terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

“Sou zelador-de-santo”

Dez anos se passaram desde que o sacerdote Agenor partiu para o plano espiritual e, só agora, em 2014, conheci, por alto, seu trabalho.
Mesmo sem me aprofundar nos estudos sobre sua vida e obra, o texto da entrevista abaixo foi suficiente para que encontrasse, em suas palavras, meus próprios pensamentos sobre o Candomblé e a Umbanda.
Alma generosa que certamente foi em vida, deve gozar nesse momento de muita paz e ventura no reino de Nosso Pai Oxalá!
Pai Agenor, segundo o texto abaixo, não cobrava pelo jogo de búzios e tal atitude, em minha opinião, está absolutamente de acordo com as questões que envolvem a espiritualidade.
Dinheiro se ganha com trabalho material, o trabalho espiritual deixa de ser Sagrado quando a matéria invade o campo da espiritualidade. Sempre pensei assim como ele e confesso ter sido uma grata surpresa, a essas alturas da vida, encontrar suas palavras tão sábias, seus pensamentos tão lúcidos!
Esse senhor culto e sensível, deixa um legado de amor e de fé ao nosso Candomblé brasileiro. Exemplo de homem e sacerdote a ser seguido pelos de boa fé e vontade, presente que Angola mandou ao Brasil, mais precisamente à Bahia, como não podia deixar de ser!
Admiro muito a postura e a lucidez desse homem de fé, zelador de Santo que respeita a natureza em todas as suas formas sendo coerente com a religião abraçada em vida.
O Candomblé é uma bela religião, sempre admirei e respeitei muito, li sobre Mãe Menininha e me encantei com sua história de vida e com sua obra, mas nunca me senti confortável com a questão do corte (ritual de sacrifício animal), nem tampouco com a questão das cobranças muitas vezes exacerbadas dos jogos de búzios, além dos excessos das vestimentas. Em minha concepção de espiritualidade, nada disso combina com o Sagrado. Ser espiritualizado é ser simples, honesto, verdadeiro e fiel ao mais Alto que tudo provê pelo nosso sustento material.
Amar e respeitar os Orixás seja no Candomblé ou na Umbanda é olhar para tudo e para todos como parte de nós mesmos, sendo assim, tudo de bom ou de ruim que se faça contra a criação, fatalmente recairá sobre quem executa a ação.
Penso em religião como algo que deva acrescentar qualidade em nossas vidas e não mais um problema como onerar àqueles que a buscam para aliviarem seus fardos com outro talvez ainda mais pesado que o já carregado.
Os espíritos e os Orixás não cobram nada de nós médiuns, a não ser nossa evolução pessoal, comunitária, social e planetária no sentido de colaborarmos uns com os outros e juntos zelarmos pela Criação da qual fazemos parte.
Simples assim e para tanto, uma boa e limpa roupa branca é suficiente para simbolizar a fé que levamos dentro dos nossos corações.
Um Salve a esse grande Zelador! E que ele, de onde estiver, possa inspirar os homens de fé auxiliando-os a evoluir sem alarde e sem vaidade, como bem dizia!
Annapon

"Como atua um oluwô?

R - A mando dos orixás. Sem alarde e sem vaidade. Na realidade, o magistério é que foi minha carreira. Trabalhei no magistério 47 anos, e saí com pena. Eu nunca vivi do santo. Eu vivo para o santo".



“Sou zelador-de-santo”

Um dos mais respeitados pais-de-santo do Brasil, Agenor Miranda Rocha emite opiniões corajosas sobre o candomblé.

por Gladys Pimentel


A reabertura dos terreiros de candomblé no feriado religioso de Corpus Christi traz, todo ano, à Bahia um dos mais queridos e respeitados sacerdotes do povo de santo, o oluwô (dono dos segredos) Agenor Miranda Rocha, 93 anos. No último dia 13, ele se dividiu na tríplice jornada de visitar o Gantois, a Casa Branca e o Ilê Axé Opô Afonjá.

Poeta, intelectual, escritor, cantor lírico e educador, ele é o responsável pelo jogo que indica os representantes na sucessão para as grandes casas de candomblé da Bahia. Foi seu jogo que nomeou mãe Stella, para o Opô Afonjá, e Tatá, para a Casa Branca. Pelo apartamento de pai Agenor, no Rio, passam, diariamente, dezenas de pessoas, incluindo artistas globais e políticos, que confiam a vida ao seu jogo de búzios.

Natural de Angola, pai Agenor veio para a Bahia com 5 anos de idade. Ainda criança, recebeu, de Eugênia Ana dos Santos, mãe Aninha, a vocação para o candomblé. A vida do oluwô já foi registrada em um livro, de Diógenes Rebouças Filho (Pai Agenor, editora Corrupio, 1997), e, agora, será tema do documentário Um Vento Sagrado, com roteiro e direção de Walter Pinto Lima e Carlos Vasconcelos Dominguez (este, morto no ano passado).

Nesta entrevista, concedida no último dia 16, antes de voltar para o Rio de Janeiro, pai Agenor fala sobre sua concepção de candomblé, critica o sacrifício de animais, o jogo cobrado e a grande exposição que a religião ganhou atualmente.

P - Quando e como surgiu sua vocação para pai-de-santo?

R - Não sou pai-de-santo, sou zelador-do-santo. O santo é que é meu pai. Eu acho esta

nomenclatura (pai-de-santo) muito errada. Eu zelo.

P - Qual é a diferença?

R - Se eu sou pai-de-santo, o santo é propriedade. Para mim, os orixás são fragmentos da

natureza. Cada orixá tem encantado um fator natural: Iansã, no vento; Iemanjá, no mar; Oxóssi, nas matas, caçando; Ogum, desbravando estradas. Então, como eu posso ser pai deles? Quero que me chame de zelador. Pai, não. O zelador trata dos orixás, faz, todas as semanas, uma obrigação, que se chama ossé. Fazer ossé aos orixás é limpá-los, cuidá-los.

P - Como o senhor vê, então, a utilização da nomenclatura pai-de-santo pelo candomblé?

R - Eu já encontrei isso quando fiz santo. Eu é que não me sinto bem em dizer que sou pai-do santo.

Para eles (algumas pessoas do candomblé), é uma glória dizer isso.

P - Voltando à sua vocação para zelador-de-santo, quando e como ela surgiu?

R - Eu tinha 5 anos. Na verdade, não fui eu quem procurou o candomblé, o candomblé é que me procurou. Minha família era toda católica, apostólica, romana, nunca “assistiu” a um candomblé. Nasci em Ruanda, capital de Angola. Vim para a Bahia com 5 anos. A vocação surgiu desde que eu nasci. Um africano disse isso para minha mãe antes do meu nascimento. Ela não acreditou, mas ele acertou em tudo.

Ela me esperava para outubro, ele disse que era para setembro. Eu nasci no dia 8 de setembro de 1907. Disse que eu ia trazer uma mancha vermelha na cabeça. Eu trouxe. Quando chegamos aqui, na Bahia, eu fiquei para morrer. Os médicos desenganaram-me. Minha mãe Aninha, a que fundou o Axé Opô Afonjá, fez o jogo e disse que eu não tinha nada, que era o orixá que iria ser feito. Fez-se o orixá, em 1912, e eu estou aqui.

P - O senhor ocupa um dos mais altos postos no candomblé. Como atua um oluwô?

R - A mando dos orixás. Sem alarde e sem vaidade. Na realidade, o magistério é que foi minha carreira. Trabalhei no magistério 47 anos, e saí com pena. Eu nunca vivi do santo. Eu vivo para o santo.

Até meu jogo de búzios, nunca cobrei. Não cobro, porque eu duvido um pouco dessa caridade cobrada.

Ela deixa de ser caridade quando é cobrada. Eu sou feliz, os orixás me deram essa missão, mas me deram também uma profissão. Então, não há necessidade de eu cobrar.

P - Nesses seus 93 anos, houve algum fato, alguma experiência que o marcou? No candomblé, por exemplo?

R - Diversos. Teve um episódio na minha casa, no Leme, no Rio, em 1947. Eu sonhei com Xangô me dizendo que estava segurando a casa até eu me mudar, pois a casa iria desabar. Eu mudei às 5 horas. Às 7 horas, a casa desabou. Então, eu tenho que ter amor aos orixás. Não posso vendê-los, me aproveitar.

P - Na Bahia do Senhor do Bonfim, o sincretismo religioso está muito presente. Qual a sua opinião sobre o sincretismo, considerando que o senhor é um zelador-de-santo, filho de pais católicos?

R - Não há crime nenhum no sincretismo, porque, se não fosse o sincretismo, não haveria
candomblé hoje. Essa é que é a verdade. As mães-de-santo e os pais-de-santo não querem o sincretismo. Mas tem que haver. Se não fosse o sincretismo, como é que o candomblé iria sobreviver até hoje? Teria morrido. Agora, eles não gostam quando eu falo isso. Mas eu falo o que sinto. Não falo pelos outros, falo por mim.

P - O senhor é devoto de Santo Antônio e de São Francisco de Assis e vai sempre à cidade de Assis, na Itália, venerar São Francisco. Como é que o senhor lida com isso dentro do candomblé? Existe preconceito?

R - Se há preconceitos, é com eles. Eu sou eu. Nunca tive conflito. E, agora, tem mais uma coisa: eu sou do santo, católico e espírita. Assim como na família: nem todos são iguais, mas convivem bem.

Não é isso? É uma questão de fé.

P - Qual a diferença do candomblé do passado para o candomblé atual?

R - Bom, eu costumo, numa frase, mostrar: eu sou do candomblé de morim (pano de algodão

muito fino e branco). Hoje, é candomblé de lamê (plumas, lantejoulas). Parece uma escola de samba.

P - O sacrifício de animais, um dos ritos mais comuns e simbólicos do candomblé, é contestado pelo senhor. Por quê?

R - Acho que é uma maldade. Os orixás, que são fragmentos da natureza, precisam de sangue?

Matar os animais que representam a natureza? Matar, além de tudo, com uma faca, devagarinho, com cantiga, até chegar em uma palavra para tirar a cabeça do bicho. Não dá! Sou contra a matança. Na vida, tudo evolui com o tempo. O candomblé podia ter evoluído um pouquinho, ser mais moderado. O candomblé, hoje, é um luxo.

Obs.: O texto na íntegra se encontra no site: www.corrupio.com.br/pai_agenor_entrevista.htm.

Nesta mesma época em que foi feita a entrevista para o “Jornal da Tarde - 24/06/2001” realizou-se um documentário sobre a vida de Agenor Miranda, intitulado “Um Vento Sagrado”. O filme traz depoimentos de personalidades, como o cantor Gilberto Gil e o escritor Muniz Sodré.


Agenor Miranda Rocha, o Pai Agenor, (LuandaAngola8 de setembro de 1907 — Rio de Janeiro17 de julho de 2004) foi um babalaô da Religião dos Orixás Candomblé Foi iniciado aos cinco anos de idade, em 1912, ao orixá Oxalá, pelas mãos de Sra. Eugênia Ana dos Santos, mais conhecida como Mãe Aninha de Xango ou Obá Biyi, fundadora do Axé Opô Afonjá, na cidade Salvador, devido a uma enfermidade, fato este que levou sua Mãe carnal a senhora Zulmira Miranda, católica Apostólica Romana, fervorosa, a aceitar o feito com intuito de salvar a vida de seu filho.Quando jovem, e já residindo na cidade do Rio de Janeiro, foi o nosso Ilustre professor, iniciado nos mistérios da Orixá Ewá, de onde segue que dado a União destes dois orixas, Oxalufã e Ewá, o nosso digno professor, ou como ele se auto intitulava, Zelador de Santo, ter um dom especial nos jogos sagrados dos buzios. O Professor Agenor, como era conhecido, foi professor catedrático aposentado do Colégio Pedro II, nas cadeiras de matemática e latim, cantor lírico (seguindo os passos de sua mãe, o soprano Zulmira Miranda e babalaô adivinho na referida tradição religiosa candomblé, um dos ocidentais mais conhecedores de a herança e a Cultura afro-brasileira, além de talvez uma das mais respeitadas personalidades religiosas por todas as lideranças de tradicionais terreiros do Brasil. Foi o jogo de búzios (meridilogun)do Prof. Agenor que decidiu a sucessão de importantes terreiros: Mãe Oké e Mãe Tatá, na Casa Branca do Engenho Velho; Mãe Stella, no Axé Opô Afonjá; Mãe Índia, no Terreiro do Bogun (o último grande jogo de sucessão antes do falecimento do professor). Agenor Miranda também foi poeta e musicista. Seu jogo de búzios foi um dos mais procurados do país. O velho professor foi orientador espiritual e conselheiro de personalidades de diferentes procedências religiosas e de muitos babalorixás,como Tatá Makamba Malaiá em São Paulo, no ano de 1972 e orientador do Babá Augusto César de Logunedé. Jorge Amado, Zélia Gattai, Almirante Adalberto de Barros Nunes, Maria Zilda, Maria Bethânia, Gal Costa, Liége Monteiro, Hugo Gross, Zora Sejlman, Antônio Olinto, Professor Paulo Alonso, Delegado Protógenes Queiroz,Vera Fisher, Marcelo Picchi, Camila Amado, Heloísa Perissé, Bel Kutner e Regina Casé, dentre muitos outros, foram amigos ou freqüentavam à casa do velho professor.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Agenor_Miranda