sexta-feira, 18 de maio de 2018

A História de Vovô Joaquim

Vô Joaquim lerê,
Vô Joaquim Lerá,
Vô Joaquim já vem de Angola,
Vô Joaquim vem de Angola, Angolá...


    Vô Joaquim é um Preto Velho caridoso, extremamente bondoso e
humilde, com sua fala mansa e cheia de ternura, que trabalha em prol
da caridade nos Terreiros de Umbanda trazendo sua paz, curando
enfermos, trazendo luz nos caminhos escuros, ensinando a humildade a
seus filhos e demonstrando o valor da fé.

    Dentro da Umbanda Vô Joaquim tem uma importância especial, pois é
ele que comanda todos os outros Pretos Velhos que trabalham na linha
do Orixá Oxossi. E mesmo tendo outras variantes de nomenclaturas de
Vô Joaquim, como Joaquim D'angola, Do Congo, Das Almas, entre outras,
todos Médiuns que tem em sua coroa um Vovô ou Pai Joaquim, tem uma
ligação forte do Orixá Oxossi, sendo Pai ou protetor de coroa desse
Médium.

    Vovô Joaquim tem uma grande experiência com ervas, e delas faz
seus trabalhos de benzeduras, limpezas, descarregos, desobsessão,
curas tanto do corpo físico como do espírito.

    Ele tem um modo de trabalho espiritual extremamente diferenciado
de muitos Pretos Velhos, pois as suas ações são determinadas pelo seu
próprio tempo, sendo ele bastante sereno, muitas vezes antes de falar
algo ou fazer uma limpeza que seja necessária a um consulente, ele
calmamente cachimba, olha a fumaça que se esvai no ar, olha em sua
volta, cachimba novamente, sorri, da um longo e vagaroso gole no seu
café sem açúcar ou no seu vinho moscatel, para serenamente olhando as
palmas das mãos, faz as suas orações como se cochichasse com Zambi ou
os Orixás, e sorrindo fala ou faz o que deve ser falado ou feito sem a
menor pressa e sempre dentro de seu tempo e serenidade.

    É dito que Vô Joaquim é um dos mais velhos, em relação a idade
cronológica, Pretos Velhos que trabalham para a caridade nos Terreiros
de Umbanda. Muitos acreditam que ele em sua vida terrena perdeu a
conta de anos que passou encarnado, de tantos que foram. E ainda é
dito que ele ultrapassou com folga a idade terrena da Preta Velha
Vovó Joaquina, que era conhecida como Velha Feiticeira ou simplesmente
Chica. Que pelas histórias contadas nos Terreiros de Umbanda, ela
ultrapassou a idade terrena de Pai Benedito da Calunga, que afirma ter
desencarnado com 120 anos. Se nosso querido e risonho Pai Benedito
desencarnou com 120 anos de idade, e se a Vovó Feiticeira ultrapassou
essa idade, imaginemos então a que idade terrena chegou nosso amado Vô
Joaquim, que dizem ser um dos mais idosos Pretos Velhos da Umbanda.

    Vovô Joaquim foi um negro escravizado lá pelo século XV para o
século XVI. Pelas histórias contadas, era ele um negro forte,
inteligente, que compreendia o que dizia os sons dos ventos, dos rios
e das matas. E assim ele buscava respostas as suas dúvidas e falta de
compreensão em algumas coisas que para ele não devia existir na terra
oferecida pelo Pai Maior, Zambi, no qual ele se entregava em orações
elevando sempre sua fé.

    Joaquim, ainda moço, era visto por muitos da fazenda, na qual ele
era escravizado, como o abençoado das matas e da Lua. Pois ele buscava
sua serenidade no brilho da Lua, a Lua que ele chamava de "Penumbra de
Zambi", assim como buscava entendimento nas matas para que assim fosse
possível, através de ervas, raízes, frutos e sementes, fazer seus
medicamentos, compressas, limpezas de corpo e espírito, macerando
tudo que necessitava para que o resultado sempre fosse perfeito, assim
como ele aprendeu com os negros mais velhos e que com perfeição faziam
esse trabalho de caridade, tanto aos brancos, quanto aos negros da
época.

    Com o passar do tempo, Joaquim ficou bem conhecido por toda a
região, sendo ele respeitado por brancos e negros, homens e mulheres,
crianças e idosos, coronéis e escravos.

    Já com um grande conhecimento adquirido, juntamente com sua luz
própria e a força da natureza, principalmente das matas, da Lua e dos
rios com suas águas límpidas, Vô Joaquim, por ordem dos Senhores de
Escravos da região e de seu próprio senhor, um coronel cafeicultor
muito exigente e bastante cruel, ordenou a ele que seguisse de fazenda
em fazenda da região buscando curar os negros adoentados. E se caso o
mal físico apresentado pelo negro não fosse possível ser tratado em
tempo curto, ele, o próprio Joaquim, estaria responsável por terminar
com o dito "problema", ceifando a vida do negro enfermo, e se não
fizesse iria ao tronco para ser açoitado até a morte.

    Vô Joaquim ficou desesperado com a ordem dada pelo seu coronel.
Ele nunca poderia tirar a vida de um semelhante. Não sabia o que
fazer, clamava a "Senhora Lua" uma resposta, pedia a "Floresta Mãe" um
caminho. Rezou, orou e chorou, e após momentos de intensos pensamentos
desalinhados em sua mente, decidiu que não acataria as ordens dadas
pelo famigerado coronel, e dos seus cúmplices no extermínio aos seus
irmãos negros adoentados.

    Já disposto a falar com o coronel a sua decisão, e já preparado
para receber a pena que sofreria, entendendo que assim entregaria sua
vida mas não limitaria a vida de um só ser, Joaquim observando o céu
já anunciando a chegada das brilhantes estrelas que enfeitariam mais
uma noite linda, olha firmemente para a sua companheira brilhante, a
tão sublime Lua de Ogum e deixa suas lágrimas rolarem na face já
cansada.

    Por um instante escuta o som de um assobio intenso e agudo, no
qual lhe chama bastante atenção. Seguindo o som, Vô Joaquim se
entranha na mata. Os assobios se tornam mais intensos e cada vez mais
próximos. E sem ele menos esperar sai de trás de um tronco de árvore
um ser de aparência indígena, demonstrando serenidade, e seriedade
intensa.

    Vô Joaquim fica um pouco apreensivo, pois nunca tinha visto alguém
com essas características pela região. Mas mesmo assim fintou
firmemente os olhos do índio, que após abrir um ar de sorriso e logo
tornando seu rosto mais sério que antes disse:

    "Negro filho das matas e protegido pela Lua de meu irmão Ogum. Sua
decisão de entregar-se ao destino sombrio das mãos pecaminosas da
morte, é algo impensado e errôneo. Você Negro, filho das terras
africanas, terras essas que fazem dos homens símbolos da coragem e da
fé, não deve procurar apenas os caminhos impostos pelos seus senhores
brancos. A resposta desse seu impasse virá de uma caridade que deverá
prestar e da coragem que deverá demonstrar. Quando chegar o momento, tu Negro bondoso e caridoso, vai saber o que fazer. Agora retorne de onde viestes e se feche em oração a Oxalá e a Zambi, nosso Pai Maior."

    E assim o índio desaparece adentrando nas matas, apenas iluminado
pelos raios do luar que passavam pelas densas folhas das grandiosas
árvores, sem que ao menos Vô Joaquim percebesse o caminho tomado por
ele.

    O velho Joaquim, retornando até a margem do rio em que passava
horas em oração, sentou-se ao chão, levantou seu olhar para a deusa
Lua, abriu os braços como que se quisesse abraçar toda aquela força e
brilho emanada pela "penumbra de Zambi", e se voltou em orações, sem
mais pensar na decisão que tinha tomado horas antes.

    No dia seguinte, o Sol já raiava, e Vô Joaquim ainda se encontrava
sentado a beira do rio, quando ouve o trote acelerado de um cavalo que
trazia o feitor que aos gritos chamava pelo seu nome.
Após uma breve conversa, Joaquim entende que o coronel cafeicultor o
mandara buscar com urgência, pois a pequena sinhazinha, filha do
coronel, se encontrava adoentada, acamada, sem forças e todos temiam
pelo pior.

    O Velho Joaquim sobe a garupa do cavalo do feitor, e partem para a
casa grande, onde se encontrava a menina enferma.

    Ao chegar aos aposentos da menina, Joaquim se depara com um
coronel desesperado, choroso e clamando pela vida de sua amada filha
única. E essa se encontrava deitada, pálida e inerte.

    O coronel chega ao negro e lamenta intensamente, pede em tom baixo
que ele salve a sua filha.

    Vô Joaquim, com seu ar sereno, pede calma ao coronel. Ele se
ajoelha ao lado da menina, fecha os olhos e faz suas orações. Nesse
momento vem a sua mente a imagem do índio que lhe apareceu nas matas,
que lhe diz: "Chegou o momento de mostrar caridade e coragem."

    Nesse instante, num salto ímpeto, Joaquim se levanta olhando
fixamente aos olhos do coronel, lhe dizendo:

    "Meu senhor, infelizmente os males de sua pequena sinhazinha são
extremos. Poderá ela lutar pela vida, mas isso demorará intensamente.
Sendo assim, só tenho uma coisa a fazer, que será ceifar
antecipadamente com a vida de sua menina, assim como me ordenou a
fazer com a vida dos negros enfermos. E talvez como as mães e pais
desses negros que terei que antecipar a morte, o senhor coronel deverá
se conformar, pois estarei tão somente acatando suas ordens. Ordens
essa de ser o mensageiro da fria e sombria morte."

    O coronel ao ouvir isso se pôs de joelhos aos pés do velho negro,
clamando por ajuda, pedindo perdão e dizendo que agora ele entendeu a
dor de perder um ente querido, mesmo tendo a possibilidade de
salvá-lo. E que Joaquim poderia peregrinar por entre as senzalas,
rezando e fazendo suas benzeduras para salvar a todos os negros,
independente do mal e do tempo que isso levasse.

    Vovô Joaquim novamente se voltou a sinhazinha, se pôs em oração,
fez algumas compressas com ervas e raízes que ele tinha consigo, e
colocou no pequeno corpo da menina. Fechou os olhos e fez sua
benzedura. Ao abrir os olhos viu a imagem do índio aos pés da cama da
pequena enferma, que lhe deu um pequeno ar de sorriso. O índio abre os
braços em frente a menina, e Joaquim ouve o assobio tão característico
e conhecido para ele. O índio desaparece, e o negro com um sorriso
sereno, da continuidade a suas orações, e poucas horas depois a
pequena menina, já com um sorriso no rosto e um tom mais corado na
pele, abraça o velho Joaquim como se agradecesse pelo retorno a vida.

    O coronel muito agradecido, passou a tratar os negros com mais
respeito, atenção e dedicação. O velho negro Joaquim passou a viajar
por entre senzalas e fazendas, com uma charrete e um cavalo que lhe
foram dados pelo coronel, para salvar a vida de negros e brancos
enfermos, independente de tempo e qual fosse o mal do corpo ou
espírito.

    Hoje Vô Joaquim é um dos Pretos Velhos mais queridos e respeitados
da Religião de Umbanda. Com seu ar doce e sereno, um avô que todos
desejariam de ter, ele com suas calças brancas arregaçadas, pés
descalços, sua simplicidade e humildade, encanta a todos os filhos de
Umbanda.

    Podemos rotineiramente ver ele trabalhando ao lado de pés de
ervas, como arruda ou alecrim. Está sempre com uma vela traçada nas
cores preta e branca nas mãos, abençoando aos filhos que por ele
procuram. Também acostumamos vermos ele trabalhando com velas na
cor verde, que simboliza a cor do Pai das Matas, o Orixá Oxossi, na
qual ele tem imensa devoção.

    Esse Vovô amado não dispensa o seu cachimbo, composto com fumo e
algumas vezes com folhas secas de arruda e alecrim, para suas
cachimbadas leves, no qual solta sua fumaça no ar e fica admirando
como se estudasse cada forma.

    Esse é o nosso Velhinho Amado, o senhor da experiência, o negro
das matas, o contemplador da luz da Lua, o afilhado de Oxossi, nosso
querido Vovô Joaquim.

Saravá Vovô Joaquim!

Adorei as Almas!

Carlos de Ogum