não foi forte o suficiente.” Um por um, cada Orixá tentava e fracassava.

 

O único Orixá que não foi e permaneceu calado foi Ogum. Somente depois da tentativa de todos, Ogum disse: “Nísisìyí àsìkò mi ni.” [“Agora é a minha vez.”]. E partiu para o campo. Cortou as árvores, destruiu as rochas e outras as deslocou. Arou a terra para ser semeada. Abriu novos caminhos e retirou as plantas desnecessárias. Ogum trabalhou até o final da tarde. Quando terminou, retornou aos Orixás que o aguardavam. E exibiu suas armas e ferramentas. Estavam todas afiadas e intactas.Os Orixás perguntaram: “Que metal maravilhoso é este?” Ogum respondeu: “O segredo desse metal me foi dado por Olódùmarè. É chamado de irin, ferro.” Os Orixás queriam que Ogum ensinasse o segredo desse metal. Ogum disse: “Olódùmarè não me autorizou.” Mas fez ferramentas para todos os Orixás com esse metal, mesmo sem ensinar o segredo. Para isso, Ogum construiu uma forja em sua casa. Ogum além de grande guerreiro, era também um grande caçador. A caça até então era feita com armadilhas e armas leves, além de necessitar de se contar com a sorte.

 

Os Orixás, mesmo presenteados com as armas e instrumentos de ferro forjados por Ogum, não se conformavam em também não saberem o segredo desse metal. Então, para persuadir Ogum, lhe deram o título de Osìnmalè, o Chefe entre as Divindades. Depois disso, Ogum concordou em ensinar o segredo da forja do ferro e a fabricação de armas e ferramentas com esse metal.Vieram pessoas de diferentes regiões para aprender o segredo da forja do ferro. Ogum, mesmo com o título de Chefe entre as Divindades, ele continuava apaixonado pela caça e muitos dependiam de sua capacidade na caça para sobreviver. Ogum, para caçar, se embrenhava nas matas vestido de roupas de couro presas por màrìwò (folhas do dendezeiro).

 

Caçar exigia muito o que fazia Ogum ficar isolado por vários dias na mata, dormindo sobre a terra ou em árvores. Ogum caçava vários animais, em constantes lutas. Quando saía da floresta, estava sujo, seu cabelo embaraçado e as peles que vestia rasgadas e manchadas de sangue. E voltou para a cidade para reencontrar seus companheiros.

 

Os Orixás ao verem Ogum voltando daquele jeito, disseram: “Quem é este estranho todo sujo que vem da floresta? Certamente não é Ogum, o qual demos o título de nosso chefe.” Descontentes com Ogum, disseram: “Um chefe deveria se manter com dignidade, suas roupas devem ser limpas, e o seu cabelo bem aparado. Você está indistinguível do mais humilde caçador de Ifè, e o ar à sua volta está empesteado de carne morta.” Concluíram: “O cargo que lhe demos, nós o tiramos agora. Você não é mais nosso chefe.”

 

Ogum replicou: “Quando vocês precisaram do segredo do ferro, souberam me implorar para ser vosso chefe. Agora que já são possuidores do poder, dizem que eu cheiro mal.” Depois de falar isso, Ogum tirou suas roupas e se banhou no rio mais próximo. Já limpo, vestiu suas roupas de màrìwò, pegou suas armas e partiu para a cidade de Ifé. Construiu uma casa embaixo de uma árvore de akòko, lá permanecendo solitário, mas fiel aos seus compromissos de se manter vigilante nas terras de Ilé Ifè.

 

Conclusão:

 

As folhagens do dendezeiro desfiadas e colocadas em cima das portas e janelas das Casas de Candomblé são denominadas màrìwò e representam o pacto de proteção de Ogum com os seres humanos.

 

Um outro mito (itan), porém, revela as razões do uso do màrìwò:

 

Ogum foi caçar e retornou com muita caça. Convidou seus amigos para beber e comer juntos. Foi o que fizeram por longo tempo, com exceção de um dos convidados, que se manteve sóbrio. Assim que todos adormeceram entorpecidos de álcool, o convidado que permaneceu sóbrio, levou todas as roupas de Ogum para longe. Quando Ogum acordou, notou que tudo que era seu havia sido roubado. Ossain (Orixás das folhas), que passava pelo local, entrou na casa de Ogum e viu o ocorrido. Ogum lhe disse: “Eu fui caçar, quis repartir a caça com todos, bebemos e festejamos, e o resultado foi este.” Ossain recriminou-o: “Beber mais do que o suficiente só poderia dar nisso. Você perdeu a compostura. Mas vou lhe dar roupas de folhagem de palma.” E assim fez. Ogum, vestiu-as, voltou pra casa, pegou as armas e foi caçar. Trouxe animais, tirou o coro, e depois de prepará-lo, vestiu-se junto com as folhagens que Ossain o presenteou. Quando o povo o viu daquela forma, lembrou-se das injustiças cometidas com ele. As roupas de màrìwò passaram a ser um registro do ocorrido naquela festa. Nos cânticos de Candomblé, isto é afirmado:

 

E màrìwò l’áso – O màrìwò é a roupa

E màrìwò – de Ogum

E Ògún o.

 

Notas:

Irin: é o ferro. Bàbá Irin é o título que Ogum recebe pelo seu poder sobre os metais.

 

Osìnmalè: É uma contração da expressão Osìn – chefe, e irúnm alè – divindade.

 

Màrìwò: “Ògún oní  màrìwò aroye.” [Ogum é o dono das folhas do alto da palmeira.”] As folhas do dendezeiro são denominadas imò òpe; somente depois de serem desfiadas mediante um ritual específico é que recebem o nome de màrìwò.

 

Tínrín tínrín tínrín – Bem fininho

Màrìwò – márìwò

Jókó sán yà le – Sentado, cortamos e separamos

Màrìwò. – o màrìwò.

 

Ìré: Cidade conquistada por Ogum e exaltada em seus cânticos. Daí ele ser intitulado Oníré, o Senhor de Ìré.

 

Akòko (Newboldia laevis)

Planta africana aclimatada no Brasil que pertence a Ogum.

 

Autor: Eosphorus Pluto Eleutherios

 

Blog: Bruxaria Sem Dogmas

 

Referência: Mitos Yorubás (o outro lado do conhecimento).

Autor: José Beniste.

 

José Beniste é escritor, historiador, pesquisador de Cultura Afro-Brasileira, é integrante de movimentos que visam à restauração da dignidade religiosa do afrodescendente. Iniciado pela Sociedade Axé Opô Afonjá, em 1984, é diretor do Curso Brasil-Nigéria, fundado em 1982. Ministra aulas de Língua Yorubá.

 

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