Judas tinha a missão de entregar o Cristo?
Judas tinha a missão de entregar o Cristo ou Jesus teria que ser crucificado, independentemente da sua ação?
Não existe planejamento reencarnatório para o mal, com a finalidade de prejudicar o próximo. Deus, no entanto, dentro de limites estabelecidos pelas Suas próprias leis, não infringe a lei do livre-arbítrio, de modo que Judas teve total liberdade para escolher de que forma agir.
Em O Livro dos Espíritos, a Espiritualidade superior informa-nos que, antes de começar nova existência corporal, o próprio Espírito escolhe o gênero de provas por que há de passar, nisso consistindo o seu livre-arbítrio, mas que nem todas as tribulações da vida, em seus mínimos detalhes, foram previstas e buscadas por nós, visto escolhermos apenas o gênero das provações, sendo as particularidades consequências das nossas próprias ações. Assim, continua a Espiritualidade, caso optemos por nascer entre malfeitores, conquanto saiba o Espírito de sua exposição a inúmeros arrastamentos, ignora quais atos efetivamente praticará e se terá êxito ou não, considerando resultarem os atos do exercício da sua vontade.
Chico Xavier, no programa Pinga Fogo da extinta TV Tupi, ao ser questionado se Judas foi um traidor ou se fazia parte de um programa para salvar Jesus Cristo, respondeu nascerem todos com certas tentações e que, se não estivermos vigiando, acabaremos por praticar males maiores do que os já cometidos em vidas anteriores e, conquanto possamos ser instrumento para resgate de determinadas situações ou peças na engrenagem, iremos sempre responder pelas nossas atitudes e escolhas, principalmente quando não se resiste às más inclinações. Acredita ter Judas renascido com tentações muito grandes para se apropriar da autoridade política e de exigir que Nosso Senhor Jesus Cristo tomasse as rédeas do poder humano, mas pensa que ele não deveria ter permitido que as más inclinações assumissem o caráter que assumiram.
Jesus, tendo que ser crucificado, o seria com ou sem as ações perpetradas por Judas, pois assim tinha que acontecer, de modo que a profecia sobre o Messias cumprir-se-ia de qualquer maneira. Era uma época excessivamente violenta, repleta de tiranos, levando-nos a natural conclusão de que Jesus seria morto independentemente da ação de Judas. Informações trazidas em diversas literaturas espíritas demonstram ter o Espírito de Judas sofrido muito após a sua desencarnação, tanto pelo arrependimento da ação realizada quanto pelo suicídio, expiando seus erros num período de mil e quinhentos anos, em diversas reencarnações, nas quais foi evoluindo e depurando seu Espírito, alcançando a remissão completa durante a existência em que foi Joana d’Arc, na França do século XV.
Em Crônicas de Além-Túmulo, o Espírito Humberto de Campos, escreve uma crônica intitulada “Judas Escariotes”, contando que em visita à cidade de Jerusalém durante a noite, nas margens caladas do Jordão, avistou um homem sentado sobre uma pedra. Este homem era Judas. Foi informado que os Espíritos, às vezes, podem reapreciar seus passados, muito embora já tenham alcançado o progresso. Durante esses momentos, visitam lugares onde se engrandeceram ou prevaricaram, momentos em que se sentem novamente transportados aos tempos antigos. E era o que acontecia com Judas naquela hora, mergulhando seus pensamentos no passado, retornando ao presente cheio de propósito. Humberto, ao aproximar-se de Judas, sente a perfeição daquele Espírito e busca um diálogo, quando então questiona se tudo aquilo que reza o Novo Testamento acerca do seu papel na tragédia da condenação de Jesus é verdade. Judas responde: Em parte. Os escribas que redigiram os evangelhos não atenderam às circunstâncias e às tricas políticas que acima dos meus atos predominaram na nefanda crucificação. Pôncio Pilatos e o tetrarca da Galiléia, além dos seus interesses individuais na questão, tinham ainda a seu cargo salvaguardar os interesses do Estado romano, empenhado em satisfazer as aspirações religiosas dos anciãos judeus. Sempre a mesma história. O Sanedrim desejava o reino do céu pelejando por Jeová, a ferro e fogo; Roma queria o reino da Terra. Jesus estava entre essas forças antagônicas com a sua pureza imaculada. Ora, eu era um dos apaixonados pelas idéias (sic.) socialistas do Mestre, porém o meu excessivo zelo pela doutrina me fez sacrificar o seu fundador.
Acima dos corações, eu via a política, única arma com a qual poderia triunfar e Jesus não obteria nenhuma vitória. Com as suas teorias nunca poderia conquistar as rédeas do poder já que, no seu manto de pobre, se sentia possuído de um santo horror à propriedade [grifo nosso].
E continua Judas: Planejei então uma revolta surda como se projeta hoje em dia na Terra a queda de um chefe de Estado. O Mestre passaria a um plano secundário e eu arranjaria colaboradores para uma obra vasta e enérgica como a que fez mais tarde Constantino Primeiro, o Grande, depois de vencer Maxêncio às portas de Roma, o que aliás apenas serviu para desvirtuar o Cristianismo. Entregando, pois, o Mestre, a Caifás, não julguei que as coisas atingissem um fim tão lamentável e, ralado de remorsos, presumi que o suicídio era a única maneira de me redimir aos seus olhos [grifo nosso].
Após este relato emocionado, informa Judas que após o seu trágico desencarne, submergiu em séculos de sofrimento expiatório, sofrendo enormemente nas perseguições infligidas em Roma aos seguidores da doutrina do Nazareno, tendo as suas provas culminadas em fogueira inquisitorial, quando então, imitando o Mestre, foi traído, vendido e usurpado, deixando naquele momento a Terra, na Europa do século XV, os derradeiros resquícios do seu crime. Acresce, ainda, que desde esse dia entregou-se por amor do Cristo a todos os tormentos e infâmias que lhe aviltavam, sempre com resignação e piedade pelos verdugos, tendo condições assim de fechar o ciclo das dolorosas reencarnações na Terra, “sentindo na fronte o ósculo de perdão” da própria consciência.
Informa a Humberto de Campos ali estar rememorando os fatos, encontrando-se agora irmanado com o Mestre Jesus, que se acha em seu luminoso Reino das Alturas. Diz que ainda O vê na cruz e sente a injustiça daqueles que o abandonaram. Observa que em todas as homenagens presta- das a Jesus naquele período é sempre a figura repugnante do traidor, embora seja complacente com aqueles que o acusam sem mesmo refletir se podem atirar a primeira pedra. Finaliza esclarecendo estar saciado de justiça, pois que foi absolvido pela sua consciência no “tribunal dos suplícios redentores”.
Cabe destacar que o Espírito de Judas, muito antes de reencarnar como Joana d’Arc, já havia se depurado muito, de modo que sua existência como mártir da França significou, tão somente, a última gota para quitar definitivamente suas dívidas na Terra. Para que possamos compreender a dimensão da atual elevação espiritual de Judas Escariotes, recordemos as palavras de Humberto de Campos ao dizer “entre as minhas maldades de pecador e a perfeição de Judas existia um abismo”. O Espírito Humberto de Campos, agora em Boa Nova, narra um diálogo entre Judas e Tiago Zebedeu sobre o poder político que o Mestre devia ter, tendo ocorrido essa conversação no dia em que Jesus entrou triunfante em Jerusalém. Judas acreditava que nunca fariam a Doutrina de Jesus vencer sem o poder material dos homens poderosos da Terra, afirmando: Não concordo com os princípios de inação e creio que o Evangelho somente poderá vencer com o amparo dos prepostos de César ou das autoridades administrativas de Jerusalém que nos governam o destino. Acompanhando o Mestre nas suas pregações em Cesaréia, em Sebaste, em Corazim e Betsaida, quando das suas ausências de Cafarnaum, jamais o vi interessado em conquistar a atenção dos homens mais altamente colocados na vida. É certo que de seus lábios divinos sempre brotaram a verdade e o amor, por toda parte; mas só observei leprosos e cegos, pobres e ignorantes, abeirando-se de nossa fonte.
E, dando sequência ao seu pensamento, acrescenta Judas:
Vimos hoje o povo de Jerusalém atapetar o caminho do Senhor com as palmas da sua admiração e do seu carinho; precisamos, todavia, impor a figura do Messias às autoridades da Corte Provincial e do Templo, de modo a aproveitarmos esse surto de simpatia. [...] interpelado que vou ser hoje por amigos influentes na política de Jerusalém farei o possível por estabelecer acordos com os altos funcionários e homens de importância, para imprimirmos novo movimento às idéias (sic.) do Messias.
Judas, mesmo sob as orientações ponderadas de Tiago para que tivesse cuidado, passou a noite inquieto, refletindo se não seria ideal acelerar o “triunfo mundano do Cristianismo”. Na manhã do dia seguinte, dirigiu-se ao Sinédrio e realizou os devidos acordos. Humberto de Campos recorda que Judas, conquanto feliz com a sua mesquinha gratificação e desvairado no seu espírito ambicioso, amava o Messias, aguardando o momento do triunfo para lhe dar a “alegria da vitória cristã, através das manobras políticas do mundo”.
Todavia, os homens do Sinédrio traíram Judas e o Mestre foi crucificado. Judas, amargurado pelo remorso, contempla todas as cenas angustiosas e humilhantes do Calvário, momento em que rolavam lágrimas ardentes dos olhos. E mesmo durante aquela confusão de sentimentos torturantes, acalentando o propósito de desertar do mundo, Judas ouvia a voz do Mestre, consoladora e inesquecível, dizendo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai, senão por mim!...”.
Outra menção a Judas encontra-se no livro Pontos e Contos, do autor espiritual Irmão X, no capítulo “Nas pegadas do caminho”, no momento em que Tiago, apóstolo que continuou em Jerusalém, e Matias, sucessor de Judas, demandavam Betânia e falavam acerca de Judas e sua ação. Tiago afirmava que, em seu sentir, não havia palavras que pudessem escusar o feito de Judas, nem advogados, nem desculpas, tendo sido perverso e infame, que seria sempre um réu diante da humanidade por ter entregado o Mestre aos sacerdotes criminosos e provocado a tragédia do Gólgota.
Segundo Tiago, Judas queria adquirir a direção de grupo ao qual pertenciam, ombrear-se com os rabinos do Templo, cativar a simpatia dos romanos dominadores e dar início a uma organização financeira, submeter o próprio Mestre à sua vontade, acreditando ter ele condenado Jesus deliberadamente à morte. Na oportunidade, Tiago chega mesmo a duvidar de seu arrependimento, pois que um traidor como aquele não encontraria pranto nos olhos.
Enquanto andavam, perceberam a aproximação de um peregrino vestido de luz resplandecente. Era Jesus. Os apóstolos reconheceram o Mestre, choraram, pediram a Sua benção e Tiago informou que podiam voltar para Jerusalém para receberem a Sua vontade, quando então Jesus responde não estar indo à cidade, mas seguindo em missão. Neste momento, sem dizer mais nada, o Divino Mestre continuou sua caminhada solitária, em sublime silêncio, dando Seu magnífico exemplo de perdão e amor ao próximo.
O ideal é que possamos estar sempre vigilantes, visto que, assim como Judas, podemos cair em tentações a qualquer momento. Sejamos, por fim, gratos a Deus por nos dar a oportunidade de repararmos nossos erros, por meio do trabalho, do esforço e, até mesmo, da dor, construindo um futuro de luz e felicidade.