Era madrugada, chovia fraco, uma chuva suave, mas contínua caía sobre aquele bairro. A temperatura havia caído bruscamente, mas Sophie dormia quentinha, envolvida em macias e perfumadas cobertas.
Nossa personagem tem exatos vinte e três anos, somente estuda cursando o terceiro período de medicina. É uma mulher inteligente e otimista, mas ainda tão distante das questões espirituais...
De manhã cedinho ao despertar, levantou-se e após os primeiros cuidados com o corpo fez uma rápida alimentação para depois sair em disparada rumo à faculdade, atrasou-se como sempre e por causa da correria tropeçou e caiu. Na queda Sophie bateu a cabeça no chão ficando um pouco tonta, mas por sorte conseguiu apenas machucar-se superficialmente. Foi acudida pelos universitários que transitavam pelo local e após alguns minutos, sentada e consolada pelos circunstantes, refez-se do susto observando que havia ganhado apenas algumas leves escoriações nas mãos e nos joelhos e por isso resolveu sacudir a poeira e seguir em frente. Mais tarde em sala de aula percebeu que não conseguia se concentrar na matéria, pois uma dor de cabeça inesperada tirou-lhe toda a energia. Tentou em vão prestar atenção na palestra do professor e até vencer aquela cefaleia que se intensificava mais, através do poder positivo do pensamento e deu certo! A dor diminuiu de intensidade, entretanto Sophie não conseguiu livrar-se dela nem depois de tomar um analgésico que conseguiu na farmácia da faculdade.
O dia não foi dos melhores, muita correria depois da faculdade, o trânsito estava daquele jeitinho que os brasileiros “adoram”... ninguém saía do lugar, as buzinas eram usadas nervosamente pelos motoristas e sem piedade! E “eita” que a dor de cabeça da nossa personagem retorna com tudo e diante de todo aquele estardalhaço.
Enfim, Sophie chegou em casa e seguiu agitada para o seu quarto, jogou a bolsa com os livros para um lado e caiu na cama, ali permaneceu de bruços por um tempo segurando a cabeça, comprimindo-a com as mãos como se quisesse conter a dor, lembrava que batera a cabeça no chão durante a queda -será que preciso de um médico? Pensava ela.
Não havia ninguém em casa e ela já havia tomado três drágeas medicamentosas e nada! Entretanto num misto de alucinação e dor, lembrou-se do seu anjo protetor e em preces lhe pediu ajuda... Segundos depois viu seus pés pisando por sobre cascalhos numa estrada de terra em direção a um enorme lago.
Havia uma cabana na beira do mesmo e ao derredor, imensas e maravilhosas sequoias, que impediam a luz solar de brilhar majestosa sobre aquele solo úmido e fértil.
Nossa personagem sentiu um cheiro delicioso que vinha da terra e que se misturava ao odor forte das folhas caídas ao chão em decomposição, o vento levava este cheiro para longe e trazia o das flores campestres, que lhe osculavam a face enquanto lhe perfumavam os cabelos, ela sentiu-se em casa! Olhou para a porta da charmosa cabana de madeira que estava entreaberta, pois era impedida de fechar-se por causa de um toco e este também lhe parecia estar no lugar certo, era lhe muito familiar! À sua esquerda, a cerca de trezentos metros avistou um estábulo e escutou o relinchar dos cavalos, sentiu o cheiro de estrume fresco, trazido pelo vento e em sua mente imediatamente formou-se a imagem de um lindo alazão, um amigo querido que não via há muito. Sentiu medo por causa de todas aquelas imagens, traziam-lhe lembranças doces e cruéis ao mesmo tempo, mas mesmo assim caminhou em direção à porta, entrou e num átimo de tempo viu-se num quarto, ao lado de uma enorme cama de casal que estava vazia e ainda desarrumada. Sophie sentiu saudades de alguém e vontade de chorar e, nesse momento, ouviu uma voz firme, porém suave que lhe dizia assim: “não tenha medo meu amor, eu estou aqui”... Ela reconheceu de imediato aquela voz e quando se virou para olhar quem era, acordou assustada. Sua mãe, muito preocupada, tentava lhe acordar porque recebera uma ligação de um de seus professores, querendo saber se ela havia se recuperado da queda, mas que queda? _Onde você caiu Sophie? – perguntava a mãe preocupada procurando vestígios de ferimentos na filha. A moça ficou furiosa e reclamou com a genitora que ela havia lhe interrompido um sonho especial no momento mais importante dele. Irritada não respondeu a mãe sobre o acidente de mais cedo que a fez sofrer com uma dor de cabeça terrível e a pediu para sair, pois necessitava ficar só.
Já só em seu quarto ficou impressionada com a familiaridade daquelas imagens de seu sonho, com as cores vivas e o cheiro tão real e marcante, já havia estado naquele lugar, sabia que morara ali, mais quando? Em que época? Havia mais alguém, quem era? Por que não se identificou desde o início? E aquela voz?
Será mesmo que o espírito vive muitas vidas como dizem nos livros espíritas? Perguntava-se ela em meio a pensamentos e elucubrações. Eram perguntas que se fazia de minuto a minuto, porém sem respostas.
Nos dias subsequentes voltou a ter as terríveis dores de cabeça, que lhe obrigaram a buscar o parecer urgente de um profissional da medicina e este por sua vez, submeteu-a a uma série de exames inclusive o de ressonância magnética, porém nada foi detectado.
Mesmo sentindo terríveis dores e não mais podendo ter uma vida social dentro dos padrões aceitáveis, afastando-se da faculdade e dos amigos, ficava em casa tomando medicamentos que quase não surtiam efeito e às voltas com aqueles mesmos sonhos, fragmentos de lembranças.
Ah sim! Efeito até que os medicamentos fizeram, em seu estômago que ficou em pouco tempo em frangalhos!
Os sonhos com aquela cabana, naquele lugar fantástico, tornaram-se habituais, sempre que via aquele belo e fogoso alazão ficava meio que entristecida e temerosa, apesar de sentir pelo animal grande amor. Era sempre assim, entretanto, nos momentos mais importantes e reveladores ela despertava abruptamente sem maiores revelações.
Acordava saudosa e infeliz, cheia de dúvidas, até que um dia, muito ansiosa,Sophie foi a uma casa de umbanda pedir ajuda, sentindo-se confusa e ao mesmo tempo curiosa com todos aqueles fatos novos em sua vida de mulher materialista, resolveu desarmar o espírito desconfiado e materialista e buscar respostas para tudo o que lhe estava maltratando a alma naqueles últimos meses.
O guia espiritual em palestra agradável e sincera lhe fez compreender que no tempo certo ela saberia do que se tratava todos aqueles fatos misteriosos até então, pois aqueles sonhos recorrentes teriam uma explicação plausível e, quanto as dores de cabeça intensas, já era hora de receber ajuda para delas ficar livre.
Fora convidada a participar das reuniões públicas, onde assistiria as palestras e receberia o passe magnético e do estudo que era promovido na casa uma vez por semana para médiuns iniciantes, ela aceitou com certo entusiasmo, passando assim, a frequentar um templo de umbanda.
Algumas semanas depois já sem as dores lancinantes de cabeça, Sophie, feliz da vida estava em seu quarto lendo “O Livro Dos Espíritos”, sentiu forte sono e adormeceu.
Viu-se novamente diante do lago caminhando por sobre a estrada de cascalhos em direção à linda cabana.
Desta vez avistou o cavalo de sua predileção, livre, com a sela frouxa, pastando tranquilamente e ao se aproximar relembrou-se de um lugar que gostava de ir sempre montada nele, mas um temor invadiu lhe alma ao aproximar-se do animal, mesmo lembrando-se que amava cavalgar pelos arredores daquela lagoa. outras vezes adorava seguir a galope pela floresta de sequoias, como se fosse uma amazona rebelde em tempos remotos!
Sophie parecia agora estar longe deixando-se levar naquelas visões deslumbrantes, quando abriu novamente os olhos e aquele cenário havia desaparecido, ouviu novamente aquela voz que lhe dizia que tudo ficaria bem, então, viu-se noutra região bem longe dali, no alto de uma colina onde viu um homem genuflexo. Aproximou-se vendo que sua face estava banhada em prantos, ele olhava para uma cruz branca e pequenina, fincada ao solo. Nossa personagem viu que nela estava escrito: “Louise, descanse em paz”, haviam algumas flores nativas enfeitando os pés da pequenina cruz. Aquele homem percebendo sua presença a olhou com imensa ternura. Ela quis falar, mas a voz não saia, apenas lágrimas podiam cair livremente pela sua delicada face agora com expressões de perplexidade. Então, finalmente lembrou-se de que aquele jovem homem era o amor de sua vida e que viveram numa outra vida, era a alma de sua alma! Então estaria ela no passado? Mas como? Não era sonho? Pensava ela agora mergulhada num turbilhão de informações.
Sentiu uma força atuar sobre si, levando-a dali num átimo de tempo sem que pudesse defender-se, despertou imediatamente em seu corpo físico suarenta e agonizante! Respirava ofegante e tentava organizar as ideias, quando um vulto se lhe apareceu formando-se rapidamente, era ele! Trajava roupas simples, diferentes das que ela o vira no em seu "sonho", porém era ele! O espírito se lhe aproximou olhando-a afetuosamente, estendeu-lhe as mãos firmes e com um sorriso agradável nos lábios esperou sua reação. Sophie ainda assustada com o inesperado, extremamente emocionada com o fenômeno, respirou fundo e estendeu-lhe as mãos de volta e sentiu nas suas as mãos dele, quentes e suaves. O jovem homem disse-lhe afetuosamente: “Sempre te amarei... agora sei que preciso te deixar... num futuro próximo estaremos novamente juntos para continuarmos nossa missão, não se culpe mais, meu amor... Preciso ir e lhe deixar em paz. Suas dores levarei comigo, mas deixarei a esperança. Da próxima vez, voltaremos juntos minha Louise!
Ele a tocou nos lábios com os seus e depois se foi, Sophie naquele transe mediúnico mergulhava agora em profundas emoções revivendo o passado intensamente.
Viu-se numa encarnação anterior, um dia antes de seu desencarne naquela cabana de madeira rústica, nos braços de seu amado, que deixou propositalmente um toco de madeira encostado para impedir que a porta se fechasse, carregava-a para dentro de casa nos braços como mandava a tradição dos recém casados, Sophie estava lindamente vestida de noiva, adentravam aquele doce lar cheios de esperança e de alegria. Eram as núpcias!
No dia seguinte, isto é, no segundo dia de casados, a jovem Louise despertara mui cedo, quis agradar o marido indo buscar para completar o seu desjejum matinal, no alto de uma colina, frutos deliciosos que só davam naquela época, eram os preferidos dele, cavalgou em seu fogoso alazão ainda bem cedo galopando rumo à colina, queria voltar antes que seu amado acordasse, mas no meio do caminho o cavalo empinou fazendo-a perder o controle e caindo ao chão violentamente, Sophie batera a cabeça numa pedra! Sentira forte dor e em milésimos de segundos adormeceu, enquanto isso o cavalo pisoteava uma cobra nervosamente, esse o motivo de ter parado abruptamente e empinado com tamanha envergadura. Depois o fiel alazão voltou para onde estava caída sua dona, cheirando-a como se quisesse desperta-la daquela morte cruel.
Sophie ainda naquele estado pode avistar o marido despertando na alcova ainda enfeitada para a noite de núpcias.
Ele foi a sua procura pela casa, buscou-a então do lado de fora e, ao avistar o fogoso corcel com a cela frouxa, voltando solitário pela estrada, o jovem e belo homem desesperou-se!
Aquela jovem mulher havia sofrido um trágico acidente aos vinte e três anos de idade no segundo dia de casada, acidente este fatal!
Com a queda do cavalo bateu a cabeça numa pedra. Sophie, ou melhor, Louise não se perdoou por ter deixado o marido solitário nos primeiros momentos do matrimônio, sentira muita saudade e sofrera muitíssimo. Até que o tempo fora o responsável por mais uma reencarnação nos anos futuros.
O tratamento espiritual no templo umbandista deu ótimos resultados (tratamento apométrico) e quanto ao encontro com espírito de sua afeição estava no ar a promessa de no futuro, concluírem o que naquela época não pode ser possível, doces lembranças estavam vivas em seus corações saudosos e sonhadores.
Sophie sofrera com a repercussão vibratória de vidas passadas e o fato de não ter se perdoado pela morte “prematura” que lhe tirou da presença física de seu amor, fez com que aquela queda na atual encarnação desencadeasse uma série de torturas mentais, de saudades e até dores que estavam represadas na alma.
Agora ela frequenta um templo religioso como médium atuando caridosamente com humildade e disciplina. Estuda e procura melhorar-se a cada dia, buscando compreender melhor o espiritismo e o processo de reencarnação que envolve todas as almas necessitadas de evolução.
Axé!
Letícia Gonçalves