quarta-feira, 16 de setembro de 2020

SEXO TÂNTRICO – KAMA SUTRA

SEXO TÂNTRICO – KAMA SUTRA

Kama Sutra, sexo tântrico, não é um pouco estranho gente tão moderna quanto nós ir buscar lá atrás, em algum momento do início da era cristã (ou mesmo antes) referências e modelos para injetar mais sentido e graça na nossa vida sexual?
O sexo sempre foi uma espécie de “campo dos sonhos” para as criaturas humanas. Nenhuma outra atividade, com exceção, talvez, da morte, foi tão revestida de tabus e de rituais. De significados e de mistérios. Isto, é bom que se diga, não tem nada a ver com moralismo, com puritanismo ou com nossas idéias cristãs de pecado. Não. Para nosso ancestrais, compreender e controlar a vida sexual era uma questão literalmente de vida ou de morte.
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Primeiros abraços
Penso nos primeiros hominídeos (é assim que os estudiosos chamam estes avós humanos ainda tão próximos dos macacos e mesmo assim, já tão longe deles). Ao que tudo indica, a posição de pé e o tamanho mais avantajado dos cérebros, fazia os bebês humanos nascerem de certa forma prematuros. Nossos filhotes exigiam cuidados redobrados e por muito mais tempo. Isto pressupunha uma colaboração inédita entre machos e fêmeas. Entre a maioria dos mamíferos, apenas alguns machos vão se reproduzir, os demais ou ficam rondando os mais velhos, sempre prestes a ocupar seu lugar, ou são expulsos para bem longe do grupo. Machos jovens eram um perigo sempre iminente para a estabilidade do grupo. Mas esta disputa biológica não combinava com o estilo cooperativo das famílias humanas do início. E foi assim em torno de uma distribuição adequada de fêmeas jovens e de modo a facilitar a colaboração e, portanto, a sobrevivência da espécie, que nasceram as primeiras realizações propriamente humanas. Nasceu o controle e junto com ele, os mitos, os rituais, os sonhos.
Estes arranjos iniciais deram forma à primeira família humana. Ao contrário do que imaginamos, ela não tinha nada a ver com a nossa fórmula pai-mãe-filhos. Provavelmente estava centrada na figura da mãe, de seus irmãos, de sua prole. Aqui, a figura masculina fundamental era, na verdade, o tio materno. E digo isto porque às vezes a gente acha que nosso jeito foi O JEITO inicial, aquele básico, modelo para todos os outros. E quem não for como nós, no mínimo, é esquisito. Nada disso. Nossos ancestrais eram mestres em criar soluções criativas e ousadas. E, afinal, podiam bem fazer isto: estavam começando do zero!!
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Orgias e rituais: o casamento sagrado
E voltando para nossa história, à medida em que a consciência humana tornava-se mais e mais complexa e sofisticada e a busca de sentido extravasava os pequenos assuntos humanos, parecia evidente que se o sexo era fundamental para garantir a própria vida, havia grandes chances de que ele também fosse o grande motor de todo o Universo. A fertilidade da mulher e da natureza associadas garantiam a vida pulsando em todos os níveis, no céu e na terra. O grande historiador das religiões, Mircea Eliade, explica que é por isto que todos os povos primitivos incluem orgias e rituais de fertilidade na sua vida espiritual (as nossas inocentes festas juninas e, é claro, o Carnaval, são lembranças destes momentos). Na época das colheitas ou no tempo de semear, as aldeias se enchiam de festa e de excitação, tudo terminando com cópulas ao ar livre que duravam até o dia clarear, trazendo de volta a rotina e o controle…
“De modo geral”, diz Mircea Eliade, “ a orgia corresponde à hierogamia (casamento sagrado). À união do par divino deve corresponder, na terra, o delírio original. Junto com os jovens casais que repetiam a hierogamia nos sulcos arados, devia produzir-se o aumento máximo das forças da coletividade (…) os excessos quebram as barreiras entre os homens, a sociedade, a natureza e os deuses (…) fazem circular a força, a vida (…) aquilo que estava vazio de substãncia, se ressarce; aquilo que era fragmentado reintegra-se na unidade; aquilo que estava isolado funde-se na grande matriz universal. A orgia fazia circular a energia vital e sagrada”.
Sexo era coisa muito séria nestes tempos. Estava longe de ser uma brincadeira deixada à mercê do gosto de cada um. E, no entanto…não soa extraordinariamente interessante? O reconhecimento da importância da vida sexual chegou aos poucos a refinamentos inimagináveis para nosso olhos gastos de Playboys.
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Sexo à moda hindu
Estamos falando do Tantra, que, em sânscrito, quer dizer algo como liberação através da expansão e cujos ensinamentos compõem tanto as escrituras esotéricas do hinduísmo quanto do budismo Vajrayna (Veículo do Diamante) também. Estes textos são muitíssimo antigos. Embora a palavra tenha surgido só no século 6, as pistas apontam para uma origem mais remota. E alguns estudiosos afirmam até que o tantra era praticado na Índia mesmo antes da chegada dos arianos e que ele faria parte das crenças das primeiras culturas humanas que floresceram acompanhando as curvas do rio Indo, como Mohenjo-Daro e Harappa. Se estas conjecturas forem verdade (o que provavelmente não saberemos e vamos ter que continuar apenas imaginando), os princípios do tantrismo acompanham os seres humanos desde o ano 2000…antes da era cristã!
As doutrinas tântricas cercam inúmeros aspectos do existir humano, mas foram os rituais dedicados ao primoramento da vida sexual que acabaram ficando famosos no Ocidente. No tantrismo, o corpo transforma-se num templo, uma expressão da essência divina, um instrumento de acessso ao ilimitado, ao transcendente.
Durante esta união sexual, chamada maithuna, cujo objetivo não é a ejaculação nem o orgasmo, mas o gozo da energia transformada, a mulher torna-se Shakti, a deusa, e o homem veste os gestos de Shiva, seu consorte. Shiva é o deus dançarino que cria, mantém e destrói o universo. Shakti é a deusa-mãe de toda a vida, fonte de prazer e caminho para a transcendência. As técnica do sexo tântrico procuram justamente revelar, por trás das nossas aparências comuns, de nosso corpos desajeitados, de nossas almas apagadas, os deuses e deusas que ainda somos. E que dormem, feito a serpente de pura energia, chamada Kundalini, em algum lugar de nós. Apenas o fogo sagrado do amor pode acordar tais personagens e nos fazer relembrar nosso parentesco sagrado.
O caminho do tantrismo propõe a exploração última dos mistérios de cada um como uma forma de alcançar a iluminação e o divino. Banalizado, resume-se a uma série meio tediosa de exercícios, que hoje são vendidos como sendo capazes de “melhorar” o desempenho sexual. Mas, no fundo, no fundo, junto com os famosos exercícios, talvez seja justamente o tempo de recuperar o espírito destes rituais e encher de significado e respeito pelo divino que habita no outro, nossa experiência sexual.
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos. É editora responsável pelo Delas, o site feminino do portal IG, onde tem uma coluna chamada Toques de alma. Além disso, cuida do IgEducação e de um site de cultura multimídia, o Arte Digital. Agora também é colunista do Somos Todos UM.