CONTOS DE TERREIRO – O ERÊ QUE NÃO QUERIA DOCES
CONTOS DE TERREIRO – O ERÊ QUE NÃO QUERIA DOCES
E o clima era de felicidade, festa de Cosme e Damião, não era para ser diferente. Várias crianças se aglomeravam na assistência do terreiro, enquanto os cânticos aconteciam, convidando os Erês para brincar no Aiyê (terra).
“Cosme e Damião, a sua casa cheira!
Cheira cravo e cheira rosa,
Cheira flor de laranjeira.”
Como de costume, os médiuns – homens e mulheres adultos – começam a exibir expressões de sorrisos incontidos e se jogam no chão com o típico cruzar de pernas, popularmente conhecido como perna de índio. Começam a falar e pedir seus elementos:
– Oi tio! Oi tia! Eu Cheguei!!! ‘Tô tão feliz!
Pegavam bolas, bonés, atiradeiras, carrinhos e bonecas. Alguns dos adultos usavam até chupeta e penteavam seus cabelos com dois tuchos separados de cabelo. Comiam doces, pediam água com bolinhas (guaraná) e faziam aquela bagunça. Todos completamente imundos e melados de doces.
Porém, um dos erês manifestado ficava rindo em seu lugar, falando com os consulentes como os demais e trazendo a eles aquela sua doce e encantadora palavra, natural desse linha tão linda. Mas, em momento algum, comia os doces. Claro que seu ponto estava repleto de bombons, que eram devidamente doados a cada um que sentava na sua frente.
Uma cambone estranhando o fato, foi lhe oferecer um pouco de guaraná e também bolo. Eis que o serelepe responde:
– Tia, eu não gosto disso não! É ruim, faz mal!
– Você não gosta de guaraná e de bolo então? – Pergunta a Cambone.
– Gosto não! – Olhou o Erê com o olhar condescendente.
– Mas o que você quer então, pequeno?
– Nada tia, só quero conversar com as pessoas.
– Ah! Mas deve haver algo que você gosta de comer. – Interrogou, forçando, a cambone.
– Tia, olha pra mim. Eu não tenho matéria, então não preciso de comida. Mas eu gosto do gosto de fruta tia. Pêssego, Melancia, Melão, Mamão e Banana! Laranja Lima e Limão também! – Riu gostosamente – e bebo água gostosa e também a água da fruta (suco).
A cambone olhou para a mesa e não viu nada que pudesse agradar o pequeno, pediu desculpas e permaneceu a seu lado, enquanto o pequeno fazia sua mirongas.
Uma senhora começou a servir um lanche embrulhado em papel alumínio para todos os presentes, inclusive para os erês, que se amontoavam para pegar o pequeno embrulho. Chegando perto do Erê que não queria doces, a senhora lhe ofereceu. Ele olhou para ela com o olhar triste, muito caído e disse:
– Tia, eu não como animal!
A Cambone que já tinha levado um susto com a negativa de comer doces, se assustou e disse que era apenas um lanche. Então a criança do Orum diz:
– Dentro tem animal tia. Não se deve comer animal, só se deve amar animal! Brincar! Lamber! E também respeitar o animal tia.
Em choque a senhora que trazia os lanches disse:
– Realmente, tem patê de frango dentro do lanche. Eu não me dei conta, é algo tão natural para nós.
O Erê ouvindo, sorriu para o moça e disse:
– Não se preocupa tia, você fez com boa intenção e Papai do Céu já olhou por você. Agora dê o restante pra quem tem fome de verdade tia, pois quem tá aqui tem fome de fé e não de comida.
E continuou sorrindo e brincando demoradamente com a espada de Ogum que acabara de lhe ser entregue nas mãos.
Salve a sabedoria das Crianças!
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