A História de Pai Antero.
Saravá o Pai Antero!
"Pedi licença Mamãe Oxum, pedi licença para Pai Oxalá, pedi licença ao
Senhor do Bomfim para Pai Antero vir trabalhar.
Quem vem lá, é de lá, quem vai chegar e encontrar, é um boiadeiro
bondoso, é Pai Antero que vem saravar."
Vamos fazer um resumo da história dessa grande Entidade de Luz
chamado de Pai Antero, frisando que estaremos falando do Pai Antero
da Encruzilhada, no qual é uma Entidade que tenho o prazer imenso de
poder trabalhar em prol da caridade.
Pai Antero é um Preto Velho que faz sua caridade nos terreiros de
Umbanda, uma Entidade de poucas palavras, muito sensato, de fala
pausada e pensamentos rápidos.
Ele tem uma característica diferenciada da maioria dos Pretos
Velhos, que é ficar ereto, enquanto a maioria de nossos Vovozinhos
chegam bem curvados.
Pai Antero tem uma ligação grandiosa com o Povo da Esquerda, no
quais estão sempre a trabalho da caridade por intermédio desse grande
Preto Velho.
Ele em sua vida terrena foi condutor de boiadas nas fazendas
pecuaristas e cafeeiras entre a região sudeste e sul do Brasil.
Filho de negros escravizados, traficados da África, ele nasceu no
Brasil, dentro de uma senzala da fazenda na qual viveu toda sua vida.
Na infância já demonstrando um dom especial junto aos animais,
logo foi conduzido pelos boiadeiros da fazenda a trabalhar junto a
grandes boiadas.
O dom referido de nosso Pai Antero, era conseguir entender os
animais, fazendo assim que mesmo o mais feroz animal, ficasse dócil e
se deixasse conduzir pelo nosso incrível Antero.
Por várias oportunidades ele teve que demonstrar esse dom, sendo
com touros indomáveis, sendo com serpentes venenosas e traiçoeiras ou
sendo com qualquer animal que por ora atacava os trabalhadores da
fazenda.
Ele com apenas o olhar amansava o animal, e por outras vezes com o
toque de suas mãos faziam esses ferozes animais até adormecerem.
E isso deixava todos da fazenda e arredores perplexos, fazendo
assim ser conhecido por muitas e muitas regiões, levando a muitos
fazendeiros oferecerem altos valores na compra como escravo, que não
acontecia pois o fazendeiro cafeeiro e pecuarista que se vangloriava
ser dono do negro Antero, dizia que poderia alugar seu escravo, mas
vender nunca. Fazendo assim uma grande corrida dos fazendeiros dos
arredores para a tentativa de alugar o negro por alguns dias, para que
assim pudessem, não só se utilizar dos serviços dele como boiadeiro
eficaz, mas também poderem observar o uso do seu dom.
E numa dessas idas e vindas a uma dessas fazendas da região, foi
que aconteceu a grande e triste história de Antero.
Um fazendeiro muito rico, com grandiosas boiadas sabendo da fama
de Antero, foi ao encontro dele e o alugou para que ele pudesse domar
alguns touros extremamente violentos.
Ele foi para a fazenda, ficou em seu trabalho por alguns dias, e
encantou a todos com sua nobreza no que se diz domesticar animais.
Esse fazendeiro, homem de pulso fraco, que só colocava seu nome
nos fatos da fazenda, pois quem dava todas as ordens e coordenadas
era a sua esposa, uma sinhá ainda jovem e bonita, mas extremamente
maléfica com todos que a rodeavam.
Ela não tinha a mínima dó dos seres escravizados, dos feitores e
capatazes da fazenda, do seu marido e nem dos filhos. Por qualquer
motivo, até mesmo por um escravo a olhasse, esse escravo já ia para o
tronco, e lá levava chibatadas até que ela resolvesse que deveria
sair. E isso levava horas e horas, até dias.
Essa sinhá, ao observar Antero em seu trabalho ficou encantada.
Achara que aquilo era mágico, um poder que nunca imaginara que pudesse
conhecer.
E maior foi o seu encantamento pelo grande negro boiadeiro, quando
uma vez grávida, prestes a dar a luz, sentindo grandiosas dores sem
que um grupo de parteiras da fazenda conseguissem dar prosseguimento
ao nascimento da criança, teve a ajuda de Antero, após ele saber do
que estava ocorrendo dentro da casa grande, e pedir humildemente a
autorização para ajudar a sanar as dores e uma possível perda da
criança, pois as parteiras que já tinham feito de tudo para realização
do parto, já estavam a espera do pior, que seria do desencarne da
sinhá e de seu pequeno ser, que teimava em não nascer.
A sinhá, em momentos de desespero e agonia, então autorizou a
entrada do negro Antero, pois para ela seria a ultima oportunidade,
sabendo-se que seu marido não chegaria a tempo para poder a conduzir
ao arraial mais próximo para ir ao encontro de um doutor médico, pois
estava nas andanças e negociatas de terras em outra região.
Antero, olhava fixamente para a sinhá, como se estivesse em um
transe, colocando suas mãos sobre o ventre dela, fazendo uma oração de
apelo aos Orixás, que a luz de todos eles caíssem sobre aquele corpo,
e a fizessem ter forças para aguentar os instantes finais do parto.
As dores foram se acalentando, uma calmaria se estabeleceu nos
olhos da sinhá, que ao se relaxar, deu a oportunidade da criança vir
ao mundo.
Com todo esse fato, naturalmente Antero ficou muito mais visível
aos olhos da sinhá, que em todas as oportunidades o trazia para os
trabalhos com relação aos animais da fazenda.
O tempo foi passando, e com as demonstrações do dom de Antero por
muitas e muitas ocasiões diante o domínio que tinha nos animais, desde
o mais manso até o mais indomável, a sinhá determinou a si própria que
queria dominar o poderoso negro que tinha tal poder.
E por isso decidiu que queria o escravo nas suas mais entimas
intenções de mulher. Não pelo prazer carnal, mas pelo prazer de
conduzir um desejo sobre um ser que tinha um dom imaginável.
E assim foi feito, ela com seu poder de senhora da fazenda, com
seu ar de prepotência e superioridade, querendo demonstrar que ela
poderia ter mais poder do que qualquer um naquela fazenda, se deitou
com o negro escravizado.
Só que ela não esperava que poderia engravidar, mas assim
aconteceu. Nascendo uma menina mestiça, fazendo que todos descobrissem
seu deslize.
Ela com sua prepotência, seu poder de conduzir e dominar todas as
situações, conseguiu fazer com que o marido, já um tanto adoentado,
aceitasse tal fato.
A menina foi crescendo, e se tornando a cópia da sinhá em relação
as intenções de maltratar as pessoas, inclusive aos escravos.
Antero após mais umas vindas na fazenda para fazer seu trabalho de
doma, acabou por saber da criança mestiça, E logo concluiu que era sua
filha com a sinhá.
Por muitas vezes ele tentou se aproximar, sem ter a mínima chance,
pois a sinhá tinha dado ordens expressas de nunca deixarem que ele
chegasse a falar com a menina mestiça.
E ao retorno a sua fazenda de origem, ele passava dias e noites
pensando na pequena menina, querendo ao menos uma vez poder abraçá-la,
mesmo sem nunca dizer a verdadeira origem dela.
Em uma determinada ocasião, Antero novamente foste alugado para a
realização de trabalhos de doma dos animais da fazenda na qual sua
filha com a sinhá crescia. E nisso ficou sabendo que a menina mestiça,
já com seus 10 anos de idade, era influenciada por sua mãe, a sinhá
que gostara de mostrar sua força e seu poder mandando açoitar os
negros escravizados, a fazer exatamente igual.
A pequena mestiça fazia da maneira ensinada pela sinhá, a
maltratar os negros, a insultar os irmãos e deixar desnorteado o
homem que estaria no lugar de seu pai, com palavras agressivas,
sempre com o aval da sinhá.
Antero sabendo de todos esses fatos em suas idas e vindas a
fazenda, decidiu que deveria alertar a filha, que esse caminho
ensinado pela sinhá, era algo errado, que não poderia agir da maneira
que a levaria contra as leis de Zambi (Deus), de Pai Oxalá e de todos
os Orixás.
E assim ele tentou, chegando junto a filha mestiça, sem falar que
era seu pai, disse-lhe sobre as coisas feitas por ela, que os caminhos
eram errôneos, que deveria tentar modificar esse modo de desejar
demonstrar poder, um poder que só existia na mente da sinhá, sua mãe.
A menina, sem compreender os ensinamentos de Antero, e induzida
pela sinhá, não aceitou que um negro lhe falasse tudo aquilo, achando
que ele a tivesse faltado com respeito, mandou que os capatazes o
levassem ao feitor da fazenda, mandando açoitálo.
Isso aconteceu pelo restante da tarde e por toda a noite, deixando
o negro Antero deveras muito machucado fisicamente, mas nenhuma dor
física foi tão intensa e tão grandiosa quanto a dor de saber que
estava ali, no tronco sendo açoitado a mando de sua filha mestiça.
A partir desse dia Antero não mais voltou a fazenda, ficando
voltado a seus afazeres, suas orações e seus desabafos com os amigos
Benedito, e Pai José, juntamente com a sua orientadora e madrinha, a
velha e experiente negra Joaquina, que o elevava a fazer o bem a todos
que precisavam de seu dom e de sua fé demonstrada na forma de orações
e benzeduras.
Isso durou até Antero ficar sabendo dos acontecimentos trágicos
ocorridos na fazenda vizinha. Acontecimento esse que faria com que
nosso grande guerreiro ficasse ainda mais abalado por estar distante
da sua filha mestiça.
Em uma certa tarde de primavera, a menina mestiça andava por entre
as flores da fazenda, quando ouve um estouro por entre a boiada, que
era tocada por um dos negros da fazenda. Sendo praticamente impossível
manter a ordem entre a boiada, coisa que Antero fazia apenas com o
olhar e usando o seu dom de domínio sobre os animais, quando ocorria
essas situações, mas como ele não estava ali toda a manada ficou
desgarrada e desorientada, partindo para cima da menina mestiça com
toda a violência.
E assim após a poeira baixar, se pôde ver os olhos assustados dos negros,
feitores e capatazes fintando o corpo inerte da pequena sinhá mestiça
deitado ao chão e pisoteado pela boiada desgarrada que acabara de
passar por ali sem destino.
A sinhá, mãe da mestiça, jogando-se ao chão empoeirado da fazenda,
aos gritos de lamentação, não acreditava no ocorrido, ficando a partir
desse dia com um retardo mental nunca mais solucionado.
Antero por sua vez, culpando-se por não estar no momento crucial
na fazenda, tinha uma dor enorme dentro do peito, a dor de saber que
poderia ter salvo a sua filha da morte, sabia que seu dom era crucial
para modificar a história final da pequena filha mestiça.
Com isso ele se fechou em si próprio, já não mais procurava os
amigos para seus desabafos, já não buscava forças para continuar sua
caminhada, já não mais desejaria ter seu dom.
E foi nesse ponto de desesperança que o velho Antero, negro
escravizado e boiadeiro, teve a benção cedida por Zambi e levada pela
luz de um outro negro, que tinha como missão levar esperanças a seus
irmãos negros. E foi o Preto Velho Rei Congo, já como Entidade, que
leva ao encontro de Antero, o espírito de sua filha mestiça.
Isso acontece em uma noite bem iluminada pela lua cheia, de céu
estrelado e brisa leve. Dentro de sua choupana, Antero pensativo e sem
motivos para sorrir, tem uma visão com a imagem do Preto Velho Rei
Congo, que lhe diz:
"Irmão Antero, sua missão não acabou. Você terá uma longa jornada de
caridade. E para que você prossiga nessa caminhada, será preciso que
você perdoe e se deixe perdoar por alguém."
Antero se levanta indo ao encontro do protetor dos negros,
ajoelha-se e com os olhos mareados, já sabendo o que estaria por vir
naquele momento, agradece a oportunidade que estava recebendo.
E diante de seus olhos aparece a imagem de sua filha mestiça, que
com um largo sorriso e lágrimas a escorrer pela face, estende as mãos
a ele, pedindo perdão por tê-lo feito sofrer tanto. Ela se ajoelha e
chorando se desculpa pelo dia que mandou levá-lo ao tronco, e que a
cada chibatada que ele recebera, ela deveria pagar em dobro.
Antero então abraça a filha pela primeira vez, e diz a ela que a
perdoara por tudo, mas precisaria do perdão dela por não ter estado no
momento de seu desencarne, achando ele que com seu domínio sobre os
animais ela poderia ter maiores chances de sair ilesa do ocorrido.
A menina sorri para ele e diz:
"Se é disso que precisa para continuar vossa caminhada rumo a luz e a
caridade. Eu perdoou o senhor, meu Pai."
E assim ela se despediu, voltando ao caminho que deveria seguir
rumo a evolução.
Antes de partir, Rei Congo diz a Antero:
"Meu filho, agora volte a suas orações, espalhe a caridade, trabalhe
para o bem de seu semelhante. E guarde com você esse cajado."
E então Rei Congo ´dá um cajado de madeira a Antero, cajado esse
que foi preparado para trabalhos espirituais, nele poderia se
encontrar toda a força da caridade, da fé e do dom de Antero. Cajado
no qual ele deveria usar sempre para o bem, sempre para ajudar a quem
necessitava,, nos momentos mais difíceis que pudesse passar, nas
desobsessões e descarregos mais complexos, pois nesse cajado além de
estar toda o dom dele, estaria também toda a força dos Orixás, toda as
forças das Almas Benditas e todas as forças do povo da encruza.
Antero viveu na fazenda até seu desencarne, ocorrido quando com
seus 70 anos, dentro dos currais de adestramentos de cavalos baios,
enquanto ensinava aos novos negros a arte de montar e dominar os
animais. Ele sentado, de olhar sério, ao lado da grande porteira,
simplesmente fecha os olhos e parte para uma nova jornada de
evolução, só que dessa vez, a evolução espiritual sendo uma Entidade
de Luz.
Com seu olhar sério, poucos sorrisos, fala mansa, pausada ele é um
dos mais respeitados Pretos Velhos da linha da Encruzilhada. Pai
Antero da Encruza, trabalha hoje firmemente nos terreiros de Umbanda,
levando ensinamentos, luz, abrindo caminhos, encaminhando espíritos
sem luz, descarregando e desobsediando os filhos que procuram por ele.
"Pai Antero Negro Boiadeiro, Lá Do Grande Sertão, Ele É Bravo
Guerreiro, Sempre Me Estendendo A Mão."
Palavras De Pai Antero: "Seja Persistente Em Suas Metas, Não Deprima
Pela Não Realização, Tudo Tem Sua Hora E Momento."
Saravá Meu Pai Antero da Encruza.
A sua Benção!
Carlos de Ogum.