No cair da madrugada estrelas vi brilhar,
em um céu iluminado segui a caminhada,
encantado vi duas lindas moças a me abençoar,
mostrando-me o destino daquela longa estradda.
Meus olhos brilharam de emoção,
quando vi as belas se transformarem em facho de luz,
ali sabia que recebi uma grande proteção,
das lindas Malandras enviadas por Jesus.
Uma felicidade tomou conta de mim,
pois a noite se transformou em cores de aquarelas,
tudo brilhava do inicio ao fim,
descobri que Rosa e Rosinha eram os nomes delas.
**********************************************************************
Essa história teve inicio no final do século XIX e começo do
século XX, na região Sudeste do Brasil, exatamente na cidade do Rio de
Janeiro.
Uma jovem mulata de uns 21 anos aproximadamente, que residia nos
miseráveis cortiços da região, fora violentada por um coronel da
época, a deixando, além de desonrada, grávida.
A bela mulata desesperada pelo fato ocorrido, fugiu para o alto do
morro onde tantos e tantos negros descriminados pelos senhores brancos
residiam.
E em uma dessas casas de uma negra caridosa, a mulata foi se
abrigar, e claro se esconder do sanguinário coronel, que se
descobrisse a gravidez, assassinaria a mulata sem a menor dor na
consciência por ela está grávida de um filho provindo de uma violência
sem limites.
O tempo passou, e a mulata cai em uma tristeza profunda. A espera
de uma criança que não desejava, a fazia chorar dias e noites a fio,
porém sempre tranquilizada pela velha negra caridosa que a abrigava em
seu casebre.
E chegou o dia da mulata dar a luz. Com auxilio das negras mais
experientes ela foi cuidada com carinho para o trabalho de parto. No
entanto as horas passavam, mas a criança não nascia. As dores da mãe
estavam se tornando insuportáveis. Ela chorava copiosamente, sofria
intensamente, a cada contração. Então nesse instante algo de inusitado
acontece. A velha negra caridosa, de olhos fechados coloca as mãos
sobre o ventre da mulata, dizendo assim:
"Você não tem apenas uma criança em seu ventre. Você tem duas,
duas meninas, duas divindades enviadas por Deus. Porém essas meninas
trazem com elas os dois lados da vida. Sendo o bem, vinda da mãe, e o
mal, vindo do pai.
Esses dois sentimentos se uniram em carne, fazendo com que as
meninas nasçam como se fosse apenas uma pessoa, e o momento de decisão
será agora, e essa decisão virá da própria mãe. Essa decisão será
respeitada por Deus, e somente um ser prosseguirá com a vida."
Ouvindo isso a mulata chorou e entendeu o que era sugerido, ou
ela, sacrificando suas filhas, ou as gêmeas ganhariam o direito a
vida, sacrificando a própria mãe.
A mulata tomada por um carinho maternal, não teve dúvidas,
entregou a sua própria vida nas mãos do Pai Maior, para salvar a vida
das filhas. Mesmo sem entender o que significava tudo aquilo que a
velha negra dissera sobre o bem e o mal, e estarem ligadas pela
carne, ela compreendeu que a vinda das meninas era algo maior que seu
entendimento, e clamou as negras para que salvassem as filhas.
E assim foi feito, a mulata se utilizou de todas as forças de seu
corpo, e com a ajuda das negras, muitas orações, as crianças nasceram,
e nesse instante após um olhar carinhoso as meninas, a mulata
dando seu último suspiro, desencarna.
A velha negra faz uma oração ao espírito da pobre mãe
desencarnada, enquanto as outras negras que acompanhavam tudo, olhavam
com espanto para as duas meninas recém nascidas.
Eram duas meninas lindas, de rostos angelicais, porém com um
detalhe que deixaram as negras reflexivas.
As meninas eram ligadas uma no corpo da outra, essa ligação se
fazia através dos ombros, das palmas das mãos, das pernas e partes
traseiras dos pés, próximo aos calcanhares. Isso sendo todos do lado
esquerdo de ambas, ou seja, elas estavam sempre uma de costas para a
outra, e assim nunca poderiam se olhar frente a frente, olho no olho.
Então para entendimento as meninas eram gêmeas xifópagas, ou no
popular, gêmeas siamesas, e isso ocorre quando um óvulo que começou a
se dividir em gêmeos idênticos para no meio do processo (ou, como diz
a teoria alternativa, dois embriões que acabam se fundindo). Este
capricho da natureza pode unir duas pessoas pelos mais diferentes
lugares do corpo, tornando a vida desses seres, no mínimo difícil.
E assim as meninas viraram atração no morro, todos os moradores da
localidade desejavam ver e entender aquele fenômeno, porém por mais
que chamassem atenção, eram respeitadas extremamente por todos dali,
como que se cada homem ou mulher daquela localidade tivessem as
adotado como filhas, afilhadas ou um membro da família.
O tempo passou, e as meninas iam crescendo, muitas coisas
aconteceram na região, coisas como a fome, doenças contagiosas,
ataques dos homens brancos e nobres contra os paupérrimos negros
moradores do morro, e isso ia deixando as meninas um tanto
incomodadas e reflexivas, não entendiam essa divisão e esse
preconceito contra os negros, pois esses mesmos negros não tinham
preconceitos contra elas por serem diferentes de todos ali.
O século XX chegou rápido, e com ele a intensa luta contra os
negros dos morros aumentava ainda mais. Grandes fazendeiros, os
antigos coronéis do café, não aceitavam ainda a libertação de
escravos, mesmo se passando quase vinte anos do fato, e os atacavam,
agora não com a chibata e o tronco de castigos, mas com a falta de
alimentos e medicamentos que tanto era necessário naquele lugar tão
pobre.
Muitas pessoas de bom coração, ligadas a caridade e a Deus, que
tinha o intuito de auxiliarem esses negros, se uniam em prol de uma só
ideia, salvar a vida de um semelhante, e assim sendo, com um jeito
muito peculiar iam ludibriando a guarda comandada pelos poderosos,
para que assim pudessem levar alimentos e remédios aos necessitados.
Entre esses Anjos de Deus existiam três nomes muito conhecidos na
região, um era José Amadeu da Silva, conhecido como Zé Amadeu, e
dentro da espiritualidade ficou conhecido como Zé Pilintra, outro era
conhecido como Zé da Lapa, que depois passou a ser conhecido como
Malandro da Navalha Sagrada, e dentro da espiritualidade ficou
conhecido como Malandro Navalha, e o terceiro era conhecido como João
Estradeiro, pois ele era quem conhecia cada viela do morro fazendo
assim facilitar a entrada dos auxiliadores dos negros, esse mais tarde
ficou conhecido na espiritualidade como Malandro das Sete Estradas, e
foi ele que ao conhecer as gêmeas siamesas teve a ideia de
apresentá-las aos amigos Zé da Lapa e Zé Amadeu a fim de buscar ajuda
no fato que tanto incomodava o viver das meninas.
E assim foi feito, após as explicações do caso aos amigos, João
Estradeiro os leva até o pequeno barraco de madeira na qual as gêmeas
estavam. Ao verificarem as meninas Zé da Lapa e Zé Amadeu ficam
penalizados com a situação. Zé Amadeu fixa os olhos nas gêmeas e vê
envolta delas dois vultos, um extremamente embranquecido e outro
totalmente negro. Ele fecha os olhos e clama ao Senhor Deus ajuda
para auxiliar as meninas, e nesse momento diante deles surge o
espírito da mulata, mãe das siamesas, e ao lado dela uma linda mulher
de manto azul, que sem falar nada apenas os olhavam com carinho.
O espírito da mulata então disse com a voz serena:
"Essas são as minhas filhas, fruto de meu ventre, luz de meu
caminhar. A elas entreguei a minha vida. Elas são duas pessoas, porém
um só ser, e esse ser tem dois caminhos, o primeiro o caminho do bem,
caminho esse que vibra em minha alma, e o segundo o caminho do mal,
caminho esse que vibra no espírito sanguinário do pai das gêmeas.
Uma auxilia a outra a não se entregar a esse mal. E por esse
motivo devem estar sempre juntas. A separação carnal pode ser a perda
de uma das almas, a não ser que elas continuem unidas em prol da
caridade extrema.
Por serem minhas filhas, e mesmo eu sabendo qual está do lado da
bondade, e qual está do lado da perversidade. Não relatarei, e nem
esclarecerei, pois assim posso protegê-la das obsessões que poderia
sofrer por estar ligada ao mal vibracional dos sentimentos escusos do
próprio pai.
Peço ao senhor que viu qual das minhas meninas está com a força da
maledicência paternal, que não revele esse segredo, pois devemos
manter as duas meninas em trabalho em conjunto, para que assim o mal
não cresça e tome toda a humanidade."
Ao ouvir esse relato, Zé Amadeu entendeu a gravidade dos fatos,
uma das meninas era tomada pela luz da caridade e da bondade, e a
outra deveria lutar contra o ódio, rancor e maldades provindas do
espírito paternal, e para isso as duas deveriam continuar juntas
buscando fazer a caridade aos necessitados.
Mesmo assim não deveriam estar ligadas pela carne, e sim pelo amor
fraternal entre ambas, e esse amor deveria se estender aos semelhantes
necessitados, e só assim a alma da siamesa tomada pelo lado ruim
imposto por seu pai seria salvo e levado aos braços do Pai Maior.
Ao ver a compreensão de Zé Amadeu, o espírito da mulata sorri, e
agradece, partindo juntamente com a imagem da mulher que lhe
acompanhava.
A decisão de separar as gêmeas siamesas foi tomada, e esse ato
seria feito por Zé da Lapa e sua navalha sagrada. Ele se concentrou
nos bons espíritos, pedindo forças para uma boa realização do ato.
Após alguns minutos de reflexão espiritual, Zé da Lapa começa a
fazer a separação das meninas com sua navalha. Com uma pericia divina,
veio ele de corte em corte separando as partes presas de ambas, até
que as separou por completo.
No mesmo momento que fazia o corte, ele molhava as feridas com o
seu marafo. As negras que acompanhavam de joelhos ao chão, ficavam
boquiabertas ao verificarem as gêmeas sorrindo sem o mínimo de dor.
O trabalho fora terminado, após a separação, foram feitas
compressas com ervas na qual a velha negra havia trazido com a
finalidade de auxiliar na cura das meninas.
Se passaram três dias após a separação corporal das gêmeas. As
feridas estavam completamente fechadas. E assim foram retiradas as
compressas, podendo assim que as meninas realizassem um sonho antigo
delas, se abraçarem frente a frente. E diante de muitas lágrimas e
muita emoção, as ex siamesas se abraçaram com muito carinho, como se
fosse a primeira vez que estavam juntas. E depois de 15 anos vivendo
como gêmeas siamesas, as duas se olham fixamente, olhos nos olhos
demonstrando o grande carinho que existia entre ambas.
O tempo passa, as meninas agora jovens lindas e caridosas, seguem
o mesmo passo de seus três Anjos, João Estradeiro, Zé da Lapa e Zé
Amadeu, que lutam pela caridade a favor dos desafortunados. As gêmeas
agora fazendo parte do grupo dos chamados "Malandros do morro"
lutam da mesma forma com intensidade para levar a caridade a quem
necessita.
Muitas foram as noites nas quais as gêmeas saiam em busca de
medicamentos, alimentos e água para serem levados e entregues aos
moradores dos morros. Muitas e muitas vezes elas se arriscavam diante
da guarda que só atendiam aos poderosos que odiavam os negros
empobrecidos. Se utilizando de muitas conversas, de muita lábia, de
muito jogo de cintura, que aprenderam com seus amigos Zé da Lapa, Zé
Amadeu e João Estradeiro, elas conseguiam sair e entrar do morro
sempre trazendo algo que fosse para sanar a dor de seus companheiros
negros.
Certa noite as jovens se aventuram por mais uma jornada de buscas,
com a intenção de trazer remédios a alguns negros que sofriam com uma
febre interminável, dentre esses negros a velha negra que cuidou da
mãe mulata, e também das pequenas gêmeas quando em idade tenra. Ao
descerem o morro se depararam com a guarda armada, e tentaram se
afastar dali. Porém viram que os guardas pegaram um garoto negro que
por infantilidade andava sem o menor receio por entre os brancos da
região. Ao alegarem que o menino havia furtado algo, começaram a
torturá-lo com socos e chutes. O garoto já caído na estrada úmida,
parecia inerte. Ao avistar isso Rosinha sai correndo gritando com a
guarda, enquanto Rosa retorna para buscar ajuda com seus amigos. E
assim elas se separaram, e não mais uma protegia a outra.
Rosinha é pega pelos guardas, é levada a prisão, e lá foi
torturada a mando dos ditos nobres. Rosa fica desesperada sem saber
exatamente o que tinha acontecido com sua irmã. Sai pela cidade em
busca de notícias dela, porém por medo dos poderosos ninguém dizia
nada, a não ser que os guardas levaram o corpo do pequeno negro que se
encontrava já sem vida.
Rosa ao encontrar com seus amigos relatou todo o caso, e eles
juntos foram em busca da jovem Rosinha.
Sete dias se passaram até que conseguiram as notícias buscadas,
descobriram que Rosinha estava na prisão, e assim planejaram de
tirá-la de lá. Após algumas tentativas sem sucesso, enfim conseguiram
resgatá-la, a levando de volta ao morro e a casa da negra caridosa.
Rosinha estava muito machucada, fraca, sem forças para lutar pela
sua vida, e ainda tinha adquirido uma doença nos pulmões dentro da
prisão.
Rosa chorava intensamente com a dor da irmã. Vendo ela sem forças,
começou a se entregar a uma tristeza sem fim.
Alguns dias se passaram, e mesmo com todo auxilio das negras, com
todos os cuidados dos Malandros, Rosinha desencarnou, não suportando
seu estado febril intenso, e todas as dores causadas pela tortura
extrema sofrida pelos guardas a mando dos senhores brancos.
No mesmo momento que Rosinha desencarna, Rosa sua irmã amada
entra em um desespero profundo, tão profundo que seu corpo que sentia
as mesmas dores da irmã, se entrega vindo a desencarnar quase ao mesmo
tempo, caindo inerte sobre o corpo da jovem.
Nesse instante todos se ajoelham e clamam misericórdia, e sobre os
olhares entristecidos dos amigos surge a imagem da mulher que antes
acompanhava a mulata mãe das gêmeas. Ela estende as mãos e de uma luz
intensa surge as imagens das gêmeas indo a seu encontro, e dali as
três partem com um sorriso meigo no rosto.
Zé Amadeu, Zé da Lapa e João Estradeiro se entreolham, sorriem e
se abraçam dando graças ao Pai, por ter colocado as irmãs juntas
novamente, e assim não deixando o mal provindo do coronel sanguinário
tomar conta de uma das gêmeas fazendo com que esse mal se espalhasse
pela humanidade.
Hoje as gêmeas são conhecidas como Rosa Malandra da Estrada e
Rosinha Malandra da Estrada, trabalhando em prol da caridade nos
terreiros, retirando males, obsessores, e não deixando que o mal
cresça.
Friso que essas Malandras trabalham sempre juntas, sendo assim é
normal que elas vibrem sempre no mesmo terreiro, ou seja, onde uma
vibra certamente a outra ira vibrar também. É normal onde se tem um
médium que trabalhe com Rosinha Malandra, haja sempre outro para
incorporação e trabalho com a Rosa Malandra, ou vice e versa.
Os médiuns que trabalham com essas duas Malandras, sentem um
repuxar no lado esquerdo do corpo, como se fosse jogado para frente, e
também pode acontecer um andar inclinado para o mesmo lado, além de
uma falta de sensibilidade no pé esquerdo. E tudo isso pelo fato das
Malandras terem sido xifópagas quando encarnadas.
Elas tem a necessidade de trabalharem juntas, pois até os dias de
hoje não sabemos o segredo tão bem guardado pelo espírito de sua mãe e
pelo nosso querido Zé Amadeu, conhecido como Zé Pilintra nos terreiros
de Umbanda, segredo esse que talvez nunca seja revelado, qual das duas
Malandras traz na vibração o lado amargo, rancoroso e de ódio do pai.
Sabemos que separadas esse mal pode crescer, porém juntas a
caridade domina e a luz divina dessas Malandras faz iluminar o caminho
de quem necessita.
Salve as Malandras Rosa e Rosinha da Estrada!