domingo, 5 de agosto de 2018

A bengala de Pai Antônio – II parte

Ela sabia de seus débitos e por isso compreendia que havia trocado a dor física pela dor da consciência. Em sua tela mental agora desfilavam os "trabalhos encomendados", pelos quais pagava bem caro, desde que resolvessem seus desejos mesquinhos. Era moça bonita e faceira, mas sem sorte no amor. Desejosa e cansada de tentar conseguir um casamento, já com idade avançanda, não relutou em aceitar as propostas de um homem casado que às escondidas a visitava algumas noites.
Com isso, e por estar só, passou a se excluir da sociedade, onde ambicionava um lugar de destaque, até que resolveu tirar de seu caminho quem atrapalhava sua ascensão. Foi assim que inveteradamente passou a programar a morte da esposa de seu amante. Conheceu vários lugares e pessoas que realizavam magia negra, mas nada de conseguir o resultado desejado. Inspirada por quiumbas aproveitadores, foi descendo o nível e chegou a uma velha feiticeira, que por bom preço a ensinou a realizar magia pesada com as próprias mãos, prometendo assim efeito mais rápido e eficiente. Usou os elementos e os elementares artificiais, condicionando-os ao seu mando e energia, e mesmo assim não conseguiu o desejado, pois a vítima vibrava em outro diapasão. A inveja e a raiva corroíam-lhe o ser todas as vezes que via o homem desejado freqüentando a missa aos domingos com a esposa.
- Pai Antônio sabe que a dor e o medo têm feito a filha refletir e tomar consciência de sua responsabilidade. Nenhum pecado é maior do que a força do perdão, portanto cabe a você, e só a você, desligar-se das entidades e das forças a que se aliou no passado. É preciso queimar as pontes que ficam para trás em nossa caminhada e olhar para a frente com decisão. O que não pode é reconhecer os erros e neles perseverar.
Enquanto o bondoso preto velho batia em suas costas com o galho verde, retirando de sua aura as energias mais pesadas adensadas ali, ela deixava que o choro lavasse seu espírito, chegando a soluçar. Nunca ninguém a tinha acolhido e mostrado que andava pelo caminho errado, com tanto amor e diplomacia. Estivera acostumada a terceirizar a solução de seus problemas, ou então a confessar seus pecados e receber penitências que não aliviavam sua alma aflita. Ali sentia-se protegida e com vontade de beijar os pés daquele espírito.
- Filha, humildade não pode ser confundida com humilhação. Só existe um espírito que merece toda nossa veneração: Deus, nosso Pai; de resto, somos todos navegadores do mesmo mar em busca de um porto seguro, somando erros e acertos. Vá e repense sobre seus atos e se proponha a mudá-los para que possa mudar sua energia. Sua dor foi o portão que se abriu para tirá-la da prisão.
Ao sair daquele lugar, a sensação era de tamanho alívio que parecia um pássaro liberto da gaiola. Haveria de repensar sobre tudo e compreender que o perdão é medicamento doce para dores amargas, bem como agradecer pela oportunidade Ímpar que o Senhor do Universo estava lhe concedendo. Iniciaria, a partir de então, uma busca de conhecimentos sobre o mundo espiritual, conscientizando-se de sua responsabilidade e principalmente do bom aproveitamento do tempo que ainda lhe restava no corpo físico.
Pai Antônio havia gravado seu endereço por saber que aquela ovelha retomava ao caminho e, assim que houvesse condição vibratória, ele, auxiliado por seu amigo exu, atuaria no desmanche daqueles artificiais, reequilibrando a balança cármica.
Antes de despedir-se, Pai Antônio chamou seu cambono e, entregando-lhe a bengala, falou:
- Não é a bengala que ampara nosso corpo físico que demonstra nossos aleijões. Prejudiciais sãos as bengalas forjadas por nosso orgulho, nas quais nos amparamos para manter posturas ilusórias.

- Saravá, zi fio!

- Saravá, meu Pai!



Vovó Benta

Do livro: “A missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhcecimento.