quarta-feira, 30 de maio de 2018

Herança Egípcia na Maçonaria



Apenas começamos a conhecer, verdadeiramente, o Egito, a partir de 3200 a.C., não havendo, entretanto, qualquer solução de continuidade entre o período Neolítico da Pré-História e a fase histórica, pois o país revela-se, ao mesmo tempo, antigo e contínuo.

Antes do V milênio, homens vindos do Saara, que, rapidamente, se ressecava, foram se estabelecendo em torno do rio Nilo, nesse verdadeiro oásis, em pleno clima saariano, fértil e cultivável, graças às inundações do rio, regulares e extraordinariamente ricas em húmus. A própria configuração da região tornava precária uma unidade territorial e, assim, havia, inicialmente, uma divisão natural entre o Alto Egito, cercado pelos rebordos dos desertos da Líbia e da Arábia, e o Baixo Egito, formado pelo delta do Nilo, um largo leque, repleto de charcos, que tornavam, muitas vezes, difícil a circulação.


Após um relativamente curto período proto-histórico, assinalado pela predominância de povos asiáticos --- civilizações de El-Obeid e Djendet-Nache, da Mesopotâmia --- vindos pelo istmo de Pelúsio, uma revolução nacional realizou, do sul para o norte, a unificação do Egito, fundindo, em uma só, as duas coroas: a vermelha, do Baixo Egito, e a branca, do Alto Egito. Iniciou-se, então, a primeira dinastia do chamado Antigo Império, sendo, a capital do país, situada em Tinis, com o rei Menés, também chamado de Manu. A partir da III Dinastia, a capital transfere-se para Mênfis, junto ao Delta do Nilo. Assim, as duas primeiras dinastias foram chamadas de tinitas e as restantes, do Antigo Império, de menfitas.

É durante os reinado da III, IV e V dinastias --- correspondente, no tempo, ao período acadiano da Mesopotâmia, que sucedeu ao período do povo sumeriano, o mais antigo povo civilizado do mundo --- que se encontra o máximo apogeu do Antigo Império. Na III dinastia, o maior rei foi Djeser, assessorado por seu ministro Imotep, que, mais tarde, seria divinizado e assimilado a Esculápio, na época lágida da Grécia arcaica. Na IV dinastia encontramos os construtores de pirâmides: Khufu, Khafra e Menkhaura, chamados pelos gregos, respectivamente, de Quéops, Quéfren e Miquerinos. A V dinastia assinala o início da decadência do Antigo Império, já que, nele, encontra-se o início da teocracia, implantada pelos sacerdotes da cidade de Heliópolis --- nome dado pelos gregos e que significa "cidade do Sol" --- seguidores fanáticos do deus Rá, que suplanta, politicamente, o deus Ftá, de Mênfis. A decadência do Antigo Império iria até à X dinastia, por volta de 2250 a.C., quando há o esfacelamento do Egito e, posteriormente, a supremacia da cidade de Tebas, iniciando-se o Médio Império, sob a direção dos faraós tebanos, dos quais os maiores foram os da XII dinastia, a dos Amenemat e dos Senusret.

O fim do Médio Império é assinalado pela invasão dos hicsos, povo de origem semita, o qual seria responsável pela ida dos hebreus ao Egito. Ao fim do domínio dos hicsos, que foram suplantados pelos faraós tebanos, inicia-se o Novo Império, cujos principais soberanos foram Tutmés III, Ramsés II e Amenófis IV. Este último, que reinou de 1370 a 1352 a.C., passou à História como o soberano que ousou quebrar o excessivo poder dos sacerdotes de Ámon, tornando-se um místico do Sol, simbolizado por seu disco (Áton); mudou o seu nome para Aquenáton e mudou a sede do reino de Tebas para Aquetáton ("horizonte do disco"), conhecida pelo nome de Tel-el-Amarna, tentando tornar universal a sua religião solar monoteísta. Seu sucessor, contudo, ainda um menino, pressionado pelo grande poderio do clero egípcio, voltou a Tebas e mudou o seu nome, de Tutancáton para Tutancámon, restaurando o culto de Ámon e satisfazendo aso verdadeiros senhores do Egito.

Posteriormente, o país seria esfacelado pelas grandes invasões de seu território pelos assírios, persas, macedônios e, finalmente, pelos romanos, quando deixaria de existir como unidade nacional.

Esses rápidos traços históricos mostram uma civilização evoluída, propensa a obras monumentais --- não só as pirâmides, mas também os templos e monumentos funerários de Tebas, Carnac e do Vale dos Reis --- mas totalmente dominada pela classe religiosa e pela propensão à magia. Devido a isso, é discutível a contribuição egípcia no terreno científico e intelectual, embora alguns eruditos de boa-fé e muitos pseudo cientistas tenham acreditado perceber, na construção das pirâmides, as provas de conhecimentos geométricos e astronômicos extraordinários. Na realidade, nenhuma verdadeira ciência poderia ter sido concebida por tais espíritos demasiadamente religiosos e empíricos, como, de resto, aconteceu com todo o Oriente antigo, permanecendo com os gregos o galardão de terem chegado à ciência pura, teórica e desinteressada, pela total desvinculação das práticas de magia e das pressões de uma sociedade teocrática.

Em relação à Maçonaria, autores ocultistas, ou mistificadores, tomam, como base de suas teorias, a Grande Pirâmide, indo contra a conclusão histórica de que ela seria um monumento funerário e afirmando que sua finalidade era abrigar membros de ordens iniciáticas secretas. A Grande Pirâmide, esse enorme monumento de pedras superpostas, tem, na realidade, muito pouco espaço vazio, ou seja: a Câmara do Rei, uma sala de 50 metros quadrados ; a Câmara da Rainha, no corpo da pirâmide e menor do que a do rei ; a Grande Galeria, um corredor de acesso à Câmara do Rei ; condutos de ventilação e, ainda, uma câmara subterrânea, fora do corpo da pirâmide. Tanto esta câmara, quanto a, erradamente, chamada Câmara da Rainha, eram locais provisórios, para a colocação do corpo do faraó, caso ele viesse a falecer antes da construção total do monumento.

Na Câmara do Rei foi encontrado um sarcófago de granito vermelho, sem inscrições e sem tampa ; e suas paredes também não mostravam nenhuma inscrição, ou desenho. Além das duas câmaras serem bastante diminutas, em relação ao enorme corpo da pirâmide, foram encontradas, sobre a Câmara do Rei, cinco salas bastante baixas e com seis metros de largura, que serviriam de amortecedores para aliviar o teto da Câmara da tremenda pressão exercida por toneladas de pedra e, também, para que, em caso de algum cataclismo, que despedaçasse a cúpula da pirâmide, as pedras não caíssem no interior da Câmara. Isso mostra a preocupação com o conteúdo da Câmara do Rei, que só poderia ser o corpo do grande governante, dado o costume egípcio de proteger bastante os despojos de seus mortos ilustres, devido à crença na sobrevivência integral, ou seja, de corpo e de espírito.

Todavia, aqueles que querem fazer crer que a Grande Pirâmide era usada para a prática de ritos iniciáticos (Leadbeater, Paul Brunton e outros), aproveitam-se do fato de o sarcófago da Câmara do Rei encontrar-se vazio e de não existirem as inscrições encontradas em outros túmulo, para contrariar e contestar a finalidade fúnebre da construção. Ora, nenhum outro túmulo faraônico, à exceção do de Tutancámon, foi encontrado intacto, pois, além dos roubos dos objetos de ouro e pedras preciosas, os próprios corpos mumificados foram retirados dos sarcófagos. Além disso, o hábito de encher as câmaras mortuárias com tesouros e objetos de uso pessoal do morto e de preencher as paredes com inscrições e pinturas, é posterior à IV dinastia do Antigo Império.

Os condutos para ventilação, encontrados nas câmaras, comunicando-as com o exterior, também serviram de base para os especuladores, para contestar a finalidade fúnebre da construção. "Os mortos não respiram, logo não precisariam de ar", alegam eles. Teoria de muita má-fé, esta, pois os operários que trabalharam nas câmaras, durante a construção, necessitavam de ar, já que, sob aqueles imensos blocos de pedra, o fluido vital era bastante rarefeito. Além disso, esquecem-se, os mistificadores, de avisar, aos seus leitores, que, quando os homens do califa Al Mamun (filho de Harun Al Rachid), no ano 820 da era atual, conseguiram entrar na Grande Pirâmide --- ninguém havia conseguido antes --- encontraram os condutos de ar das câmaras intencionalmente obstruídos por pequenas pedras ali colocadas e não caídas ocasionalmente, o que demonstra que eles existiam para os vivos e foram obstruídos quando as câmaras ficaram prontas para a sua finalidade específica.

Também, se lembrarmos que os chamados Mistérios Egípcios eram ritos impregnados de magia, praticados pelos sacerdotes de Ámon-Rá --- culto sincrético, que substituiu o culto aos diversos deuses egípcios, um para cada cidade --- e se lembrarmos que a teocracia só dominou o Egito a partir da V dinastia, enquanto as pirâmides foram construídas durante a IV, fica claro que não se destinaria, nessa época, o exíguo espaço livre da Grande Pirâmide para os culto dos mistérios.

Em relação à Maçonaria, há autores que defendem sua origem egípcia, dizendo que as práticas hebraicas, hoje presentes em alguns ritos maçônicos, foram transmitidas aos hebreus por Moisés, que teria sido iniciado nos Mistérios Egípcios. É provável que Moisés, criado por família nobre, depois de ter sido achado boiando, dentro de um cesto, no rio, tenha tido contato com a classe sacerdotal, aprendendo os rudimentos dos ritos mágicos do clero egípcio; todavia, sendo estrangeiro, é pouco provável que tenha se aprofundado nesses ritos, pois os sacerdotes não permtiriam, como não permitiram a outros estrangeiros, como Platão, Pitágoras, Apuleio e Heródoto, que só tiveram acesso à parte mais superficial dos ritos, os Mistérios Menores. 

Esclareça-se que o próprio nome de Moisés mostra a sua obscura origem : em egípcio "m´ses", ou "moses", significava filho; assim, ao designar os nomes, a palavra vinha sempre junta com outra, designando a filiação, como é o caso dos nomes de diversos faraós, que se apresentavam como filhos de um deus, como, por exemplo, Ramsés, ou Ramoses (filho de Rá), e Tutmés, ou Tutmoses (filho de Toth); o grande condutor do povo hebreu era apenas "M´ses" (filho).

São poucas as influências da antiga civilização egípcia na Maçonaria atual --- foi a partir do século XVIII que os símbolos alusivos às antigas civilizações forem sendo introduzidos --- podendo ser citadas:
As colunas do pórtico do templo, que embora baseadas naquelas existentes no templo de Jerusalém, são egípcias, desproporcionais, e mostrando, estilizadamente, as duas plantas sagradas do Antigo Egito: folhas de papiro e flores de lótus. São colunas, como as egípcias, sem função de sustentação, como as colunas gregas, cuja função --- principalmente no caso da coluna dórica --- era suportar o peso de um entablamento. Nesse ponto, os hebreus imitaram os egípcios, ao colocar, no pórtico do templo de Jerusalém, colunas livres, sem função de sustentação e erigidas no sentido de homenagear ancestrais (como é o caso de Boaz e Iachin, ancestrais hebreus).

A abóbada estrelada, encontrada em muitos templos maçônicos, tem origem na arte templária do Antigo Egito. Os templos egípcios representavam a Terra, da qual cresciam as colunas (dezenas e centenas delas), como gigantescos papiros, em direção ao céu estrelado. Em Luxor ainda existem templos relativamente bem conservados, onde pode ser vista essa decoração estelar.

A lenda de Osíris (o Sol) e de Ísis (a Lua) também deve ser considerada como a precursora da lenda do artífice Hiram Abi, ensinada no terceiro grau maçônico. De acordo com a lenda egípcia --- em rápidas pinceladas --- Osíris, morto por seu irmão Seti, teve o seu corpo encontrado por Ísis, que o escondeu. Seti, ou Tifão, encontrando corpo, esquartejou-o e o dividiu em quatorze pedaços, que foram espalhados pelo Egito. O corpo, todavia, foi reconstituído por Ísis e, redivivo, passou a reinar, tronando-se o deus e o juiz do reino dos mortos, enquanto seu filho Hórus lutava com Seti e o abatia. Essa lenda, inclusive, não é totalmente egípcia, pois, com pequenas variações, fazia parte do patrimônio místico de todos os povos da Antigüidade, como um mito solar ; na realidade, Osíris (o Sol), é morto por Seti (as trevas) no 17º dia do mês egípcio Hator, que marca o início do inverno; e revive no início do verão.

José Castellani

Fonte : www.castellani.com.br

Do livro
"A Ciência Maçônica e as Antigas Civilizações"
1a. edição: Edit. Resenha Universitária - S. Paulo - 1977
2a. edição: Traço Editora - S. Paulo - 1980.
A obra trata da influência de antigas civilizações para a concretização da doutrina maçônica e de seu ritualismo.