quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Lições de um Preto Velho


LIÇÕES DE UM PRETO VELHO

Observe esta breve história. Uma história verídica que infelizmente ocorre com grande freqüência nas reuniões espíritas com os então ainda espectadores encarnados, incrédulos que necessitam da ilusão dos “nomes afamados e títulos memoráveis” para se dar a credibilidade ao espírito mensageiro iluminado.
Cenário: reunião mediúnica num Centro Espírita. A reunião na sua fase teórica desenrola-se sob a explanação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Os membros da seleta assistência ouvem a lição atentamente. Sobre a mesa, a água a ser fluidificada e o Evangelho aberto na lição nona do capítulo dez: “O Argueiro e a trave no olho”.

Dr. Anestor, o dirigente dos trabalhos, tecia as últimas considerações a respeito da lição daquela noite. O ambiente estava impregnado das fortes impressões deixadas pelas palavras do Mestre: “Por que vês tu o argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu?”. Findos os esclarecimentos, apagaram-se as luzes principais, para que se desse abertura à comunicação dos Espíritos.

Um dos presentes fez a prece e deu-se início às manifestações mediúnicas. Pequenas mensagens, de consolo e de apoio, foram dadas aos presentes. Quando se abriu o espaço destinado à comunicação das entidades não habituais e para os Espíritos necessitados, ocorreu o inesperado: a médium Letícia, moça de educação esmerada, traços delicados, de quase trinta anos de idade, dez dos quais dedicados à educação da mediunidade, sentiu profundo arrepio percorrendo-lhe o corpo. Nunca, nas suas experiências de intercâmbio, tinha sentido coisa parecida. Tomada por uma sacudidela incontrolável, suspirou profundamente e, de forma instantânea, foi “dominada” por um Espírito. Letícia nunca tinha visto tal coisa: estava consciente, mas seus pensamentos mantinham-se sob o controle da entidade, que tinha completo domínio da sua psiquê.

O dirigente, como sempre fez nos seus vinte e tantos anos de prática espírita, deu-lhe as boas vindas, em nome de Jesus:

- Seja bem vindo, irmão, nesta Casa de Caridade, disse-lhe Dr. Anestor.
 
O Espírito respondeu:
 

“Zi-boa noite, zi-fio. Suncê me dá licença pra eu me aproximá de seus trabaios, fio?”.

- Claro, meu companheiro, nosso Centro Espírita está aberto a todos os que desejam progredir, respondeu o diretor dos trabalhos.

Os presentes perceberam que a entidade comunicante era um preto-velho, Espírito que habitualmente comunica-se em terreiros de Umbanda. A entidade comunicante continuou:

“Vós mecê não tem aí alguma coisa pra eu bebê, Zi-Fio ?”.

- Não, não temos, disse-lhe Dr. Anestor. Você precisa se libertar destes costumes que traz de terreiros, o de beber bebidas alcoólicas e café. O Espírito precisa evoluir, continuou o dirigente.

“Vós mecê não tem aí um pito? Tô com vontade de pitá um cigarrinho, Zi-fio”.

- Ora, irmão, você deve deixar o hábito adquirido nas sessões de Umbanda, se queres progredir. Que benefícios traria isso a você?

O preto-velho respondeu:

“Zi-preto véio gostou muito de suas falas, mas suncê e mais alguns dos que aqui estão, não faz uso do cigarro lá fora, Zi-fio? Suncê mesmo, não toma suas bebidinhas nos fins de sumana? Vós mecê pode me explicá a diferença que tem o seu Espírito que bebe whisky, no fim de sumana, do meu Espírito que quer beber aqui? Ou explicá prá mim, a diferença do cigarrinho que suncê queima na rua, daquele que eu quero pitá aqui dentro?”.

O dirigente não pôde explicar, mas ainda tentou arriscar:

- Ora, meu irmão, nós estamos num templo espírita e é preciso respeitar o trabalho de Jesus.

O Espírito do preto-velho retrucou, agora já não mais falando como caipira:

“Caro dirigente, na Escola Espiritual da qual faço parte, temos aprendido que o verdadeiro templo não se constitui nas quatro paredes a que chamais Centro Espírita. Para nós, estudiosos da alma, o verdadeiro templo é o templo do Espírito, e é ele que não deve ser profanado com o uso do álcool e fumo, como vem sendo feito pelos senhores. O exemplo que tens dado à sociedade, perante estranhos e mesmo seus familiares, não tem sido dos melhores. O hábito, mesmo social, de beber e fumar deve ser combatido por todos os que trabalham na Terra em nome do Cristo. A lição do próprio comportamento é que é fundamental na vida de quem quer ensinar”.
 
Houve profundo silêncio diante de argumentos tão seguros. Pouco depois, o Espírito continuou:

“Desculpem a visita que fiz hoje e o tempo que tomei do seu trabalho. Vou-me embora para o lugar de onde vim, mas antes queria deixar a vocês um conselho: que tomassem cuidado com suas obras, pois, como diria Nosso Senhor, tem gente “coando mosquito e engolindo camelo”. Cuidado, irmãos, muito cuidado. Deixo a todos um pouco da paz que vem de Deus, com meus sinceros votos de progresso a todos que militam nesta respeitável Seara”.

Deu uma sacudida na médium, como nas manifestações de Umbanda, e afastou-se para o mundo invisível. O dirigente ainda quis perguntar-lhe o porquê de falar “daquela forma”. Não houve resposta.

 

No ar ficou um profundo silêncio, uma fina sensação de paz e uma importante lição: lição para os confrades meditarem sobre aquilo que creem ou que necessitam ter para crer!!!!
 
Saravá Yofá! Saravá os Preto-Velhos!!!
Saravá todo o povo do cativeiro!
Adorei as Almas!!!!!!
 
QUEM DECIDE COLOCAR-SE COMO JUIZ DA VERDADE E DO CONHECIMENTO É NAUFRAGADO PELA GARGALHADA DOS DEUSES.
PENSE NISSO!

ROSA BRANCA SEM ESPINHOS(PSICOGRAFIA DE VÓ MARIA)


“Minha família de fé,
Quando a ingratidão e a injustiça baterem a sua porta volte seus pensamentos ao bem,feche os olhos e mentalize o sorriso daqueles que foram beneficiados com o trabalho de amor e dedicação que tem dado frutos doces a muitos corações amargurados pela dor,agindo assim toda a ingratidão e injustiça sofridas serão ofuscadas pela luz que emana de suas ações.
Ah se eu fosse recuar cada vez que recebi uma chibatada, não teria feito nada de minha encarnação, não teria feito meu resgate cármico, não teria caminhado, ficaria encolhida no canto da senzala me lastimando… Agora estou me lembrando… já contei para vocês esse fato que ocorreu na fazenda, em minha última encarnação…
…Entrei na casa grande,já era madrugada, fui chamada pela sinhá,o sinhozinho Pedro Henrique, filho dela,um jovem de 18 anos, se encontrava muito enfermo, jazia sobre o leito, muito pálido delirava de febre. Chovia muito e a pequena ponte de madeira que dava travessia para a vila, havia sido levada pela chuva.Assim sendo,não havia como enviar um escravo para trazer o “doutor”.
Ao ver aquele menino,na hora eu soube que ele desencarnaria, havia chegado o momento dele e nem eu,o “doutor” ou qualquer encarnado poderíamos mantê-lo vivo.Eu Havia trazido aquele menino ao mundo,era eu quem realizava todos os partos da família,e foram muitos que eu trouxe ao mundo com minhas mãos de parteira,aquele menino era querido para mim,como um filho!
Ele me amava também e assim que cheguei perto da cama ele me olhou, sorriu e apertou minha mão. A mãe desesperada e ansiosa por notícias implorava com os olhos que eu salvasse seu filho, eu fiz tudo o que estava ao meu alcance para mantê-lo confortável, troquei os lençóis baixei sua febre com ervas, ele melhorou… 
Quando o dia já amanhecia, ele sentou-se na cama, chamou sua mãe,disse que a amava, se despediu das irmãs,me deu um abraço apertado, deito-se,sorriu e partiu… Eu o vi sair do corpo e quando passou por mim, com´O VELHO ESCRAVO VÓ DITO AO SEU LADO, me disse “até logo vó, te amo!”e se foi…a família se desesperou, foi muito triste a ausência daquele menino tão alegre e generoso… a mãe se trancou no quarto e o pai, se revoltou e mandou me buscar na senzala, derramou sobre mim todo o seu ódio e sofrimento, mandou que esquentassem o ferro e fez uma marca nas minhas costas com ferro em brasa, ele sabia que eu não tinha culpa, mas precisava que o mundo sentisse sua dor, precisava me ver sofrer para ver se amenizava sua dor e para mim a pior dor era a saudade de meu menino,que eu vi crescer e que quando criança me acompanhava por aqueles campos,fazendo mil perguntas:
‘”VÓ,O QUE É ISSO?VÓ, PARA QUE SERVE ESSA ERVA?VÓ PORQUE A SENHORA É ESCRAVA?VÓ,QUANDO EU FOR DONO DESSA FAZENDA A SENHORA NÃO VAI MAIS SER ESCRAVA,VAI SER SÓ MINHA VÓ!”
era assim que ele era comigo e meu coração doía por sua partida, doía tanto que nem senti a queimadura…Passaram-se dois dias, a mãe, a sinhazinha, veio ao meu encontro, chorando pediu perdão pela atitude do marido, chorando nos abraçamos e juntas fomos ao túmulo do nosso menino, juntas fizemos nossas preces e ela me deu uma rosa branca, quando olhei vi que ela havia retirado todos os espinhos da rosa!
Então ela me disse:”ESSA É A PERFEITA REPRESENTAÇÃO DO AMOR QUE ME UNE AO MEU FILHO,UM AMOR SÓ DE PERFUME SEM A DOR DOS ESPINHOS,É ISSO QUE QUERO OFERECER AOS OUTROS, É ISSO QUE OFEREÇO A SENHORA, É ASSIM QUE SINTO MEU FILHO.”
E eu percebi o quanto é bom espalhar rosas sem espinhos,por mais que a dor visite seu coração, não pense em furar o coração dos outros com os espinhos de sua revolta. Conserve em seu coração sentimentos de amor, perdão e gratidão, os espinhos da ingratidão ferem tanto quanto os espinhos da revolta. Que o perfume da amizade, da fé em Deus e do amor ao próximo lhe ajudem a superar as agruras das provas terrenas.
Ofereço a vocês minha família de alma,
principalmente a você filha, minha rosa branca sem espinhos…PASSE ADIANTE…
Vó Maria”

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

« Faz Caridade Fio!


causosdeumbanda2.jpg
Leni W. Saviscki
“A ingratidão é um dos frutos mais imediatos do egoísmo; revolta sempre os corações honestos.”
Vovó Maria fumegava seu pito e batia seu pé ao som da curimba enquanto observava o terreiro, onde os cambones movimentavam-se atendendo aos pretos velhos e aos consulentes. Mandingueira, acostumada a enfrentar de tudo um pouco nos trabalhos de magia, sabia perfeitamente como o mal agia tentando disseminar o esforço do bem.
Sob variadas formas, as trevas vagavam por ali também.
Alguns em busca de socorro; outros, mal-intencionados, debochavam dos trabalhadores da luz. Muitos chegavam grudados no corpo das pessoas, qual parasitas sugando sua vitalidade.
Outros, por sobre seus ombros, arqueando e causando dores nos hospedeiros, ou amarrados nos tornozelos, arrastavam-se com gemidos de dor. Fora os tantos que eram barrados pela guarda do local, ainda na porta do terreiro e que, lá de fora, esbravejavam palavrões.
Da mesma forma, o movimento dos exus e outros falangeiros se fazia intenso no lado astral do ambiente, para que, dentro do merecimento de cada espírito, pudessem ser encaminhados.
Uma senhora com ares de madame se aproximou da preta velha para receber atendimento. Vinha arrastando uma perna que mantinha enfaixada.
– Saravá, filha – falou Vovó Maria, enquanto desinfetava o campo magnético da mulher com um galho verde, além de soprar a fumaça do palheiro em direção ao seu abdome, o que fez com que a mulher demonstrasse nojo em sua fisionomia.
Fingindo ignorar, a preta velha, cantarolando, continuou a sua limpeza. Riscando um ponto com sua pemba no chão do terreiro, pediu que a mulher colocasse sobre ele a perna ferida.
“Será que não vai pedir o que tenho?”, pensou a mulher, já arrependida por estar ali naquele lugar desagradável. “Vou sair daqui impregnada por estes cheiros!”
Vovó Maria sorriu, pois captara o pensamento da mulher, mas preferiu ignorar tudo isso. O que a mulher não sabia era a gravidade real do seu caso, ou seja, aquilo que não aparecia no físico. Se ela pudesse ver o que estava causando a dor e o inchaço na perna, aí sim, certamente ficaria muito enojada. Na contraparte energética, abundavam larvas que se abasteciam da vitalidade do que já era uma enorme ferida e que breve irromperia também no físico.
Além disso, uma entidade espiritual, em quase total deformação, mantinha-se algemada à sua perna, nutrindo, assim, essas larvas astrais. Para qualquer neófito, aquilo mais parecia um cadáver retirado da tumba mortal, inclusive pelo mau cheiro que exalava.
Com a destreza de um mago, a preta velha sabia como desvincular e transmutar toda essa parafernália de energias densas, libertando e socorrendo a entidade escravizada a ela.
Feitos os devidos “curativos” no corpo energético da mulher, Vovó Maria, que à visão dos encarnados não fez mais que um benzimento com ervas e algumas baforadas de palheiro, dirigiu-se agora com voz firme à consulente:
– Preta Velha até aqui ouviu calada o que a ilha pensou a respeito do seu trabalho.
Agora preciso abrir minhas tramelas e puxar sua orelha.
Ouvindo isso, a mulher afastou-se um pouco da entidade, assustada com a possibilidade de que ela viesse mesmo a lhe puxar a orelha.
“Escutou o que pensei? Ah, essa é boa. Ela está blefando comigo.”, pensou novamente a mulher.
– Se a madame não acredita em nosso trabalho, por que veio aqui buscar ajuda? Filha, não estamos aqui enganando ninguém. Procuramos fazer o que é possível, dentro do merecimento de cada um.
– É que me recomendaram vir me benzer, mas eu não gosto muito dessas coisas…– …e só veio porque está desesperada de dor e a medicina não lhe deu alento, não foi ilha? – complementou a preta velha.
– Os médicos querem drenar a perna e eu fiquei com medo, pois nos exames não aparece nada, mas a dor estava insuportável.
– Estava? Por quê, a dor já acalmou?
– É, agora acalmou, parece que minha perna está amortecida.
– E está mesmo, eu fiz um curativo.
A mulher, olhando a perna e não vendo curativo nenhum, já estava pronta para emitir um pensamento de desconfiança quando a preta velha interferiu:
– Vá para sua casa, ilha, e amanhã bem cedo colha uma rosa do seu jardim, ainda com orvalho, e lave a sua perna com ela, na água corrente. Ao meio-dia o inchaço vai sumir e sua perna estará curada.
Não ousando mais desconfiar, ela agradeceu e já estava saindo quando a preta velha a chamou e disse:
– Não se esqueça de pagar a promessa que fez pra Sinhá Maria, antes dela morrer…
Arregalando os olhos, a mulher quase enfartou e tratou de sair daquele lugar imediatamente.
O cambone, que a tudo assistia calado, não agüentando a curiosidade perguntou que promessa foi essa.
– Meu menino, o que nós escondemos dos homens fica gravado no mundo dos espíritos.
Essa filha, herdeira de um carma bastante pesado por ter sido dona de escravos em vida passada e, principalmente, por tê-los ferido a ferro e fogo, imprimindo sua marca na panturrilha dos negros, recebeu nesta encarnação, como sua fiel cozinheira, uma negra chamada Sinhá Maria.
Esse espírito mantinha laços de carinho profundo pela madame desde o tempo da escravidão, quando foi sua “Bá” e, por isso, única poupada de suas maldades. Nessa encarnação, juntaram-se novamente no intuito de que a bondosa negra pudesse despertar na mulher um pouco de humildade, para que esta tivesse a oportunidade de ressarcir os débitos, diante da necessidade que surgiria de auxiliar alguém envolvido na trama cármica.
Sinhá Maria, acometida de deficiência respiratória, antes de desencarnar solicitou à sua patroa que, na sua falta, assistisse seu esposo, que era paraplégico, faltando-lhe as duas pernas.
Deixou para isso todas as suas economias de anos a fio de trabalho e só lhe pediu que mantivesse com isso a alimentação e os medicamentos. Mas na primeira vez que ela foi até a favela onde morava o homem, desistiu da ajuda, pois aquele não era o seu “palco”. Tratou logo de ajustar uma vizinha do barraco, dando-lhe todo o dinheiro que Sinhá havia deixado, com a promessa de cuidar do pobre homem. Não é preciso dizer que rumo tomaram as economias da pobre negra; em pouco tempo, para evitar que ele morresse à míngua, a Assistência Social o internou em asilo público. Lá ele aguarda sua amada para buscá-lo, tirando-o do sofrimento do corpo físico. Nenhuma visita, nenhum cuidado especial. A madame se havia “esquecido” da promessa. Eu só iz lembrá-la para que não tenha que voltar aqui com as duas pernas inválidas. A Lei só nos cobra o que é de direito, mas ela é infalível. Quanto mais atrasamos o pagamento de nossas dívidas, maiores elas ficam. Por isso, camboninho, negra velha sempre diz para os filhos que a caridade é moeda valiosa que todos possuímos, mas que poucos de nós usam. Se não acordamos sozinhos, na hora exata a vida liga o “desperta-dor” e, às vezes, acordamos
assustados com a barulheira que ele faz… eh, eh, eh… Entendeu, meu menino?
– Sim, minha mãe. Lembrei que tenho de visitar meu avô que está no asilo…
Sorrindo e balançando a cabeça a bondosa preta velha falou com seus botões:
– Nega véia matô dois coelhos com uma cajadada só… eh, eh…
E, batendo o pé no chão, fumando seu pito e cantarolando, prosseguiu ela, socorrendo e curando até que, junto aos demais, voltou para as bandas de Aruanda.
Causos de Umbanda Volume 2 – Páginas 37 a 41 – Vovó Benta / Leni W. Saviscki