sexta-feira, 6 de julho de 2018

ASSIM ESTAVA ESCRITO – 2ª Parte

..Fazendo uma pausa, aumentando a expectativa dos presentes, Lavínia inquiriu, nervosa e até desesperada:
— Por que, essas meninas, Marilda e Sônia, destruíram tantos anos de afeto e benefício, a ponto de prevaricarem como qualquer moçoila leviana criada nas favelas e cortiços, sem afeto e sem bom trato no mundo? Qual o nosso equívoco? Qual a causa desse fracasso?
Abelardo, calmo e atencioso, a transparecer na fisionomia do médium um vislumbre inteligente, respondeu:
— Meus queridos irmãos, a própria terra depois de lavrada não oferece exclusividade de vegetais e frutos sadios, mas também fecunda ervas daninhas. Planta-se o trigo e o joio existente na terra nasce junto. Nem podemos separá-los. É certo que sob o carinho, o discernimento e a perseverança do lavrador, em breve o solo torna-se cada vez mais fértil e a messe melhor. Obviamente, nós só podemos aguardar a segurança dos frutos sazonados, depois de dominarmos as surpresas da plantação e ultrapassarmos o período da experimentação sáfara. Algo semelhante também pode acontecer convosco na direção filantrópica da "Casa Madalena", cujo terreno ainda se mostra inculto e agreste. Talvez, faltam-vos conhecimentos psicológicos e freudianos, experiências e métodos modernos de educação. Melhor controle emotivo e discernimento de educadores para vos aperceber melhor da índole e das reações desses espíritos comprometidos espiritualmente na prova cármica da orfandade bastarda. Considerando-se não existência da injustiça no seio da Divindade, é evidente que essas criaturas atiradas em portas de igrejas ou latas de lixo, desprezaram seus pais, preceptores ou benfeitores noutras existências. São espíritos primários e egoístas, presos às sensações inferiores do sexo. Se depois disso elas ainda viessem a encarnar-se em lares pródigos, afetivos ou venturosos, então a lei de retificação espiritual seria apenas uma fantasia. Além da assistência material e do amparo físico tendes de desenvolver habilidade, a experiência e o estoicismo espiritual nessas criaturas, a fim delas superarem os impulsos animais, as frustrações e os óbices que inevitavelmente irão defrontar, quando forem devolvidas ao mundo profano. Isto acontece com o lavrador; ele arranca violentamente as ervas daninhas, fere a planta sadia na poda retificadora. Usa o inseticida mortal no extermínio dos insetos nocivos, para obter planta resistente e sazonada.
— Naturalmente, referi-vos à nossa inexperiência no programa assistencial às órfãs, não é assim? — interveio um dos diretores da instituição. instituições espíritas filantrópicas, no momento, defrontam com a falta de preceptores para o bom êxito segurança dos programas benfeitores. Há muitos servidores de boa vontade para atender as exigências humanas dos deserdados da sorte, mas é bem reduzida a "equipe" de preceptores para esclarecê-los e ensiná-los a enfrentar as vicissitudes da vida! (1) Repito, não basta ao lavrador apenas plantar as mudas ou sementes em bom terreno, preservá-las dos insetos daninhos, da chuva torrencial, da aspereza das geadas ou da violência dos tufões. Embora o solo esteja bem adubado e as espécies bem amparadas, é preciso podar as vergônteas nocivas no "tempo certo" e quando tenras, dando condições ao vegetal para sobreviver naturalmente.

E Abelardo arrematou o esclarecimento numa voz conciliadora e cordial: — Assim como a "qualidade" da muda da laranjeira superior deve predominar sobre a rudeza violenta da laranjeira brava, apesar de presa ao "caule selvagem", a qualidade superior do espírito humano também precisa sobrepujar a "tendência" inferior do instinto animal da carne!
— E que deveríamos fazer, caro irmão Abelardo, se depois de mobilizarmos esforços, capacidade, recursos e inteligência para melhor solução de nossos problemas assistenciais, ainda fracassamos pela imprevisão? — solicitou o presidente da mesa.
— Trabalhar e prosseguir! Cada fracasso, inexperiência, imprevisão e prejuízo, significam novas advertências e ensinamentos para o êxito futuro. O mundo em que viveis também não é perfeito e está cheio de desilusões; mas o Pai continua a trabalhar para o nosso eterno Bem!
— Não seria mais coerente deixarmos os "enjeitados" cumprirem o carma sob a espontaneidade própria da vida? Que podemos fazer, perante à Lei Espiritual, que os obriga a sofrerem os efeitos das atividades nocivas do passado?
— Em primeiro lugar, ao fazermos o bem ao próximo só estamos "fazendo aos outros", exatamente, o nosso próprio bem. Amar é evoluir. Ademais, se essas almas forem lançadas desde cedo a uma vida sem lar e sem rumo, embora meninas impúberes, elas serão transformadas em matéria prima carnal para a exploração prazenteira de criaturas inescrupulosas e perversas, que as prostituiriam desde crianças, não lhes dando oportunidade de redenção. A infelicidade a começar de tenra infância, aumenta-lhes a revolta contra o Criador. A cooperação amorosa e benfeitora de mulheres e homens, como Lavínia e Morales, no ambiente sadio de instituições socorristas, proporciona-lhes agasalho, alimentação farta, diversão e amizades, e se mesmo assim se restituírem pela força das paixões inferiores, elas jamais poderão esquecer o bem recebido. Mas se forem atiradas desde cedo no mundo, não ficam devendo obrigações à humanidade. Mas não esqueçamos que o Pai procura redimir pelo amor e não pela dor, pois esta é solução drástica quando falham todas as inspirações superiores! Sob o acolhimento de instituições benfeitoras, não poderão odiar o mundo que lhe é benfeitor desde os seus primeiros dias de vida.
Abelardo cessou de falar, como era de seu costume, antes de emitir qualquer conceito final às suas explanações:
— Em verdade, queridos irmãos — prosseguiu ele, depois, ninguém odeia em sã consciência o bem recebido, mas sempre há de se arrepender dos benefícios que destruir pela própria maldade. Marilda • e Sônia devem odiar os homens que as tornaram infelizes, porém não podem prolongar esse ódio à "Casa Madalena", onde viveram momentos felizes, tanto na infância como na mocidade.
— É aconselhável prosseguirmos uma obra como "Casa Madalena", embora antevendo certos fracassos no futuro? —interrogou o tesoureiro da instituição.
— Depende da disposição espiritual dos irmãos, — redarguiu Abelardo.
— Gostaríamos de ser melhor esclarecidos!
— Caso pretendam realmente ajudar o próximo, sem qualquer preocupação de glória, lucro ou posse de algum título no Paraíso, eu recomendo o mesmo conselho transmitido daqui por outra entidade espiritual através de excelente médium, e que assim
recomendou: "Ajude e Passe" (2). Deste modo, a caridade será absolutamente desinteressada e exclusiva do Bem pelo Bem, sem indagações sobre resultados ou recompensas.
— E os nossos sentimentos magnânimos, porventura não influíam nos deserdados pelos quais somos responsáveis? — Lavínia. — Apesar de mobilizarmos os mais puros sentimentos de amor e abnegação aos nossos irmãos infelizes, jamais poderemos livrá-los da retificação espiritual pelos seus erros pregressos. O anjo não é produto de fabricação em massa, mas conquista real e gradativa do próprio ser. Cada um de nós terá de progredir perante o processo geral que estimula e reajusta, impulsiona e corrige, orienta e gradua. Os espíritas, principalmente, sabem que a Lei Sideral não se modifica nem se desvia em seu ritmo educativo para atender privilégios e sentimentalismos humanos. "Quem semeia urzes colhe espinhos e não morangos", pois se a "semeadura é livre a colheita é obrigatória."
Mudando o tom de sua prosa, Abelardo prosseguiu, novamente:
— Jamais poderíamos olvidar a renúncia, o afeto e a ação benfeitora de todos os batalhadores da "Casa Madalena". Meditemos, porém, sobre a natureza e a qualidade espiritual de criaturas que não mereceram um lar. Por quê? Sob a lógica da lei cármica, são almas atrasadas que em vidas anteriores desprezaram os pais e os lares pelos prazeres materiais. Egoístas, levianas, sensuais, ociosas ou revoltadas, cuidaram somente de si e fizeram da vida humana uma incessante diversão. Pagaram todo o bem recebido com a mais fria ingratidão. Entretanto, a pedagogia espiritual preconiza que "o espírito será beneficiado segundo suas obras" e não conforme o "amor alheio". Embora amparadas, elas teriam de efetivar a colheita boa ou má de sementeira pretérita. Abelardo fez nova pausa, deixando pressentir que alinhava premissas para a sua conclusão final...

Do Livro: “SEMEANDO E COLHENDO” Atanagildo/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento.