Naquele tempo a galinha d’angola era inteiramente preta e vivia só e infeliz dentro da mata. Para resolver seus problemas de solidão, foi consultar o adivinho de Obatalá para que lhe indicasse um ebó que lhe permitisse conseguir uma companheira como todos os demais bichos possuíam. Chegando à casa do adivinho, o pobre animal não foi por ele recebido porque, sendo completamente preto, não poderia entrar numa casa onde o Orixá do Branco era cultuado, pois a cor preta era considerada como uma grande ofensa.
Desolado, o bicho que apesar de viver só era muito rico, reuniu uma grande quantidade de alimentos e saiu sem rumo, na esperança de encontrar em outro lugar qualquer, alguém que lhe fizesse companhia.
Depois de muito caminhar encontrou, numa clareira, um velho muito estropiado que gemendo, estendeu-lhe as mãos dizendo:
– “DÁ-ME UM POUCO DE COMIDA E DE ÁGUA, POIS ESTOU EXAUSTO E JÁ NÃO POSSO CONSEGUIR ALIMENTO PARA MINHA PRÓPRIA SOBREVIVÊNCIA”.
Condoído, Etú serviu de seu próprio alimento ao velho e saciou-lhe a sede com a água que trazia dentro de uma cabaça.
Logo que acabou de comer, o pobre velho, de tão enfraquecido, caiu em sono profundo e, ao despertar muitas horas depois, deparou com Etú que preocupado, velava por seu sono.
Já refeito, o velho perguntou:
– “que fazes sozinho no interior desta floresta? não sabes que ela é sagrada e que só os iniciados podem adentrá-la?”.
– “ando sem destino. nasci só e sempre vivi só. minha aparência é muito repugnante e minha feiura impede que as pessoas permitam que me aproxime delas”. Replicou a ave.
– “tua feiura exterior nada é, comparada com tua beleza interior. aproxima-te mais e, como recompensa pela tua bondade, modificarei um pouco a tua aparência”.
Ordenou o velho.
Pegando pó de efun o velho, que outro não era que o próprio OBATALÁ, soprou sobre o corpo de Etú deixando-o, a partir de então, todo pintalgado. Reunindo alguns elementos sagrados, modelou um cone que colocou no alto de sua cabeça dizendo:
– “A PARTIR DE HOJE, SERÁS O ANIMAL MAIS IMPORTANTE NA RELIGIÃO DOS ORIXÁS, NADA PODERÁ SER FEITO SEM A TUA COLABORAÇÃO E, COMO SINAL DESTA IMPORTÂNCIA, SERÁS O ÚNICO DENTRE OS SERES VIVOS A PORTAR O OXÚ, SÍMBOLO DA ALIANÇA FORMALIZADA ENTRE O INICIADO E SEU ORIXÁ. POSSUIRÁS, ALEM DISTO, TANTAS FÊMEAS QUANTAS QUISERES E TUA PROLE SERÁ NUMEROSA E SE ESPALHARÁ SOBRE A TERRA”.
Por este motivo a galinha d’angola possui o corpo coberto de pintas e carrega sobre a cabeça uma crista cônica, assemelhando-se ao neófito durante o ritual da iniciação. Sua presença em todas as cerimônias iniciáticas é indispensável e todos os Orixás a exigem em seus rituais.