sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Um conto de sereia - por Douglas Fersan

 

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Contava a preta velha que Ogum caminhava por todos os cantos da terra.  Percorreu montanhas, cachoeiras, matas, estradas, cumprimentou seu irmão Exu nas encruzilhadas...

Mas quando a noite caía, Ogum sentia um vazio em seu peito. Era como se seu coração de guerreiro estivesse ali, mas sem bater. Não conseguia entender isso e sempre que tinha essa sensação, se refugiava em cantos escuros, onde poucos circulavam e ali ficava tentando entender sua angústia.

Até que numa noite de lua cheia, contava a preta velha, Ogum, novamente tomado por esse sentimento repentinamente, não teve tempo de se refugiar nos locais de costume.  Sem opção, ficou caminhando à beira-mar, observando o reflexo da lua sobre a água enquanto sofria com seu vazio.

Foi então que Ogum ouviu algo...  um som doce e ao mesmo tempo melancólico.  Algo que penetrava em seus ouvidos e ia fundo em sua alma.  Era um canto, mas não qualquer cantoria... Não era o lamento dos que sofrem nem a euforia dos vencedores.  Era um canto de fé e amor, que seduziu a alma do guerreiro.

Como um perdigueiro que procura a presa, Ogum percorreu a orla em busca de quem cantava.  Foi quando viu, à luz do luar, uma imagem que nunca mais esqueceu: uma bela mulher, de seios fartos penteando os cabelos com os dedos, sentada numa pedra ainda na água rasa da praia.  Ogum se aproximou da sereia e nada disse.  Apenas beijou seus lábios longamente.

A preta velha conta que toda a angústia do guerreiro foi embora junto com a sereia ela mergulhou de volta na água, e que cada vez que Ogum se sentia angustiado, a procurava para através desse ritual de amor levar sua tristeza embora.  E assim é até hoje: quando estamos tristes, doentes, vitimados por sentimentos negativos, entregamos tudo isso à linda sereia, que leva todas as nossas angústias para o fundo do mar.

_Se até o maior dos guerreiros precisou da ajuda da seria para se fortalecer" - disse a preta velha enquanto pitava seu cachimbo - "quem somos nós para não acreditar na força das sereias do mar?"

Autor: Douglas Fersan