terça-feira, 15 de maio de 2018

A História de Vovô Benedito da Calunga



Meu cachimbo está no toco Manda moleque buscar!
No alto da derrubada Meu cachimbo ficou lá!
Quem não pode com a mandinga não carrega Patuá.
Na aroeira de Vô Benedito Preto velho mandou me chamar.
Chama chama chama na aroeira de Vô Benedito.
La no mato tem flores tem rosário de Nossa senhora.
Na aroeira de Vô Benedito, Vô Benedito que nos valha nessa hora.
Está iluminada a nossa Umbanda Está cheio de flor no seu Gongá,
Vô Benedito sabe tudo que eu faço Vovô Benedito ilumina os caminhos por
onde eu passo.

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    Vovô Benedito da Calunga é um doce, carinhoso, brincalhão e
sorridente Preto Velho, que trabalha para a caridade na Umbanda,
trazendo esperanças para os filhos que se encontram sem caminho a
seguir, trazendo alegrias para quem se entregou as tristezas, trazendo
forças para seguirmos adiante sempre com fé em Deus.

    E como ele faz tal coisa?

    Apenas com suas palavras, seu sorriso de criança levada, suas
histórias do seu tempo de cativeiro, suas lições de vida e sua fé.

    Mas quem foi e esse ser tão iluminado e divino?

    Vovô Benedito foi um negro escravizado, pela covardia dos
senhores escravocratas, e teve sua ultima encarnação vivendo entre o
final do século XVIII e o século XIX.

    Essa história de fé começou, quando Benedito nasceu em uma senzala
de uma grande fazenda cafeeira, por alguma localidade dentro do
Sudeste do Brasil.

    Como naquela época as mulheres escravizadas começavam a reproduzir
muito cedo e continuamente, o corpo não conseguia uma recuperação
adequada, e por esse motivo muitas delas desencarnavam na hora do
parto, sendo esse feito sem muitos cuidados, ocasionando vários tipos
de problemas a saúde e ao corpo físico.

    E foi assim que a mãe de nosso Benedito fez o desencarne, deixando
seu fruto com alguns poucos minutos de vida.

    Ao ver sua companheira emitindo os últimos suspiros antes de ser
entregue aos braços da tão temida morte, o pai do pequeno Benedito,
que era um negro forte e corajoso, caiu em desespero, e aos gritos
clamou por ajuda chamando pelas negras mais experientes como
parteiras, mas já era tarde demais.

    Seus gritos de desespero se tornaram gritos de ira e ódio,
chamando a atenção dos feitores algozes, que ao adentrarem na senzala
foram atacados pelo negro em desespero.

    O negro corajoso não temendo pela sua vida foi ao encontro de
forma a atacar os feitores, mas esses o prenderam e o levaram ao
tronco, aguardando as ordens do poderoso Coronel cafeicultor.

    E do tronco para a morte, após centenas de chibatadas, o negro se
foi, fazendo assim do pequeno Benedito órfão no seu primeiro dia de
vida.

    Após esse acontecido, uma negra de nome Joaquina, já mulher
madura, decide que ela a partir dessa data faria de tudo para proteger
o pequeno Benedito, nome que a própria Joaquina escolheu.

    Benedito crescia, aos cuidados da velha Joaquina, conhecida também
como a velha feiticeira da fazenda. Ela o ensinava as magias dos
negros africanos, as benzeduras para os males físicos e espirituais, a
arte da cura através das ervas e raízes.

    E assim Benedito ia crescendo, se tornando amado por seus irmãos
de cor, aprendendo as lições da vida pelos velhos negros, aprendendo
a entender o que os ventos queriam dizer, o que as estrelas nos
indicavam, o que a lua poderia nos ajudar, enfim, tudo que era
dominado pelos Orixás ele buscou entender, não para simplesmente
saber, mas para poder com isso auxiliar seus irmãos escravizados, e
tentar acalentar um pouco a dor de tanto desamores com os negros.

    Já com 5 anos de idade, Benedito começa a frequentar a sede da
casa grande, onde residiam o Coronel cafeicultor, sua esposa, e o
jovem coronel, filho do casal, com sua esposa.

    E também nessa época nascia a grande companheira do menino
escravizado, a pequena menina, única neta do coronel cafeicultor, que
anos mais tarde se tornaria além da protetora dos negros escravos, a
grande paixão do negro Benedito.

    Benedito através da velha Joaquina foi conduzido a fazer pequenas
tarefas, e assim não ficaria sobre o forte sol das grandes e
intermináveis plantações de café, algodão, cana de açúcar, entre
outras.

    E assim ele foi crescendo sobre os olhos de sua mãe de coração, e
de todos os que residiam na casa grande. inclusive da pequena menina
que já era conhecida como a "sinhazinha da fazenda".

    Benedito já crescido, após saber da história de seus pais, e saber
que seus corpos inertes foram jogados ao fundo de um grandioso lago,
nas imediações da fazenda, tomou para si a responsabilidade e a missão
de sepultar dignamente os corpos de todos escravos, que viessem a
desencarnar, seja de modo natural, ou de modo brutal nos açoites e
troncos de castigo corporais na qual todos escravizados sofriam nas
mãos de seus algozes e famigerados feitores e coronéis.

    E foi assim que ele, retirava esses corpos das imediações do
grande lago, das dezenas de troncos espalhados por intermináveis
terras da grandiosa fazenda, das senzalas fétidas, e os conduziam para
a mãe terra, numa cova, muitas das vezes cavada com as próprias mãos.

    Dali ele fazia longas rezas clamando ao Orixá Omulú para que
encaminhasse o espírito de seus irmãos desencarnados para os braços
paternais de Oxalá.

    E assim esse pedaço de terra ficou conhecido como a "Calunga do
Benedito", e com o passar dos anos sendo conhecido como "A Calunga do
Vovô Benedito", e ai a linha após seu desencarne ser da Calunga
Pequena, sendo conhecido dentro dos trabalhos da Umbanda como "Vovô
Benedito da Calunga Pequena".

    Outro fato que chamou muita atenção desse nobre negro escravizado,
era seu amor pelos seus irmãos negros. Por centenas de vezes Benedito,
trocaria de lugar com algum negro açoitado no tronco. Ao perceber que
algum negro estava no tronco pelo motivo que fosse, e esse negro não
mais resistia ser açoitado pelos feitores, Benedito pedia humildemente
que libertassem seu irmão negro, rogando pela sua vida, e em troca
ele, o próprio Benedito, ficaria no tronco para receber o restante do
castigo.

    Quando era aceito a proposta, Benedito sorria a cada açoitada,
mostrando sua fé, e rogando para Oxalá pelos feitores que o
castigavam, pedindo clemência em nome deles, pois eles eram tão
escravos quanto ele.

    E por esse motivo, após tantos açoites e tantos troncos, o velho
Vovô Benedito, ao chegar em incorporação em um Terreiro de Umbanda,
chega de forma extremamente curvada, se apoiando em sua mão direita,
sem poder ficar ereto, mas isso não tira o brilho de seus olhos,
quando ele chega ouvindo a "curimba", ao som dos atabaques, que o
fazem dançar sorridente.

    Vovô Benedito da Calunga, tinha vários dons, entre muitos o de
fazer feliz as pessoas tristes, contador de casos, rezador de crianças
com males físicos e espirituais, quebrador de magias negras,
encaminhador de espíritos sem luz, sabia reconhecer todas as ervas,
para remédios e banhos de descarrego, além de ser o grande cuidador
e protetor das crianças filhos de escravos.

    E com esse jeito carinhoso, amável,, muito brincalhão e
sorridente, Benedito já com uma idade mais madura, certo dia sofreu a
ira do coronel, que nessa época era um afilhado do pai da sinhazinha,
pois o velho coronel foi tomado por males de uma doença crônica e já
não tinha saúde para comandar a fazenda, e também dos feitores, que o
viam não como um ser especial dentro da espiritualidade, mas como um
negro fanfarrão.

    Benedito, já com a grande admiração na qual a Sinhazinha tinha por
ele, toda vez que ele passava por ela, abria um belo e carinhoso
sorriso, e assim deixando além do afilhado do coronel muito
incomodado, uma legião de feitores raivosos.

Com um terno sorriso ela retribuía o largo sorriso dele, além de
elogiar com a frase rotineira: "Ver seu sorriso pelo amanhecer, é
como ver o sol brilhar mesmo coberto por grandes nuvens escuras. Isso
me alegra bastante".

    Ao ouvir isso o afilhado do coronel ameaçou a Benedito, que a
próxima vez que o negro abrisse o sorriso a linda sinhazinha, ele
mandaria arrancar os seus dentes.

    E numa tarde, Benedito encantado pela beleza de sua sinhazinha,
não se conteve e abriu um belo e largo sorriso ao encontro dela, sem
perceber que estava sendo visto ao longe pelo afilhado do coronel e de
seus jagunços, que de imediato o pegaram e o levaram para o tronco,
açoitando e fazendo cumprir a promessa de arrancar todos os dentes de
sua boca.

    Benedito após torturado, humilhado foi deixado no tronco, sendo
após levado a senzala praticamente sem vida para ser tratado pela sua
mãe de coração, a velha Joaquina, que com extremo esforço, centenas de
ervas, chás, banhos, rezas e muita vigília consegue fazer com que
Benedito se recuperasse, até ficar totalmente são.

    Hoje nas casas de Umbanda ele conta essa história, sem
ressentimento, mas muito agradecido a sua velha e amada Chica pelos
cuidados que teve com ele, além de frisar sempre que em sua boca não
há um dente sequer.

    Vovô Benedito, tinha o grande sonho de sair do cativeiro, tentar
esconderijo no tal sonhado e protegido Quilombo do Rei Congo, por
algumas vezes ele tentara a fuga, mas, ao vir a lembrança de que teria
de deixar para trás a sua querida mãe de coração, a velha Joaquina, e
de não mais poder ver o sorriso de sua sinhazinha, ele desistia, e
novamente voltava ao cativeiro.

    E assim Vovô Benedito passou sua vida, sempre com um sorriso nos
lábios, sempre com uma palavra de consolo a seus irmãos negros, sempre
entregando seu corpo para ser açoitado no lugar de um irmão negro que
já não resistia mais o peso da chibata, sempre protegendo uma criança
negra que poderia ser humilhada, maltratada e muitas vezes morta pelas
mãos dos feitores sem piedade.

    Já idoso, Vovô Benedito, sofre uma das suas maiores tristezas, a
perda de sua Mãe de coração, a velha Joaquina, ou a "Velha Chica",
como ele a chamou a vida inteira, por não conseguir  pronunciar o
nome dela, pois nas tentativas o melhor que conseguia pronunciar era
"velha Jucuína", depois de algumas tentativas, veio a desistência, e
como a Velha Joaquina lhe dera o nome de Benedito, ele lhe batiza de
"Velha Chica", como forma de gratidão, ou forma de fugir do nome, que
para ele era tão complicado pronunciar.

    Vovô Benedito desencarnou com a estupenda idade de 120 anos. 120
anos de chibatas, de troncos, de trabalhos forçados, de grandes
humilhações, mas também de 120 anos de carisma, fé, caridade, alegrias
mesmo nos momentos tristes, mesmo nos momentos de saudades, mesmo nos
momentos de dores, tanto do corpo físico quanto da alma.

    Infelizmente desencarnou sem saber o que era a liberdade, pois seu
desencarne foi no ano de 1887, sendo a assinatura da Lei Áurea no ano
seguinte.

    Hoje Vovô Benedito é uma Entidade de Luz, trabalhadora da linda
Umbanda. Um Preto Velho caridoso, amável, mandingueiro, que nos da
toda a atenção necessária, que nos faz ter esperanças, que nos mostra
caminhos, que nos alegra em momentos de desespero, que nos ensina que
a fé em Deus é o caminho.

    E com muita honra e felicidade que eu, Carlos de Ogum, tenho o
prazer de ter essa bondosa e carismática Entidade de Luz em minha coroa para trabalho dentro da linha dos Pretos Velhos, assim como tenho o mesmo prazer de ter Vovô Rei Congo das Almas e Pai Antero da Encruza nessa linha de trabalho, pois com essa corrente desses velhos negros amados fazemos o que mais amamos, usar a Umbanda para espalhar amor e caridade.

Salve todos os Pretos Velhos!

    Adorei as Almas!

    Saravá Vovô Benedito da Calunga Pequena!

    A sua benção e proteção meu Vovô querido!




Carlos de Ogum