terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Qual a visão espírita sobre a Arca de Noé?

 

Qual a visão espírita sobre a Arca de Noé?



Allan Kardec, na questão 59 de O Livro dos Espíritos, ao tecer considerações sobre as concordâncias bíblicas concernentes à criação, informa que os povos, em função de limitados conhecimentos, acabaram por formar ideias muito divergentes acerca da criação e que, a razão fundamentada na Ciência pode comprovar a inverossimilhança de algumas teorias. Ressalta que as orientações que os Espíritos nos oferecem confirmam a opinião há muito admitida pelos homens mais esclarecidos.


Na sobredita questão, o codificador do Espiritismo aborda a questão do dilúvio geológico e o de Noé, entendendo que são cataclismos distintos. A geologia mostra que o grande cataclismo é anterior à aparição do homem, pois até hoje não se encontrou nas camadas primitivas qualquer traço de sua presença, nem de animais da mesma categoria.


Por esse raciocínio, considerando que contra a evidência científica não há raciocínios possíveis, conclui-se que o grande dilúvio geológico não foi o mesmo de Noé, posto que neste último a raça humana já se fazia presente. Desta feita, a existência do homem antes do dilúvio geológico é, tão somente, hipotética.


Caso, algum dia, a ciência encontre traços da existência do homem anteriores à grande catástrofe, estaria provado que Adão não foi o primeiro homem, ou que a sua criação se perde na noite dos tempos.


Kardec continua seu raciocínio, afirmando que:

Admitindo-se que o homem tenha aparecido pela primeira vez na Terra 4.000 anos antes do Cristo e que, 1.650 anos mais tarde, toda a raça humana foi destruída, com exceção de uma só família, resulta que o povoamento da Terra data apenas de Noé, ou seja: de 2.350 anos antes da nossa era. Ora, quando os hebreus emigraram para o Egito, por volta de 1700 a.C., encontraram esse país muito povoado e já bastante adiantado em civilização. A História prova que, nessa época, as Índias e outros países também estavam florescentes, sem mesmo se ter em conta a cronologia de certos povos, que remonta a uma época muito mais afastada. Teria sido preciso, nesse caso, que de 2300 a 1700 a.C., isto é, num espaço de 600 anos, não somente a posteridade de um único homem houvesse podido povoar todos os imensos países então conhecidos, suposto que os outros não o fossem, mas também que, nesse curto lapso de tempo, a espécie humana houvesse podido elevar-se da ignorância absoluta do estado primitivo ao mais alto grau de desenvolvimento intelectual, o que é contrário a todas as leis antropológicas [grifo nosso].


Conclui-se, desta feita, que os textos bíblicos são figurados. A conclusão mais lógica defendida por Kardec é que o dilúvio de Noé tenha sido uma catástrofe parcial, confundida com o cataclismo geológico. Tal raciocínio está previsto no livro A Gênese134, no capítulo referente às evoluções do globo. Afirma o Codificador ser o dilúvio bíblico, também conhecido por “grande dilúvio asiático”, fato cuja realidade não se pode contestar, devendo o levantamento de uma parte das montanhas daquela região tê-lo ocasionado, sendo esta ideia corroborada pela existência de um mar interior, que ia do mar Negro ao oceano Boreal, segundo observações geológicas.

Conforme explica o Codificador, o mar de Azov, o mar Cáspio, cujas águas são salgadas; o lago Aral e os inúmeros lagos espalhados pelas imensas planícies da Tartália e as estepes da Rússia parecem ser resquícios daquele antigo mar. Posteriormente ao dilúvio universal, em decorrência do levantamento das montanhas do Cáucaso, parte daquelas águas foi levada para o norte, na direção do oceano Boreal e, outra parte para o sul, em direção ao oceano Índico. Estas teriam, então, inundado e devastado exatamente a região da Mesopotâmia e toda a área habitada pelos antepassados do povo hebreu.


Acresce que, conquanto esse dilúvio tenha se estendido por uma superfície muito grande, é atualmente ponto averiguado ter sido ele apenas local, não podendo ter sido causado por chuva. Por mais forte que fosse e, ainda que durante quarenta dias, os cálculos dão prova de que a quantidade de água não seria suficiente para cobrir toda a terra, acima das mais altas montanhas.


Para os homens daquela época, conhecedores apenas de uma extensão muito limitada da superfície do globo e sem total ideia da sua configuração, a inundação que invadiu os países até então conhecidos, gerou a falsa percepção de que a Terra inteira foi alagada. Além disso, ressalta que se a esta crença acrescentarmos a forma imaginosa e hiperbólica da descrição, segundo o estilo peculiar oriental, não nos surpreende o exagero da narração bíblica.


Fica demostrado, portanto, ter sido o dilúvio asiático posterior ao aparecimento do homem na Terra, visto que a lembrança dele se conservou pela tradição em todos os povos daquela parte do mundo, os quais o consagraram em suas histórias. Da mesma forma, ocorreu após o grande dilúvio universal que assinalou o início do atual período geológico. Então, quando se fala em homens e animais antediluvianos, refere-se ao primeiro grande cataclismo, ou seja, o geológico.