domingo, 17 de dezembro de 2023

FALANGEIROS, CAPANGUEIROS E CATIÇOS

 

FALANGEIROS, CAPANGUEIROS E CATIÇOS



Quem nunca ouviu frases como “o Caboclo Fulano de Tal é um Caboclo de Oxalá”, ou “esse Exu só trabalha para Ogum”... Pois é! Há décadas escuto afirmações desse tipo que nunca chegam a um lugar comum. Em uma literatura, aquele Caboclo é de Oxalá; na outra, o mesmo Caboclo só trabalha para Xangô! Na terceira fonte, jura-se que ele é de Ogum! E as discussões se repetem e o consenso fica cada vez mais distante! E sabem o porquê disso? Simples: poucos conhecem a diferença entre o FALANGEIRO e o CAPANGUEIRO de um Orixá, que é o que vamos explicar a partir de agora!

Começando pelo mais fácil: entende-se por “falangeiro” todo espírito que atua dentro de uma FALANGE de trabalho. Falange, segundo nossa gramática, tem o sentido de “grupo organizado, com objetivos em comum” e, na Umbanda, esse termo é utilizado para designar conjuntos de espíritos que trabalham dentro de uma mesma vibração ou de um mesmo Raio Divino, realizando o mesmo trabalho e representando uma mesma força ou o Orixá. Nesse ponto, vale lembrar que os Orixás são IMANÊNCIAS de Deus, forças irradiadas de Si através dos Sete Raios Divinos; NÃO SÃO espíritos e NÃO SÃO deuses, mas apenas manifestações distintas do mesmo Criador e que, por isso, NÃO incorporam e não baixam em terreiros, já que NÃO HÁ como qualquer um de nós receber o próprio Deus (embora haja quem acredite nisso).

Mas, se não há como receber Deus, há, ao menos, como captar parte dessas vibrações divinas chamadas Orixás através de espíritos com alto nível consciencial que, pela sua condição evolutiva, se organizam em falanges e se propõem ao nosso auxílio, intermediando o nosso contato com essas vibrações de tão alta frequência; e fazem isso durante o trabalho mediúnico, captando-as do Cosmos e direcionando-as aos nossos chakras enquanto estão incorporados. Por trabalharem com as vibrações dos Orixás, esses espíritos assumem – para nosso melhor entendimento – o arquétipo que esperamos daquele Orixá, traduzido no seu comportamento, dança, formas de expressão e até mesmo na aparência percebida pelos clarividentes. Pelo trabalho que desempenham de forma tão organizada e estruturada, representando cada tipo de Orixá, nós os chamamos de “falangeiros dos Orixás”.

Exemplificando: dentro do Raio Vermelho, há a profusão das vibrações do Orixá Ogum, sendo irradiadas diretamente de Deus sobre toda a Criação. Espíritos que trabalham com essa vibração e que, por isso, são especialistas no manuseio das energias que ela traz – de atividade, luta, impulso e persistência -, dentro do trabalho umbandista assumem o arquétipo do Orixá, mantendo, durante a incorporação, a postura que esperamos da personalidade de um Guerreiro, através da aparência perispiritual, de danças, gestos e comportamento. Enquanto executam sua performance, sintonizam o campo vibratório do médium com as vibrações de Ogum irradiadas de Deus, facilitando-lhe a absorção de tudo que essas vibrações divinas podem prover. Esse é o trabalho que milhares de espíritos desenvolvem com seus médiuns ao representarem a vibração divina chamada Ogum. E, ainda, se dividem em representantes dos vários tipos de vibrações desse Orixá conhecidas na Umbanda, como Ogum Iara, Ogum Beira Mar, Ogum Sete Espadas, Ogum Megê e tantos outros.

O mesmo acontece com todos os outros Orixás irradiados de Deus. Quando os atabaques tocam louvando o Orixá Iansã, espíritos falangeiros dessa Orixá se aproximam de seus médiuns e, incorporando, dançam conforme esperamos do arquétipo da mulher guerreira e que comanda os ventos, evoluindo de forma leve e esvoaçante, mas firme e decidida. Os espíritos que se apresentam como Pedrinho e Mariazinha são falangeiros do Orixá Ibêji, o Orixá infantil; Tranca-Ruas e Maria Padilha são falangeiros do Orixá Exu; espíritos que representam o papel de Xangô Sete Pedreiras e de Xangô Agodô são falangeiros do Orixá Xangô; e o Caboclo Fulano e a Cabocla Beltrana, que trabalham dentro do Raio Verde com as vibrações das matas, são falangeiros de Oxóssi e Ossâin. Todo espírito, portanto, que baixa representando o arquétipo de um Orixá é, em suma, falangeiro DAQUELE Orixá e de mais ninguém!

Mas, além de representarem o arquétipo de Orixás, há falangeiros que representam arquétipos definidos para grupos de trabalho, e não de Orixás propriamente ditos, ainda que esses grupos – ou falanges - possam ter alguma ligação com a força de algum Orixá. O falangeiro que representa um Orixá, trabalha COM as vibrações desse Orixá, e o que representa arquétipo de grupos de trabalho, trabalha SOB a vibração daquele Orixá. O espírito que se apresenta como Martin Pescador, por exemplo, é falangeiro do grupo de trabalho - ou falange - dos Marinheiros. Ele usa o arquétipo que esperamos do marujo e trabalha SOB a vibração de Iemanjá, Orixá com o qual sua falange tem relação vibratória. A Cigana Sarita é uma falangeira do Povo Cigano e trabalha SOB a vibração do Povo do Oriente; Zé do Coco é falangeiro dos Baianos trabalha SOB a vibração de Iansã, e Pai Joaquim e Vovó Maria Conga são falangeiros dos Pretos-Velhos ou das Santas Almas Benditas e trabalham SOB a vibração de Xapanã.

O falangeiro, portanto, é aquele que integra um grupo de trabalho, onde todos os espíritos daquele grupo representam o arquétipo de um mesmo Orixá, trabalhando COM suas vibrações, ou que representam o arquétipo próprio de sua falange, trabalhando SOB a vibração de um Orixá.

No entanto, aquele espírito que trabalha com as vibrações da mata e se apresenta como Caboclo - e que, só por ser Caboclo, já é falangeiro de Oxóssi -, poderá estar, eventualmente, atuando através de um médium que seja filho de Ogum. Nesse caso, apesar de ser falangeiro de Oxóssi, ao trabalhar através daquele médium, especificamente, ele terá a incumbência de SERVIR a Ogum, de orientar seu filho a partir de suas ordens e de trazer para o médium seus recados e orientações. Nesse caso, então, ele continuará sendo – e sempre será - um falangeiro de Oxóssi porque é um Caboclo, mas estará atuando, através daquele médium, como CAPANGUEIRO de Ogum! A palavra “capangueiro” tem o mesmo sentido de servidor ou ordenança. Isso significa que, mesmo trabalhando com o elemento MATA e dentro das vibrações do Raio Verde, aquele Caboclo atuará sobre esse médium SERVINDO a Ogum, que é o seu Orixá principal.

Fica mais fácil de entender quando colocamos exemplos práticos! Imagine um professor de matemática. O trabalho dele é ensinar matemática, porque ele é especialista nessa matéria. Esteja onde estiver, ele sempre será um integrante do restrito grupo de pessoas que conhecem a fundo a matemática ou, em outras palavras, podemos dizer que ele é um “falangeiro dos matemáticos”, pois integra essa falange de trabalho e representa esse papel devido aos seus conhecimentos e habilidades específicas. Contudo, esse mesmo matemático poderá, ora estar lecionando no colégio A, ora no B e ora no C. Apesar de seu trabalho ser basicamente o mesmo em todos os colégios – porque, afinal, é o que ele sabe fazer -, quando estiver lecionando no colégio A, terá que seguir as determinações do diretor dessa escola; seu ritmo de aula terá que ser adaptado à programação pedagógica dessa instituição e, vez ou outra, terá que transmitir aos seus alunos recados, diretrizes e orientações dadas pela sua direção. Enquanto estiver trabalhando nessa instituição de ensino, portanto, ele será o Falangeiro Matemático, Capangueiro do Diretor A, pois estará a seu serviço e disposição. Quando estiver lecionando no colégio B, continuará a ser o mesmo Falangeiro Matemático, mas agora Capangueiro do Diretor B, e assim por diante.

Com essa explicação, elucidamos e exterminamos de uma só vez os conflitos seculares sobre a quem o Caboclo Fulano ou o Exu Beltrano devem servir! Caboclo É SEMPRE falangeiro dos Orixás Oxóssi ou Ossâin, porque Caboclo é entidade ligada ao elemento MATA e, por isso, trabalha com as vibrações do Raio Verde, regido por esses dois Orixás! Da mesma forma, a entidade Exu É SEMPRE falangeira do Orixá Exu! Mas o mesmo Caboclo que aqui é capangueiro de Oxalá, ali poderá ser de Xangô ou Ogum; assim como o Exu, dependendo apenas do Orixá principal do médium com quem trabalha. Aliás, não há razão específica para tal mas, normalmente, para Exus, pouco se usa o termo “capangueiro”. Para eles, é mais comum o uso dos termos “servidor” ou até mesmo “escravo”.

Pela observação da denominação com a qual se apresenta (Caboclo Fulano, Ogum Beltrano ou Exu Ciclano), já fica fácil saber de quem aquele espírito é falangeiro, pois a dica está em seu próprio nome: a palavra “Caboclo” indica que é falangeiro de Oxóssi ou Ossâin, e as palavras “Ogum” e “Exu” já são auto-explicativas. Mas, nem sempre, é tão fácil descobrir de quem ele é capangueiro pois, na maioria das vezes, os espíritos não incluem em seu nome pistas que deixem clara essa identificação; mesmo porquê, como já dissemos, isso é uma condição variável, e o mesmo Caboclo Fulano de Tal – que é sempre falangeiro de Oxóssi – poderá, eventualmente, ser capangueiro de Ogum, de Xapanã, de Oxalá, ou até mesmo de Oxóssi, dependendo apenas de quem seu médium seja filho. Contudo, em alguns casos é, sim, possível chegarmos a alguma conclusão pelo nome que utilizam. Os falangeiros de Ibêji, por exemplo, costumam incluir em seus nomes citações ao local de regência do Orixá a quem estão servindo através daquele médium. Rosinha da Cachoeira, é uma provável capangueira de Oxum, mas pode ser também de Ogum Iara, o Ogum que rege nos rios; Juquinha da Mata, é possível que seja de Oxóssi ou de Ogum Rompe-Mato; Zezinho da Pedreira, de Xangô; Mariazinha do Jardim, de Xapanã – já que o jardim é forma atenuada de referência a cemitérios –; e Aninha da Praia, de Iemanjá, de Oxalá – que também rege na praia -, ou mesmo de Xapanã, já que o mar é a grande calunga.

Já no caso dos falangeiros do Orixá Exu, como Maria Padilha, Tranca-Ruas e Tiriri, por exemplo, a identificação dos Orixás a quem servem é um pouco mais difícil. Pelo nome com que se apresentam, no máximo conseguimos identificar se servem a Orixás que rejam DENTRO ou FORA das calungas (grande ou pequena), porque eles costumam adicionar ao seu nome, não o local específico de regência do Orixá a que servem, como mata, cachoeira e pedreira, mas apenas a indicação de “fora” e de “dentro” do cemitério. Sendo de dentro, podem se apresentar como “da Praia” ou “do Cais” – em referência à Calunga Grande -, ou “do Cruzeiro”, “das Almas”, “da Encruzilhada da Calunga”, “da Catacumba”, e outros semelhantes, em relação à Calunga Pequena. Exus que atuam nesses locais, obviamente, terão maior condição de servir a Orixás que ali também rejam, como Xapanã, Iansã de Balé, Iemanjá (que rege na Calunga Grande), Ogum Megê, Xangô das Almas, e alguns tipos específicos – e raros - de Oxóssi, de Oxum e também de outros Orixás. Quando os Exus não trabalham nas calungas, apresentam-se como sendo “da Encruzilhada”, “do Cabaré”, “da estrada” e de outros lugares similares, e costumam servir a Orixás que também não têm ligação com cemitérios, como a maioria dos tipos de Oxum, de Oxóssi, de Xangô e outros mais.

O que determina, portanto, se aquele Exu pode ou não servir a um Orixá é o seu local de trabalho, embora esse local de trabalho não especifique, dentre vários Orixás possíveis, a qual deles, exatamente, aquele Exu serve. Assim, se o Exu Tranca-Ruas das Almas serve a Omolu em determinado médium, em outro poderá servir à Iansã de Balé, à Iemanjá ou a Ogum Megê. O mesmo valendo para Exu Caveira, Sete Catacumbas ou qualquer outro Exu do cemitério; mas nenhum desses servirá a um Orixá que não atue sobre as calungas. Se Maria Padilha do Cabaré serve à Oxum em um médium, em outro poderá servir a qualquer outro Orixá que também reja fora da Calunga, mas nunca poderá servir a um Orixá que atue dentro da Calunga, já que no cemitério não tem cabaré.

Além dos Exus, dos Caboclos e das Crianças, os falangeiros Pretos-Velhos, Boiadeiros, Baianos, Ciganos, Malandros e Marinheiros também servem como capangueiros dos nossos Orixás. O normal é que, com o transcorrer do desenvolvimento mediúnico, passemos a conhecer os capangueiros do primeiro e do segundo Orixá e, é possível que, cada um deles tenha até mais de um capangueiro. Mas NÃO NECESSITAMOS trabalhar com todos eles. Somente os mais importantes ao nosso equilíbrio é que se manifestarão no transcurso do trabalho mediúnico. O mais comum é que, se trabalhamos com um casal de Pretos-Velhos, um deles seja capangueiro do primeiro Orixá e outro do segundo, e o mesmo acontecendo com Caboclos e Caboclas, Exus e Pombagiras, Ciganos e Ciganas, Baianos e Baianas e Crianças (meninos e meninas). No caso de Boiadeiros e Marinheiros, como a própria representação desse grupo de trabalho é apenas masculina, não há a formação de casais.

De forma resumida, portanto, podemos dizer que “falangeiro é aquele que REPRESENTA uma força ou um Orixá, e Capangueiro é aquele que SERVE a uma força ou a um Orixá”. “Representar” significa “assumir o papel”, “vestir o arquétipo”, “comportar-se como”. E “servir” significa “obedecer”, “cumprir ordens de”, “atender a”. Essas definições, se bem entendidas, acabam de uma vez por todas com os desacordos que perduram há décadas nos meios umbandistas, sobre a forma de trabalho de nossos Guias. Mas, falamos dessas duas palavras – falangeiro e capangueiro - e ainda falta a terceira que foi mencionada lá no título desse texto: CATIÇO!

A palavra “catiço” não existe na língua portuguesa. Foi criada no meio candomblecista para se referir aos Caboclos, Pretos-Velhos e Exus de Umbanda, quase com o mesmo significado do termo “falangeiro”, mas com uma grande diferença: Para os candomblecistas, esses espíritos que trabalham na Umbanda são considerados EGUNS, e o termo “catiço” foi criado como sinônimo de “egun que trabalha na Umbanda”. Mas, repito o que já dissemos muitas vezes: essa é uma visão externa à nossa religião e, como tal, NÃO nos interessa! Para nós, que vivemos a Umbanda de dentro, a visão que temos de nossos Guias é outra, bem diferente do que se entende por “egun” e, por isso, não utilizamos a palavra “catiço”.

Aliás, da mesma forma que não devemos absorver as interpretações da nossa religião vindas de fora dela, também não devemos querer impor nossa visão sobre outra religião aos seus seguidores. Os candomblecistas, por exemplo, têm todo o direito de entenderem a Umbanda como acharem melhor; só não têm o de querer impor sua visão aos umbandistas. Da mesma forma, nós, umbandistas, temos todo o direito de ter o entendimento de que, seja onde for, quem baixa é um falangeiro representando o Orixá, e não o próprio Orixá, pelo simples fato de ninguém poder receber Deus. Mas não temos o direito de querer impor essa visão a quem ainda acredita que recebe a divindade. Isso seria falta de respeito e de caridade! E, se faltasse isso na Umbanda, a Umbanda não existiria!

OBS: Para melhor entendimento desse texto, não deixe de ler os textos abaixo: AS SETE LINHAS E OS SETE RAIOS DIVINOS

OS SETE RAIOS E SUAS VIBRAÇÕES

Amplexos,

Tata Luis

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