sábado, 11 de janeiro de 2014

A Lição que Precisava


Não se deve mais olhar para trás quando decidimos por nos espiritualizarmos. O passado de cada um pode dificultar a caminhada do presente como também pode ajudá-lo na consolidação de promessas feitas. Sejamos sóbrios. Sejamos honestos com as propostas que a cada instante os benfeitores espirituais estão nos oferecendo. Corre o tempo em que as apurações são necessárias. Nosso planeta tão pródigo, tão benigno, merece uma posição melhor no cômputo cósmico. Nosso Mestre Jesus vem há milhares de anos ofertando a todos as bênçãos da Sua presença iluminada, sábia e amorosa. Não se pode precisar o início histórico de cada morador desta casa, pode-se, contudo, avaliar o que cada qual fez e faz do tempo que aqui está a partir das suas posturas e decisões. O planeta necessita de nossas ações positivas para que ele avance na escala dos mundos, atingindo outro estágio que o aproxime da categoria de mundos felizes.
Noutro dia encontrei alguém muito feliz. Ela caminhava com desenvoltura por uma avenida entulhada de gente, carroças de pipocas, bancas de jornal e inúmeros camelôs divulgando em voz alta seus produtos, numa confusão generalizada. Segui-a com os olhos já que estava distante, na sacada do prédio onde funciona a lavanderia na qual trabalho. Era o meu horário de almoço. E aquela pessoa sorria para todos, distribuindo formosas bênçãos. Pensei ser uma religiosa, uma distribuidora de produtos para o comércio dali, uma milionária, talvez relembrando seus tempos de pobreza ou ainda um agênere materializado entre os vivos trazendo-lhes os recados da espiritualidade além.  Fiquei intrigado com tamanha felicidade. Donde vinha ela? Onde se abastecia de tanta festa interior? Passei assim a observá-la diariamente. E ela não falhava. Vinha todos os dias, distribuindo os mesmos benefícios da sua aura em festa.

Fiz um acordo com o patrão. Trabalharia durante uma semana até as 22 horas para que ele me desse um dia de folga durante a semana. Eu precisava descer da sacada, encontrar-me com ela. Assim, numa bela terça-feira, dia da minha reunião mediúnica, aprontei-me com uma roupa melhor, barbeei, peguei algum dinheiro para almoçar num restaurante e lá fui eu encontrar-me com a doadora de alegrias. Cuidei para que meu patrão não me visse andando pela rua, próximo à lavanderia. Sempre se tem um servicinho que é nossa especialidade e aí, pronto: – Olha, que bom que está por aqui. Estou precisando de você. Suba!

Caminhei então por entre aquele ambiente calorento e confuso durante trinta minutos para sentir o que sentia aquela pessoa que transitava com desenvoltura por entre tudo e todos. Ela não aparecia. Caminhei mais um pouco, nada! Um pouquinho mais e não a encontrava. Passei pelos mesmos locais que ela costumava passar e na hora de sempre. E ela não aparecia. Duas horas depois estava extenuado. Quase não tinha mais fôlego. A roupa grudava em meu corpo suado. De tanto levar empurrões e pisões, tinha pré-hematomas por todos os lados do corpo. Até xinguei uma criança que corria esbaforida procurando um algodão doce que havia escapado de suas mãos. Uma mulher obesa, besuntada de maquiagem e trajando enorme vestido vermelho com bolas e fitas brancas, vinda das partes mais exóticas do planeta, pediu-me moedas e companhia. Nem dei atenção a ela, pelo contrário, empurrei-a com força. Um velho capenga mal se firmava nos pés e, absurdo, queria transitar naquele lugar. Ia ao médico. Por que não arranjava um médico na periferia da cidade? Será que não percebia que seu andar lento e manquitola atrapalhava a passagem de todos? Um camelô que vendia azeitonas baratas, infestado daquele cheiro, quase me empurrou goela abaixo uma daquelas sementes verdes: – Prova! Vai perceber que é a melhor da cidade!

Depois veio uma cigana pegando minhas mãos e dizendo que eu iria encontrar bela moça para casar. Ora, já era casado há tanto tempo! Disse a ela que procurasse seu lugar! Tudo aquilo me deixava superestressado. Um grupo de desocupados discutia futebol, numa roda, impedindo a passagem. Ditei-lhes algumas palavras impróprias e falei mal do futebol, dizendo que enquanto eu ganhava três salários mínimos, há jogadores que ganham mais de oitocentos salários mínimos! Depois até pensei no que eu tinha a ver com isto. Mas já havia dado minha infeliz opinião. E fui assim, trombando aqui, ali, levando pisões e arranhões, ditando impropérios tirados de uma imensa rede de variedades, que perambulei por duas horas e duas a mais do tempo que via aquela pessoa feliz passar e sorrir para todos. E, por falar nela, nada! A divina criatura tirou folga justo naquele dia.

Chegou a noite e fui para a mediúnica. Estava cansado demais. Com certeza não produziria nada. Arrependi-me por não ter trabalhado normalmente. O meu trabalho era uma preparação para minhas conversas com Espíritos necessitados. O diretor da reunião deu início à mesma. Silêncio, leitura do Evangelho, prece e aguardos. Uma médium foi logo acionada por um irmão, depois outra e mais outra. Não conseguia tabular boa conversação. Houve um momento que o diretor teve que interferir. Eu não estava bem. Estava muito cansado e aborrecido por não ter encontrado a pessoa feliz.

Já no final, antes da prece de encerramento, dona Justina, médium mais antiga no Centro Espírita que eu frequentava, tomou minhas mãos e olhou-me com carinho: – Está aqui uma entidade que deseja falar com você. Escute bem o que ela tem a dizer. Dito isto, foi logo acionada por uma entidade calma e feliz: – Olá, amigo. Bom te ver aqui. Estou feliz por isto. Meu nome é Xênia e venho de muito longe. Minhas marcas estão arquivadas em sua memória. Faz algum tempo e fomos amigos numa jornada venturosa. Você me encantou pela disposição, alegria e bom humor perante as situações mais difíceis que enfrentava. Eu era apenas uma aprendiz das suas posturas sãs e benevolentes. O tempo passou e você renasceu. Eu permaneci. Consegui descobri-lo trabalhando na lavanderia. Marquei bem o seu horário de folga e passava pela avenida, mostrando a você minhas melhoras no campo do bom humor e do entendimento de como lidar com situações e pessoas difíceis. Hoje não me foi possível passar pela avenida porque tive a autorização de vir a esta reunião para conversarmos. Assim, gostaria de saber o que achou de mim. Melhorei um pouco?

Abaixei a cabeça envergonhado. Jesus havia permitido que eu visse um Espírito desencarnado. Coisa que mais queria. E não era uma visão apenas para meu deleite. Era para que eu, em vendo o Espírito desencarnado, olhasse para dentro de mim. Eu estava desaprendendo tudo. Se fui mesmo o que ela disse, havia despencando de algum cume. Percebi o quanto necessitava melhorar. Quem sabe lá no passado fui impulsionado para os alvores da alegria como um estímulo e agora havia retornado para os processos da consolidação? Olhei para Xênia e a vi novamente. Dona Justina desapareceu e ali aquela pessoa de beleza jovial sorria-me, estendendo as mãos: – Você me recebe como filha?

Quase desfaleci. Eu e minha esposa estávamos nos preparando para nos colocar à disposição de Deus para que nos enviasse um de Seus filhos.  – Renascerei em paz e feliz e, mais ainda, por ser amparada por você que me ensinou a caminhar com bravura pelas avenidas tormentosas do mundo.

Chorei copiosamente. Ninguém ali entendeu. Xênia seria minha filha. E agora, como recebê-la? Que mudanças necessitaria realizar? O que precisava domar em mim das minhas intempestividades, das minhas ranzinzas, das minhas respostas prontas para aquilo que me perturbava? Ontem ela renasceu. Tomei-a nos braços e prometi: – Caminharei com você nas avenidas tortuosas do mundo, mostrando-lhe que tudo é de Deus e que estamos no lugar certo, com as necessidades de que mais precisamos.


Por Guaraci Lima Silveira