sábado, 12 de setembro de 2020

DESTINO DE CINCO DIAS

DESTINO DE CINCO DIAS

Raimundo estava de mal com o mundo. Sempre resmungando, sempre reclamando de alguma coisa, mesmo que essa coisa estivesse certa. Não gostava de ninguém, e era odiado por todos da empresa onde era chefe. Queria mandar, mandar e mandar. Mas, Raiumundo era também um homem solitário, chorava todas as noites no escuro do seu quarto, com a televisão ligada, mas, com o pensamento sempre avoado. Dificilmente conseguia dormir sem a ajuda de remédios. No dia seguinte estava ele lá, reclamando com todos, como se eles fossem os culpados de sua solidão. De fato, era isso que ele pensava.
Certo dia passando pela rua avistou uma tenda cigana, e resolveu entrar pra ver se sua vida iria melhorar. Não acreditava muito nisso, mas, sua preocupação era tão grande que resolveu arriscar. Quando entrou na cabana, uma moça estava do lado de trás de uma bola de cristal, que estava sobre uma mesa redonda e pequena, e uma cadeira a espera de quem quisesse uma consulta. Raimundo sentou e a cigana logo percebeu em seus olhos o que ele queria saber – “veio saber porque anda tão sozinho, não?” – Raimundo balançou a cabeça num sinal de sim. A cigana continuou – “Você é muito impaciente, tem um coração muito fraco, precisa carregar mais energias positivas pra esse coração. Infelizmente o que eu tenho pra te dizer pode não ajudar muito” – Raimundo engoliu em seco , mas mesmo assim queria saber o que era , e a cigana traçou seu destino – “você tem apenas cinco dias de vida” .
Raimundo saiu de lá sem saber o que fazer, se acreditava realmente na cigana ou se ela estava mentindo, apenas para ganhar dinheiro. Esse pensamento ocupou todas as horas daquela noite, que não conseguiu dormir só pensando na hora de sua morte. Sua vida não era lá essas coisas, mas, morrer, não estava nos pensamentos de Raimundo. Ele precisava mudar, e se não fizesse isso, os últimos dias de sua vida poderiam ser como todos os outros.
Então Raimundo decidiu mudar, aproveitou a madrugada pra fazer a barba, escolher o terno mais bonito que tinha, um que ele estava guardando pra uma ocasião especial, arrumou sua casa, colocou uma música e estava tentando ser outra pessoa. Na chegada no escritório todos notaram sua boa aparência e ele cumprimentou cada um como se fôssem amigos de longa data. Todos estranharam, acharam que poderiam ser despedidos, pois, tratamento assim, só pra ser o último dia. O dia passou e nenhuma reclamação foi ouvida, apenas elogios, gentilezas e muitas risadas. Era incrível que uma pessoa pudesse mudar da água pro vinho assim de uma hora pra outra. Todos se perguntavam quem teria feito esse favor a eles.
Na volta para casa Raimundo estava cansado, de tanto que deu risadas, e de tanto que tentou mudar seu comportamento, mas, ele queria mais, queria aproveitar seus últimos dias. Chegando em casa pegou sua agenda e começou a ligar pra todos, amigos que estudaram com ele, ex-namoradas, para seus dois irmãos e até mesmo sua mãe, que se espantou com seu telefonema. Raimundo passou a tarde e a noite conversando e relembrando coisas que se passaram em sua vida que ele nunca havia dado conta o quanto tinha sido feliz. Naquela noite ele conseguiu dormir, depois de muito tempo, sem a ajuda dos remédios.
Acordou com o pio dos passarinhos e abriu a janela para admirar a natureza, o sol estava nascendo, aquele azul clarinho do dia vinha aparecendo lindo, enquanto algumas estrelas ainda brilhavam. Raimundo nunca percebera o quanto era bonita a natureza, e que vários dias que ele passou em branco, nunca havia se dado conta de como pode-se achar felicidade só de ver algo belo que a natureza nos proporciona. No escritório, ele fez o mesmo que ontem, foi gentil e educado com todos que falava, e dava dicas, era impressionante como aquele escritório estava alegre e tudo rendia muito melhor. Como havia feito com seus amigos antigos, quis começar a fazer amizades, e a saber um pouco da vida de todos que estavam trabalhando com ele. Pessoas que ele via todos os dias, e mal conhecia. No fim do dia convidou todos pra um happy hour por conta dele. Todos aceitaram claro. Lá, Raimundo viu mais gente, viu as pessoas felizes, conversando, dando risada, aquele cansaço do trabalho era esquecido quando se sentava numa mesinha de bar, com um choppinho do lado e umas batas fritas pra beliscar, um pagode tocando no fundo pra animar.
Raimundo percebeu o quanto a felicidade pode estar nas coisas pequenas da vida. Voltando pra casa, caiu na cama, e dormiu como um anjo.
Decidiu acordar cedo pqra ver novamente o nascer do sol, mas, a chuva caia forte lá fora. O céu estava muito nublado. Mas, a chuva tinha seu charme, a água que caia do céu fazia um barulho tão gostoso que dava vontade de ficar na cama, mas, Raiumundo ao contrário decidiu sair, como estava, e deixou a chuva cair sobre seu rosto, cantava, como se aquela água fosse um campo de energia que o revitalizasse, um banho de felicidade vindo do céu. Quando percebeu a hora saiu correndo pra casa, tomou banho e foi trabalhar. Era sexta-feira e todos já estavam cansados da rotina, loucos para ir pra casa curtir o fim de semana. Raimundo estava como há dois dias atrás, feliz e de alto astral. Todos já haviam esquecido o
Raimundo de antigamente, pois, por mais que tenham sido apenas três dias de alto astral, esse Raimundo novo é que iria ficar na mente de todos, pois aquele Raimundo rabugento, seria esquecido rapidamente. O fim do dia chegou e Raimundo não sabia o que iria fazer pra aproveitar, depois de tanto tempo em casa, já não sabia mais seus gostos. Decidiu abrir o jornal para ver as opções e o anúncio de um hotel fazenda chamou sua atenção. Pegou seu carro e colocou o pé na estrada no meio da noite. A viagem era longa, cansativa, mas, ele precisava fazer. Chegou de madrugada no hotel fazenda e quis o melhor quarto. Foi pra cama descansar mas acordou cedo , como todos os dias. O sol estava raiando, e ele decidiu ir pra piscina. O barulho da criançada brincando era como música para o ouvido de Raimundo, agora ele já conseguia ser feliz vendo a alegria dos outros. Decidiu também soltar seu lado criança e deu um belo salto na água. Parecia uma criança saltando, e nadando, plantando bananeiras. As crianças logo se aproximaram e ele brincava com elas, jogava água, colocou todas em seu ombro e competiu com elas pra ver quem ficava mais tempo embaixo d´água. A tarde Raimundo soube de um jogo de futebol com os adultos e foi lá no campo jogar . Marcou dois gols e ajudou seu time , que estava com camisa, a vencer o time sem camisa por sete a três. A programação do hotel era animada, a noite estava marcado o show de dois comediantes, e
Raimundo até entrou no show, convidado pelos dois, e ajudou a animar ainda mais o espetáculo, nem se importava com o que os outros iriam achar.
No último dia de prazo que a cigana havia dado, Raimundo ficou preocupado. Agora que havia descoberto as coisas boas da vida, não podia morrer, ele queria continuar assim. Pediu perdão a Deus pelo mal que ele transmitiu a todos antes de saber que morreria, e agradeceu por ter colocado a cigana em seu caminho pois se ela não tivesse dito que ele morreria, não teria descoberto tudo aquilo que não viu em tanto tempo.
Também pediu para que desse mais uma chance a ele, pois Raimundo estava feliz e era assim que ele queria ficar.
Passaram-se cinco anos, Raimundo agora é casado, tem duas filhas, é um pai excelente e um marido ideal. Continuava no mesmo escritório, que cresceu bastante, graças a mudança dele e a motivação que ele passava a todos que lá trabalhavam. Raimundo nunca mais procurou aquela cigana, não se importava em saber o porque ela havia dito aquilo, mas, ele sempre agradecia, por ela ter mudado o caminho de sua vida.
Hoje ele é feliz, pois sabe que tem que aproveitar ao máximo sua vida, olhando em sua volta, sorrindo para as pessoas, admirando a natureza e amando ao próximo, pois ele sabe que está em seu destino que o quinto dia irá chegar, e, quando chegar, ele terá certeza de que fez sua parte.
(Fábio Granville)