quinta-feira, 26 de setembro de 2019

2º. Itan



Há muito tempo havia um rei muito malvado que por qualquer motivo condenava seus súditos a pena de norte por decapitação. As injustiças, os crimes por ele praticados eram tantos que Olodum resolveu mandar Exú verificar o que estava se passando com ordem de punir o malvado da maneira que ele bem entendesse. Exú então, disfarçado de alfaiate chegou à cidade onde se estabeleceu com sua nova profissão. O tempo passou até que certo dia um homem pediu a Exú que lhe fizesse um manto e utilizando-se de uma bela peça de tecido negro como a noite. Exú atendeu mais que satisfatoriamente a encomenda de seu freguês. Antes de entregar o manto a seu dono, Exú chamou Ikú, nossa grande senhora morte, e exibindo sua obra lhe fez a seguinte proposta:

“– Gostaria de possuir este manto?” e a morte disse:
“– Claro que sim, infelizmente não possuo dinheiro suficiente para adquiri-lo, se tivesse, sem dúvida o compraria agora mesmo.”
“– Pois este manto poderá ser seu se dentro de sete dias vieres buscar a pessoa que o tiver usando.”, confidenciou então Exú.
“– E assim basta que eu venha buscar dentro se sete dias quem estiver vestido, para que eu possa ser dono deste manto?”
“– Não tenha dúvida.”, respondeu Exú.
“– Dentro de sete dias então virei buscar o manto e quem estiver dentro dele.” Respondeu a morte ansiosa com os olhos brilhante sobre a peça.
E Ikú retornou ao mundo dos mortos, contando os dias que faltavam para que pudesse vestir o seu belo manto. No dia seguinte, o freguês veio buscar a sua encomenda, mostrou-se muito satisfeito com o trabalho do novo alfaiate. Ficou, olhou, provou e disse:

“– Recomendarei os seus serviços a todos os meus amigos, tenho certeza que gostarão, sou muito bem relacionado e posso conseguir uma boa clientela.”, disse o homem agradecido pelo trabalho.
“– Se é verdade que podes me ajudar, gostaria que vestido com esse manto fosse passear nas imediações do palácio real, de forma que o próprio rei pudesse admirar minha obra e dessa forma torna-se meu cliente”, disse Exú.
“– Sim, é claro, irei passear diante do palácio e se perguntarem quem fez este manto darei o seu endereço”, e vestido de boas intenções, lá se foi o homem desfilar diante do palácio real. O rei muito mal, tinha um filho, rapazinho de 16 anos, cheio de vontades, mas de péssimo caráter, ruim como seu próprio pai. O rei jamais negara nenhum pedido ao filho, fazia todas as suas vontades, atendia todos os seus caprichos e aí então, ai daquele que ousasse contrariar o príncipe, logo teria a cabeça separada do próprio corpo. E Exú então, aguardando o fruto da ambição brotar, germinar, amadurecer. E quem viu o homem vestido com o manto feito por Exú não foi o rei, mas sim, o seu filho herdeiro.

“– Pai, pai, quero para mim o manto negro que aquele homem está vestindo.”, pediu o jovem, apontando para a direção do infeliz que passava distraído. Imediatamente o rei mandou prender o homem e inventando uma desculpa qualquer, condenou-o a morte por decapitação, dessa forma, seu filho poderia usar o manto, sem que ninguém reclamasse sua propriedade. E o príncipe então vestiu a roupa que não tirou mais do corpo. No dia da execução, Ikú foi chamado para levar o condenado, o pobre inocente condenado. Esta era a sua missão.  

Na hora marcada, todos vieram ao patíbulo, inclusive o príncipe com o seu manto novo, jamais perdera um espetáculo como aquele e não seria naquele dia que deixaria de exibir a todos sua roupa nova e com certeza Ikú chegando ao local e vendo o manto lembrou-se da promessa de Exú e agindo com extrema presteza pegou o alfanje das mãos do carrasco decepando a cabeça do príncipe e arrancando-a do corpo ainda com vida. O manto negro confeccionado por Exú, ele vestiu imediatamente. O povo que vivia insatisfeito com o tirano, vendo o que se passava pensando tratar-se de uma revolução, invadiram o patíbulo matando também o rei e libertando o prisioneiro que foi por eles mesmo coroado rei. E foi assim que Exú puniu o déspota, eliminando ele e sua descendência para que o novo monarca pudesse reinar com justiça sobre aquele povo até então oprimido e é por isso que até hoje Ikú se veste com o manto totalmente negro, presente de Exú por um pequeno favor prestado.



Ensinamento: Esse itan com certeza revela que o justo pode pagar pelo pecador desde que esse justo esteja copiando os maus costumes, os maus vícios. Esse itan revela “diga-me com quem andas que eu direi quem tu és”. Esse itan também revela que a justiça tarda mais não falha e não tem caminho para que ela chegue. E miticamente falando revela o estreito caminho entre Exú e a morte, por ser o senhor das estradas, o senhor do longe e do perto, o senhor de ontem, do hoje e do amanhã, o senhor da distância inexistente.