segunda-feira, 5 de agosto de 2019

APARÊNCIA MODIFICADA DOS ESPÍRITOS

Na obra intitulada Aruanda, escrita por Robson Pinheiro através do espírito de Ângelo Inácio, houve uma oportunidade de trabalho espiritual num lugar em que o espírito de Ângelo não era muito bem conceituado. Naquele trabalho participaram também o espírito de Euzália, Silva e Wallace, que já conheciam bem a natureza do trabalho que estavam prestes a fazer.
Os espíritos teriam que fazer uma série de modificações para que pudessem se harmonizar com o serviço. O motivo não era somente pelo trabalho, mas por ser na crosta terrestre, morada dos homens, cuja atmosfera é muito densa. Entre as modificações estava a mudança da faixa vibratória. Ângelo descreve o porquê da necessidade dessa mudança de faixa vibracional:
“O plano astral é caracterizado por uma espécie muito densa de fluidos ambientes, produto da atmosfera psíquica que lhe dá origem, povoado de formas e criações mentais repletas do conteúdo emocional de nossos irmãos encarnados. Por ser área de transição, encontra-se mergulhado num oceano de vibrações que podemos classificar como inferiores.
Os elementos que constituem essa região são, em essência, a fuligem emanada dos pensamentos desgovernados e a carga emocional tóxica que envolve encarnados e desencarnados em estágios mais primitivos ou
acanhados de desenvolvimento espiritual, bem como as criações mentais de magos e cientistas das trevas. Junta-se a tudo isso, ainda, a contribuição triste da paisagem que se observa nestas regiões sombrias do mundo astral.”
Mas antes de adentrar na morada humana, na crosta terrestre algumas outras modificações deveriam ser feitas além da mudança de faixa vibracional. Dessa vez, Ângelo comenta sobre a mudança na aparência perispiritual, que nesse caso ocorreu num posto de socorro espiritual, localizado numa zona de transição:
“(…) São albergues, prontos-socorros, casas de transição e comunidades inteiras de espíritos benfeitores que sobrevivem em meio ao ambiente insalubre da natureza astral, trabalhando para resgatar almas, esclarecer consciências e prestar socorro a milhares de espíritos despreparados para a vida superior. São agrupamentos de almas valorosas, que constroem tais abrigos provisórios e os mantêm pela força do pensamento elevado e do sentimento de solidariedade em relação aos espíritos sofredores.
Nossa pequena caravana se dirigia a um desses postos de socorro abençoados, antes de penetrarmos a morada dos homens. Aquela altura atingíamos uma região de difícil locomoção, devido ao intenso nevoeiro e à ventania, que parecia querer destruir tudo ao redor.
Ouvimos vozes, sussurros e ruídos estranhos, que, aos poucos, foram se avolumando por todos os lados. Confesso que fiquei ligeiramente apreensivo ao passar pela região, mas o olhar firme e confiante de Euzália e do companheiro Silva me inspirou confiança para prosseguir. O silêncio em nossa caravana foi quebrado por Euzália:
— Paremos por um momento, a fim de trocar de vestes.
Reagi com espanto diante do que ouvia. Então, deveríamos mudar nossos trajes? O que significava isso? Euzália, circunspecta, esclareceu:
— Deste ponto em diante, penetramos numa região dominada por espíritos infelizes, trevosos e totalmente dominados pelo mal e os habitantes desta morada astral não podem nos reconhecer com a aparência perispiritual em que nos encontramos. Por isso, precisamos modificar nossa vibração e imprimir outra aparência a nossos corpos espirituais.
Enquanto explicava, Euzália e Silva puseram-se a concentrar seus pensamentos. Imediatamente os soldados ou guardiões levantaram suas lanças, à semelhança de dardos de energia, e formaram em torno de nós uma espécie de escudo protetor. No ambiente inóspito em que nos encontrávamos esse era um comportamento necessário, devido aos elementos psíquicos desgovernados e desequilibrados que nos envolviam.
Primeiramente, vi transformarem-se diante de mim as vestes suaves e translúcidas de Euzália. Pouco a pouco, seu vestido assumiu aspecto mais simples; então, completamente diferente, assemelhava-se à vestimenta própria das mulheres das senzalas, segundo o costume de meados do século XVI. Euzália, no momento da transformação, parecia um ímã vivo.
Verdadeiras ondas de fluidos eram atraídos em sua direção, formando, em seu redor, uma espécie de campo magnético, que, de algum modo, materializava-se nos trajes com os quais Euzália se distinguia a
partir daquele momento. A seguir, foi a vez da aparência espiritual. Paulatinamente, as feições de Euzália transfiguravam-se, assumindo nova conformação.
A aparência clara, de tipo europeu, tomou as características de uma negra, sem perder, porém, a delicadeza no olhar e a simplicidade do espírito nobre. As rugas se fizeram notar, e os cabelos tornaram-se esbranquiçados. Já não era mais Euzália que estava diante de mim, mas Vovó Catarina, a preta-velha que eu conhecera no passado, numa tenda de Umbanda.
Virei-me, então, para nosso companheiro Silva, a tempo de presenciar, extasiado, a transformação que se operou em seu perispírito. Silva estava envolvido por uma luz peculiar, que dava a impressão de encobrir seu corpo espiritual; mal podia divisar a forma humana em meio à luminosidade que irradiava do companheiro. Eu tremia por dentro, tamanha a emoção que me dominava. Aos poucos a luminosidade diminuía, e pude perceber que Silva se transfigurava lentamente na figura de um homem de mais ou menos 70 anos de idade, barba e cabelos
brancos, vestido com traje muito simples.
Silva agora era um velho. O casal de anciãos era perfeito. Eram agora Vovó Catarina e o preto-velho no qual se transformara o amigo Silva, ambos trabalhadores ativos na seara do Mestre.
Foi ele quem, dirigindo-se a mim, deu explicações:
— Não se assuste, caro Ângelo, se eu e Euzália tivemos de assumir nova forma espiritual. Assim se faz necessário, a fim de que nos relacionemos melhor com outros espíritos que visitaremos. Não basta que os guardiões nos protejam de vibrações mais densas, é preciso que nós mesmos possamos assumir aparência comum aos olhos de nossos irmãos, para não insultá-los com nossa altivez. Precisamos todos compreender que, para falar com eles e os outros companheiros que têm afinidade com a magia, é necessário que tomemos
conformação compatível com a visão de nossos irmãos.
— Creio que Ângelo já está acostumado com nossa maneira de trabalhar — falou Vovó Catarina. — Mas, mesmo assim, meu amigo talvez tenha alguma dúvida, não é, Ângelo?
— Bem, só queria saber se eu também terei que me transformar num velho…
— Claro que não! — respondeu agora Catarina.
E, contendo o riso, talvez captando a imagem mental que fiz de mim mesmo, na figura de um ancião negro repórter, prosseguia:
— Ângelo, você é um espírito que se afiniza muito bem com o método educacional espírita, e não vejo razão para ser diferente. Nosso campo de trabalho é outro. Envolvemo-nos com companheiros que trazem uma lembrança atávica impressa em seu campo espiritual. Sua cultura, seus costumes e crenças, vividos ao longo de encarnações e encarnações, forçam-nos a falar uma linguagem diferente, para que sejamos compreendidos com clareza.
Contudo, a verdade que desejamos transmitir é a mesma, Ângelo. E não ignoramos de modo algum o sentido divino que existe na codificação espírita. Reconhecemos a natureza do Espiritismo e a verdade da revelação dada a Allan Kardec. Em essência, ensinamos a mesma coisa, pontificamos a mesma verdade: nosso alvo é que é diferente, nosso público é outro. Por isso julgamos necessário nos apresentar dessa forma e falar nessa linguagem mais simples, popular. A meu ver, ao agir assim praticamos o método que herdamos do grande professor da Galileia: a pescadores, falar sobre pesca e marés; a cobradores de impostos, referir-se a moedas e talentos. Isto é: a cada um, a mesma verdade, adaptada, porém, a seu entendimento, sua cultura e sua maneira de ver a vida.
— A Umbanda, Ângelo, é uma religião de magia, e tudo nela tem um sentido mágico — disse o preto-velho. — Não que seja uma verdade diferente, não, mas a metodologia utilizada na Umbanda e bem distinta daquela utilizada no Espiritismo. Mesmo referindo-nos à mesma verdade, utilizamo-nos de vocabulário bastante diverso. Adotamos a aparência de um pai-velho ou de uma mãe-velha porque acreditamos ser mais afeita aos companheiros, aos espíritos aos quais nos dirigimos.
Wallace, que até então permanecera calado, conhecia sobejamente as questões em jogo, pois ele próprio provinha das lides espíritas. Foi quem afirmou, em seguida:
— Muitos espíritas parecem ter medo ou preconceito com relação a espíritos que se manifestam como pretos-velhos ou caboclos. Desconhecem, geralmente, a tarefa nobre que é desempenhada por espíritos muito esclarecidos, que, em muitas ocasiões, preferem assumir a aparência simples de entidades assim, tão presentes na cultura e na história do povo brasileiro.
— E, apesar de ser uma conclusão lógica, outra coisa deve ser dita — continuou Silva. — Não é apenas pelo fato de um espírito se apresentar como pai-velho ou caboclo que ele seja elevado ou esclarecido. O bom senso não nos deve deixar cometer um engano desses. E justamente nesse ponto muitos umbandistas acabam se equivocando. Sabemos de entidades maldosas que por anos e anos trabalham com médiuns imprevidentes, imprudentes ou ignorantes, dizendo ser Pai Fulano ou Pai Cicrano. Médiuns que, sem o hábito de estudar, tornam-se vítimas de processos obsessivos avançados, pois dão ouvido a qualquer espírito.
Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, trouxe muita luz sobre esse aspecto intrincado do exercício da mediunidade. Pessoalmente, acredito que ele não escreveu somente para os espíritas, mas para todo aquele que se propõe entrar em contato com as verdades espirituais e com o intercâmbio mediúnico. Por essa razão, defendo que os umbandistas também se dediquem com mais afinco ao estudo, sem subestimar as explicações, os conselhos e as advertências que Allan Kardec trouxe em O LIVRO DOS MÉDIUNS.”
Fonte: Aruanda, Robson Pinheiro pelo espírito de Ângelo Inácio.