No Reino de meu Pai Oxalá,
em Aruanda e no Jacutá,
vi Pai Antônio chegar
para iluminar o nosso Gongá.
Preto Velho de paz e luz,
no reino da Umbanda saravou,
trazendo o nome de Menino Jesus,
em nosso Terreiro Pai Antônio chegou.
Sua luz intensa veio brilhar,
para salvar filhos de fé,
com seu tercinho começou a rezar,
deixando os filhos de Umbanda sempre de pé.
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Pai Antônio é um bondoso e amável Preto Velho, que trabalha nos
Terreiros de Umbanda, distribuindo a caridade, a luz, o amor e a paz
com seu tercinho abençoado por Oxalá e todos os Orixás.
Ele de um modo tranquilo e sereno, sempre pitando seu cachimbo,
bebendo seu café com mel em seu cuité e protegendo as pessoas que nele
tem fé.
Sua última passagem como encarnado nessa terra se passou pelos
meados do século XVIII e o século XIX, primeiramente em uma fazenda
cafeeira na região Sudeste do Brasil, onde era escravizado e obrigado
a trabalhar nas roças tanto de café quanto de cana de açúcar, sobre o
Sol forte, a chuva intensa, os maus tratos de feitores sobre o comando
do coronel que acreditava que os negros não passavam de animais, e
mereciam sofrer sobre as chibatas covardes, e os maus tratos no tronco
de torturas.
Mesmo assim Pai Antônio não perdia a fé, acreditava em uma força
maior, acreditava que Zambi (Deus) estava ali para lhe proteger de
suas possíveis desesperanças, seu instante de pouca fé, suas
angústias. E assim clamava, rezava e orava a esse tão amável protetor
de todos os filhos, passando essa mesma fé e esperança a seus filhos e
irmãos de raça, para que assim esses também pudessem crer de verdade,
com amor e convicção, sem se deixarem ser tomados pela tristeza que
teimava em nascer dia após dia.
Ele pregava a todos para não desanimarem, pois o desânimo os
entregariam para os braços da morte, e se entregando assim para a tão
temida morte sem lutar, estariam sendo infiéis a Zambi.
E com essas palavras Pai Antônio conduzia a todos os negros que
muitas vezes se sentiam sem esperanças a caminhar para um novo dia e
uma nova luta.
Pela manhã ou pela noite, dentro da senzala fétida, o amado Pai
Antônio tinha seu encontro com Zambi, e ali ele se entregava com todo
seu carinho e fé. Pedia forças não só para ele, mas para todos seus
irmãos de raça e seus filhos escravizados, que naquela época já tinha
algumas dezenas, sendo ele de boa saúde, forte e de extremo bom senso,
foi logo escolhido para ser procriador da fazenda.
Ele amava cada um dos seus filhos e filhas, tinha no coração a
alegria de vê-los crescer saudáveis e robustos. Mas da mesma maneira
as lágrimas nasciam em seus olhos assim como no seu coração quando por
algum motivo tinha que se separar de sua prole. E isso era constante,
seus filhos iam de senzala a senzala, e logo eram também
comercializados para outros coronéis em outras fazendas da região e
fora dela. E isso fazia Pai Antônio chorar, saber que um dos seus
filhos estaria distante, sendo açoitado, torturado, sofrendo nas roças
escaldantes.
Pai Antônio foi o primeiro negro da Fazenda a ter filhos gêmeos,
esse fato aconteceu com o entrelace de Pai Antônio com a negra
Joaquina, que era apenas uma menina na época, mas como era saudável e
bem jovem, o coronel a escolheu para ser reprodutora juntamente com
Pai Antônio.
Com ela Pai Antônio teve, além dos gêmeos, mais seis filhos, sendo
a última que fora chamada de Antônia em homenagem ao pai.
Com os fatos acontecidos em relação a Joaquina, no qual podem ser
esclarecidos nesse link:
Vovó Joaquina e sua história.
Http://umbandayorima.blogspot.com.br/2014/09/vovo-joaquina-e-sua-historia.html
Pai Antônio fica com uma grande revolta contra os feitores, e faz
disso sua força de continuar a lutar em prol da liberdade dos negros.
E começa a pregar pela liberdade de todos, sendo de uma forma
refletida, mas como não teria nenhuma chance de diálogo com os
coronéis, resolveu ele partir para a fuga, sem deixar para trás seus
irmãos e filhos.
Começou a pregar essa ideia por entre as senzalas da fazenda, ia
em cada uma delas para aplicar seu plano de fuga, e com o idealismo de
chegar ao primeiro quilombo que conseguisse encontrar, para se
refugiar, proteger seus semelhantes e retornar com mais força e assim
continuar buscando os negros de outras fazendas da região.
Mas infelizmente Pai Antônio não contava que um dos negros de uma
senzala que ficava dentro da área da fazenda, senzala essa que
abrigava os negros que trabalhavam nas roças de algodão, bem distante
da senzala que Pai Antônio habitava, iria revelar seus planos a um
feitor com fama de torturador de negros.
Mas assim foi feito pelo escravo.
Pai Antônio continuava suas andanças por toda a fazenda e por
todas as senzalas, tentando mostrar que todos deviam fugir dali, que
ele estava na busca de uma saída, na busca do Quilombo mais próximo. E
os escravos sonhavam com essa liberdade, dezenas deles apoiaram Pai
Antônio, estavam preparados para a fuga, estavam imaginando com
alegria o dia que chegariam ao Quilombo, sonhavam com o frescor e a
tranquilidade da liberdade.
Após todo o relato ser feito ao feitor sanguinário pelo escravo
delator, esse ficou observando juntamente com seus jagunços cada passo
de Pai Antonio. E um certo dia, com a ajuda do negro delator, o feitor
junto com os jagunços chegam até o nosso amado Antônio no exato
momento que ele passava novas instruções aos outros negros.
Ele foi amarrado e açoitado na frente de todos, foi arrastado até
o tronco de torturas, e la ficou por vários dias e noites sendo
castigado pelo feitor.
A jovem Joaquina soube dessa tortura, ficou desesperada em busca
de ajuda, chegando até o coronel da fazenda, que ainda não sabia do
ocorrido, e a ele pediu clemência, pediu pela vida de Antônio. O
coronel foi buscar respostas com seu feitor, e ao saber do ocorrido
disse que não teria como perdoar o negro, pois ele incentivou a fuga
de dezenas de negros de sua fazenda, portanto deveria ser castigado
até a morte.
Joaquina se lança aos pés do coronel pedindo perdão, e ao ver ele
irredutível, diz com um grande ódio no olhar:
"Com essa maldade, senhor coronel, meus filhos foram mortos,
outros foram jogados a senzalas podres para morrer. Com essa maldade,
senhor coronel, meu ventre morreu junto com meus filhos, sobrando
apenas minha filha amada. Se agora senhor coronel, matar o pai dela,
ela morrerá também, e com essa maldita maldade que exala de seu
coração, se isso acontecer, sua própria maldade vai acabar com sua
família assim como está acabando com a minha."
O coronel imaginando saber que muitos negros eram feiticeiros,
temeu as palavras da negra. Olhou para o feitor e mandou soltar o
negro Antônio. Ele ficaria livre do castigo mas não poderia mais viver
na fazenda.
A negra Joaquina ajudando o negro torturado a se levantar, o levou
para a senzala, cuidando de seus ferimentos.
Dias após o acontecido chega a fazenda um negociador de escravos,
e estava ali para levar Pai Antônio para outra fazenda, isso dito pelo
coronel, que na verdade tinha outras intenções. Antônio ia sim para
outra fazenda, mas esse negociador de escravos não só negociava a
compra e venda de negros, negociava também a morte de negros que
ousavam a desobedecer seus senhores, como o coronel não queria que
Antônio morresse dentro de sua fazenda, ele fez com que todos os
negros acreditassem que ele seria vendido para uma fazenda próxima,
sem que eles soubessem que nessa fazenda teria um cárcere que sempre
era usado para torturar e assassinar os negros que por qualquer motivo
fossem vistos como problemas aos coronéis da região.
Pai Antônio fora levado para essa fazenda, ao chegar lá foi logo
colocado no tronco, açoitado, torturado, humilhado pelos jagunços e
feitores.
Após muitas e muitas horas de torturas, o negro Antônio perde os
sentidos, seu corpo inerte pendurado pelas correntes do tronco,
parecendo que já estaria sem vida, quando alguns negros tentando levar
um cuité de água para buscar a reanimação do pobre sofredor também são
açoitados pelos feitores e jagunços, ele forçando as pálpebras
reabrindo os olhos, e com a voz fraca e quase incompreensível, começa
a rezar e a clamar pela ajuda de Zambi.
Suas orações parecendo que foram levadas aos céus pelos Anjos do
Senhor traz ao negro uma força quase indescritível, que por mais
machucado, tanto fisicamente quanto moralmente, ele se ergue, sua voz
começa a ter um tom mais alto e forte. Sempre clamando a Deus, ele
olha ao céu e agradece ao Pai Maior a força concedida. E isso faz com
que os feitores ficassem um tanto apreensivos, pois como que um negro
que após tanto tempo de tortura, que todos já jugavam estar
desencarnado poderia de uma hora para outra ter tanta força de viver?
Alguns se afastaram do negro, imaginando ser algum tipo de
feitiçaria, outros não saíram do lugar, mas se calaram, aguardando as
ordens do chefe dos feitores. E esse chefe foi o primeiro a se
manifestar. Com ódio nos olhos, disse que o negro deveria apanhar
mais, e ele mesmo foi até o tronco com açoite na mão. Quando ia
deferir a primeira chibatada, suas mãos tremeram, no mesmo instante um
enorme facho de luz desceu do céu indo direto a seus olhos. A luz era
tão forte e intensa que seus olhos secaram, e ele sem nada enxergar,
caiu de joelhos ao chão, com as mãos tampando os olhos em gritos de
desespero.
Um dos jagunços correu até a casa grande em busca do coronel, e
esse veio até o local do acontecido. Esbravejando, o coronel mandou
seus jagunços exterminarem o negro, mas todos se afastavam, com um
grande receio de algo parecido com que aconteceu com o feitor
acontecessem com eles.
O coronel esbravejou mais, o ódio estava estampado em seu rosto.
Os negros que estavam em volta se ajoelharam, e junto com Pai Antônio
rezavam e clamavam a Zambi, o coronel mandava todos se calarem, mas as
orações se prolongavam. Ele enfurecido, de sua cintura pegou uma arma
de fogo, apontou para o negro que estava acorrentado no tronco, e
disparou. O zumbido oco do estampido tomou conta de todo espaço, e
logo veio o segundo som da morte, o cheiro de pólvora se espalhou no
ar, e quando todos esperavam ver o sangue do negro jorrando pela
terra, ele estava lá, firme, de olhar intenso, sereno.
O coronel não acreditou no acontecido, sua fúria se tornou mais
intensa, seus olhos irradiavam ódio, ele no ímpeto vendo o açoite no
chão, foi até ele com intenção de açoitar o negro preso até a morte.
Ao levar a mão no açoite, uma serpente rastejante e extremamente
nociva o ataca dando um bote certeiro em sua jugular, fazendo-o cair
aos gritos de dor e desespero.
Pai Antônio ao ver o acontecido pede aos feitores para soltá-lo,
pois ele iria salvar a vida do coronel. Atendido prontamente, ele
rapidamente corre até a entrada da mata, sem muita escolha junta um
emaranhado de ervas, raízes e casca de algumas árvores. Desse
emaranhado ele faz uma junção com um pouco de terra e água. Leva tudo
ao encontro do coronel envenenado, faz uma espécie de emplasto
colocando sobre a jugular dele. Nesse momento o coronel, já febril e
sem sentidos, não tem nenhuma reação. Pai Antônio se coloca de
joelhos, e como em transe, fala várias palavras e frases que não são
compreendidas pelos observadores.
A sinhá, esposa do coronel, avisada por um dos jagunços sobre o
acontecido, chega rapidamente no local, em desespero, olhos tomados
pelas lágrimas, implora ao negro que ele salve o coronel.
Antônio continua como em transe, e com as mãos sobre o emplasto
colocado, ele continua suas frases, quando de repente suas mãos tremem
numa intensidade muito maior, seus braços já não tendo como suportar
tanta energia, seu corpo tomado por aquela força invisível, ele tomba
como se perdesse os sentidos, e no mesmo instante o coronel abre os
olhos, a dor se acalma, o estado febril já não existe mais. Sente seu
corpo fraco, olha em volta, vê o negro caído, observa as pessoas de
olhares assustados, vê sua esposa com um sorriso de felicidade e
tranquilidade.
A sinhá ordena aos que estão em volta para levarem o coronel para
a casa grande, e também deveriam levar o negro Antônio juntamente para
o mesmo local. E assim foi feito. Após algumas horas de reabilitação
Pai Antônio já estava de ´pé, sua fé e força o restabeleceu, tanto da
tortura sofrida quanto do fatídico gasto de energia utilizada para
salvar a vida do coronel.
O coronel ficou eternamente agradecido, e deste dia em diante
mandou retirar o tronco de sua fazenda, a senzala da morte foi
queimada, Pai Antônio ficou sendo um dos braços direito do coronel nos
trabalhos na lida, muito respeitado por todos.
Ele viveu na fazenda mesmo depois do desencarne do coronel,
muitos e muitos anos depois, e mesmo tendo um tratamento diferenciado
onde residia, sentia saudades de sua antiga fazenda, de seus irmãos de
raça, de seus filhos, em especial de sua filha, a menina Antônia,
conhecida como "Tonha", a filha da negra Joaquina.
Com muito carinho temos a benção de ter como trabalhador na
Umbanda, em prol da caridade esse Preto Velho de luz e fé. O grande
buscador da paz e distribuidor das bençãos de Zambi, nosso Pai Maior.
Saravá e sua benção meu amado Pai Antonio das Almas.
Carlos de Ogum.